Tinham nos acordado no meio do nosso descanso, e nos puxado para fora do nosso colchão velho, nossa “casa”, colocaram sacos pretos em nossas cabeças, de modo que não víamos nada e quase sufocávamos pelo susto, então nos arrastaram para outro lugar, onde fomos jogados de qualquer forma para dentro, antes da porta ser trancada. Não era nenhuma novidade, de vez em quando mudávamos de “estadia”, para alguma maior ou menos imunda. Dali podíamos ouvir gemidos baixos, e algumas vozes que pareciam sofrer o tempo todo.
_mamãe, porque estamos aqui? – perguntei, quando fomos subitamente trocados de lugar, e levados para uma sala um pouco maior, mas sem tantas coisas como nas outras. – porque fazem isso conosco? Nós somos maus?
_não, meu amor! – ela falou rapidamente – nós estamos aqui, porque um homem mal, quer acabar com nossa espécie! – ela explicou com tom terno, enquanto acariciava meus cabelos – então ele nos prendeu aqui!
_ele vai deixar a gente ir embora? – perguntei novamente.
_um dia, você irá embora! – meu pai falou e afagou meus cabelos com carinho – e vai ver o mundo e tudo o que há nele, e será muito feliz!
_e vocês? – ambos trocaram um olhar rápido, antes de minha mãe responder.
_estaremos sempre com você, Elloran! – sorriu.
Naquela época, eu não entendia o porque de estarmos ali. Desde sempre estivemos presos por paredes, homens apareciam, levavam minha mãe para longe por dias, e quando ela retornava, estava com marcas no corpo, ou então dormindo, ou chorando... Meu pai dizia que as coisas iam ficar bem. Eles cuidavam um do outro, mas nunca os vi demonstrar qualquer afeto. Se não fossem pelas semelhanças obvias entre nós, até poderia dizer que não tínhamos qualquer parentesco, no entanto, eu era a cópia viva de minha mãe.Tinha cabelos brancos e olhos azuis como ela, a pele clara e as feições de meu pai, tinha um cheiro diferente, como uma porção suave misturada, dos cheiros deles.
Desde sempre estivemos ali, usávamos as mesmas roupas e comíamos uma espécie de ração e frutas velhas, “como animais”, meu pai sempre dizia. Quando eu crescia, ganhava trapos novos, ao menos pareciam limpos. Dividíamos o único colchão velho e fino do chão, e nos aquecíamos com nossa magia. Meus pais não conseguiam se transformar em sua forma animal, pois usavam coleiras de aço bruto, com pontas nas partes de dentro, caso eles se transformassem, teriam os pescoços perfurados e morreriam.
Como fiquei sabendo, se não nos transformássemos por muito tempo, ficávamos parecidos como os humanos, e era assim que eles nus mantinham presos.
Um dia, os homens maus entraram na nossa pequena sela, e levaram minha mãe, puxando-a pelo braço, prendendo sua coleira de aço a uma corrente, e arrastando-a como um animal selvagem. Em seguida, outros homens entraram e fizeram a mesma coisa com meu pai, deixando-me apavorado, só podia esperar pela minha vez, porém o que eu não sabia era que algo ainda pior me esperava.
Quando os homens vieram, apenas arrastaram-me para um lugar diferente, uma sala diferente, com uma cama no centro do que parecia ser um quarto. Jogaram-me em cima daquele colchão fofinho, o que me deixou atordoado, e assim, prenderam meus pulsos e meu pescoço a correntes. Eu estava preso ali.
_o que está acontecendo? – perguntei nervosos – onde estão meus pais? Porque não estou com eles?
_fique quieto seu animal imundo! – a voz do homem, grave, ordenou-me, e assim me calei, com medo de apanhar, como muitas vezes vi acontecer com meu pai.
Não sabia exatamente quantos anos eu tinha, apenas uma vaga ideia de que já tinha mais de um século, pois meu corpo, mesmo magro e branco, mostrava suas formas, deixando-me com uma aparência bonita. Cultivava assim meus cabelos brancos, longos como os de minha mãe, para ficarmos ainda mais parecidos, já que meu pai possuía cabelos quase cinzas.
_você... – uma voz soou no quarto, me deixando ainda mais nervoso.
_quem está aí? – indaguei tentando me mover na cama, porém tinha a visão limitada, e os movimentos também.
_eu sou seu dono!
Aquelas palavras destruíram meu mundo. Aquele era o homem mal, a tal pessoa que machucava a tudo e a todos que eu gostava, senti meu corpo estremecer, conforme eu sentia aquela pessoa se aproximando de mim.
_até que não foi um desperdício total, deixar você vivo e lhe permitir crescer! – desdenhou – agora, posso até tirar proveito de você...
_o que vai fazer comigo? – perguntei num fio de voz.
_por enquanto, tirar a imundice de você! – falou.
As correntes foram puxadas para um lado, levando-me da cama ao chão. Gritei com o susto e tentei me colocar de pé, porém fui novamente puxando para dentro de algo com água, fazendo eu engolir uma boa quantidade da mesma. Quando consegui respirar, e tentei ver o que estava acontecendo, senti várias mãos em meu corpo, passando algo com cheiro floral em mim, esfregando-me sem dó, mexendo em meus cabelos, me deixando ainda mais atordoado.
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Alma de Urso - Livro II - Série Amores Indomáveis
RomansaElloran fora uma vítima desde o seu nascimento, sofrendo nas mãos de pessoas que não se importavam com sua existência. Ele era apenas mais um animal, apenas um brinquedo. O jovem urso polar tivera a vida marcada para sempre, e ainda sim, manteve sua...