The 5's Romance

Capítulo 14

  A menina depositou a mão livre sobre as sobrancelhas para encobrir os raios de sol intensos que ainda faziam presença naquela tarde de sábado, em meados do mês de agosto. As sombras dos galhos repletos de folhas, dispostos por todas as calçadas do bem arborizado bairro de Harbledown, amenizavam momentaneamente as temperaturas elevadas da época mais abafada do ano na cidade de Canterbury.

    Em seu usual caminhar lento e despreocupado, o rapaz ao seu lado carregava em mãos, com bastante cautela, um pequeno e ligeiramente ofegante embrulho aconchegado entre suas palmas. Sorria para os olhares curiosos da namorada, lançados em direção às penugens amarelo-acinzentadas e aos olhinhos pretos e brilhantes do filhote de robin europeu há pouco resgatado, durante todo o trajeto por eles realizado naquelas paisagens rurais.

    Em verdade, não haviam utilizado de nenhuma formalidade para estabelecer entre eles tamanho compromisso. Nenhum dos dois importou-se com pedidos ajoelhados, nem com buquês encomendados de rosas coloridas ou caixas de bombons em formato de coração da doceria mais cara e clichê do centro da cidade. Bastou a eles a menção despretensiosa do relacionamento pela matriarca da família, em um dos vários jantares por ela a eles proporcionados, para que trocassem olhares tímidos e concordassem, em sua comunicação silenciosa, que aquele status era a eles mais do que bem-vindo.

    Pelos dois meses em que aproveitaram a liberdade de expressar as sensações sempre tão presentes em seus corações, Newt e Tina propuseram passeios de final de tarde pelas redondezas da grandiosa Cantuária, visitas a parques, praças e monumentos medievais durante manhãs de domingo, sextas-feiras dedicadas ao preparo de receitas em companhia da senhora de cabelos vermelhos, e também maratonas dos mais diversos seriados lançados pelo sistema de transmissão televisivo às noites de sábado, tais como aquela que planejavam fazer ao final daquele mesmo dia.

    Newt gostava de refletir, secretamente, sobre o quão tolas foram suas angústias de que um dia a menina pudesse vir a descobrir acerca de seus sentimentos. Retirava de sua mente os cenários nos quais perderiam a amizade entre eles estabelecida pela descoberta inapropriada de Tina e a preenchia com todos os recentes momentos, repletos do mesmo companheirismo e respeito mútuo, ocasionalmente com um beijo roubado ou outro, vivenciados por ele e sua sempre melhor amiga.

"Ele vai ficar bem, não é?" - os olhos castanhos piscaram duas vezes para o rosto iluminado pelo sol de Newt.

"A perna esquerda está machucada e ele está um pouco assustado" - retirou a manta fina de algodão para deixar à vista a pequena garra do pássaro - "Mas estará livre novamente em pouco tempo"

    Atravessaram o portão de madeira e seguiram direto para o galpão localizado aos fundos do casarão de dois andares, a figura sempre sorridente e simpática da senhora de cabelos vermelhos em nenhum lugar em que pudesse ser vista pelo grande jardim ou pelas vidraças da cozinha e da sala de estar. Tina depositou a mochila que carregava nas costas sobre o chão da pequena construção para fechar a porta e acender a lamparina elétrica enquanto Newt colocava, extremamente cauteloso, o pequeno e delicado animal sobre a mesa de trabalho.

"Ele ainda é bem jovem, duvido ter mais do que um mês de vida" - desembalou-o do tecido para examinar a garra lesionada, a figura atenta da menina aparecendo ao seu lado - "Não sei há quanto tempo seu ninho estava tombado, mas certamente deve estar com fome"

    A menina de cabelos escuros, os quais agora ultrapassavam discretamente a altura dos ombros, arriscou um passo em direção às prateleiras de madeira repletas de pequenos potes de vidro com os mais variados tipos de conteúdo. Os maiores abrigavam grãos e sementes de todas as cores, alguns menores mostravam conter ervas bastante verdes, outros mais escondidos coloriam-se de conservas pastosas feitas de frutas. Os olhos castanhos semicerrados vagaram cautelosamente em busca de um em particular entre os demais.