Capítulo 16

188 15 102
                                    

    As estantes de madeira escura repletas de livros refletiam o tom azulado de um céu que ainda não mostrava os primeiros raios solares daquela manhã de domingo. Uma corrente de ar frio
movimentava minimamente alguns fios da franja bagunçada do rapaz deitado ao chão da livraria enquanto ele ajeitava, pela terceira vez naquela noite, a almofada posicionada embaixo de sua cabeça. Não fechara os olhos por mais de um minuto em todas as horas nas quais permanecera naquela mesma posição, nem os desviara do entrelaço de pernas descansadas sobre a superfície macia do carpete, do anel reluzente à mão descansada sobre seu abdômen, da figura imóvel e tranquila adormecida sobre seu peito.

    Sorria, todo o tempo, porque para ele a imagem real de Tina vestindo sua camisa era melhor do que qualquer outra um dia projetada por sua imaginação. Não era capaz de desmanchar o sorriso sonhador de suas feições porque a imagem de ter as mãos entrelaçadas para perder-se em amor ao lado de Tina era surreal. Não poderia aliviar a sensação abrasadora que tomava conta de seu ser porque a imagem de Tina aceitando dividir com ele o resto de suas vidas era mais do que um dia poderia sequer imaginar.

    Percorreu, com bastante delicadeza, os fios escuros bagunçados para removê-los do rosto sereno antes de depositar um beijo leve sobre o topo da cabeça de sua noiva. Apoiado de volta à almofada azul escura, Newt pôs-se a encarar a estrutura de madeira do teto do estabelecimento, imerso instantaneamente em seus próprios pensamentos ao trazer à tona a memória de todos os eventos a serem realizados no decorrer daquele dia. Em menos de oito horas estaria embarcando para solos americanos.

    Distraído pela angústia de ter que despedir-se da vida que o fazia tão feliz em Canterbury, Newt quase não notou os grunhidos roucos e os movimentos discretos do despertar da menina deitada ao seu lado. Os olhos escuros piscaram algumas vezes para a escuridão do ambiente antes de voltarem-se para a face apaixonada de seu espectador, um sorriso brincalhão surgindo no rosto sonolento antes que fosse enterrado na curva do pescoço do rapaz.

"Bom dia..." - soou rouca ao ouvido de Tina a voz masculina - "Dormiu bem?"

"É bom que saiba que tornou-se meu travesseiro favorito" - ela murmurou contra o pescoço do rapaz e ele riu ao vê-la reaparecer com as bochechas sutilmente rosadas - "Bom dia, Newt"

    Newt envolveu a cintura da menina abraçada a seu corpo, o polegar deslizando em círculos sobre as costas cobertas pela camisa social, para depositar um beijo delicado sobre os lábios sorridentes. Os cabelos escuros espalhados uma vez mais sobre o tórax desnudo, ambos suspiraram para trilharem seus próprios pensamentos no silêncio instalado confortavelmente entre eles. Enquanto ela revivia memórias da gentileza e paixão demonstradas pelo rapaz na noite anterior, ele ainda tentava encontrar maneiras para lidar com as aflições das mudanças iminentes.

"E se eu não tivesse derrubado aquele crachá, Newt?"

    A voz de Tina ecoou após os longos instantes de pausa, o dedo indicador desenhando padrões aleatórios para interligar as sardas e pintas proeminentes sobre a pele descoberta do rapaz, e nenhum dos dois pôde evitar ser levado de volta àquela tarde chuvosa de final de outubro do ano anterior.
    
    E se ela não tivesse derrubado aquele crachá? Ele também se perguntou. E se eles, por ironia do destino, não tivessem tomado aquele mesmo trem para Londres no domingo seguinte? Newt achou que poderia permanecer uma eternidade questionando-se possibilidades. Todas elas trariam a ele ainda mais certeza para a resposta da pergunta feita pela noiva.

"Eu estaria apaixonado por você, Tina" - ele respondeu, após inúmeros instantes de ponderamento, quando a moça já não esperava mais por resposta alguma.

    Ela ergueu a cabeça descansada sobre o peito do rapaz para observar, com certa confusão, o semblante seguro estampado naquela face. Devolvendo ordem a alguns fios escuros, Newt estampou um sorriso carinhoso em seus lábios ao observar a profundidade sempre tão tentadora das órbitas escuras que o fitavam com incentivo para que dissesse mais.

The 5's RomanceWhere stories live. Discover now