Capítulo 2

653 82 87
                                    

Sinto um vento gélido invadir meu quarto, cubro melhor meu corpo e me remexo procurando uma posição mais confortável. O vento parece cantar uma triste canção de ninar. Mudo de posição mais uma vez e então sinto um peso sobre meu corpo. Abro os olhos com o susto e me deparo com um par de olhos me encarando. Há um homem em meu quarto, só consigo ver parte de seu rosto e seus olhos negros brilhando em meio ao escuro. Sinto meus olhos lacrimejarem, abro a boca, porém antes que eu consiga proferir qualquer palavra sinto uma ponta fria encostar em minha garganta.

— Gōngzhǔ, não grite.

Fecho meus lábios novamente, obedecendo-o. Sua voz é calma e suave, como se fosse um sussurro que se mistura ao ambiente e ao som do vento. Meu corpo treme e minha respiração se torna pesada, sinto todo o meu corpo ser tomado por puro medo, mas não consigo desviar meus olhos dos seus.

— Acalme-se não vim para tirar sua vida hoje princesa. Vim dar um aviso ao imperador. Entregue isso a ele!

Ele coloca algo ao meu lado, mas devido a escuridão da noite não consigo ver o que é. Logo faço levemente um gesto afirmativo com a cabeça enquanto sinto aquela lâmina roçar de leve em minha pele. Imploro em silêncio pela minha vida enquanto olho em seus olhos e espero que ele atenda minhas súplicas.

— Eu farei dez vezes pior do que ele fez, queimarei sua casa e farei todas suas princesas sentirem o máximo de dor que elas suportarem... começando pela favorita... ele tem até a próxima lua.

Sinto ele passar um de seus dedos frios pela lateral do meu rosto, como se quisesse me machucar e então ele segura meu queixo com força. Pela primeira vez me mexo, jogo meu rosto para o lado, para fora de seu toque repugnante e me debato tentando empurra-lo para longe. Logo sinto a lâmina se afundar mais, mas continuo lutando porém ele segura minhas mãos com apenas uma das suas ao mesmo tempo que com a outra ele continua a segurar a lâmina.

— Ou talvez eu deva começar hoje?

Estremeço com a proximidade e a calma em sua voz. Sinto uma longa mecha de seu cabelo cair sobre meu rosto. Fecho os olhos e jogo a cabeça para trás, deixando o pescoço mais a mostra.

— Faça o que quiser mas não toque em minhas irmãs... eu imploro, são apenas crianças...

Sinto o aperto em meus punhos aumentar e sua respiração acelerar, lágrimas escorrem ao pensar em minhas irmãs mais novas e em meu pai, seria algo que eu não poderia suportar.

— Você não tem o direito de implorar algo a mim! Quantas crianças sua família matou? Até mais princesa.

Sua voz é calma e suave mas carregada de ódio e força, apenas sua voz faz com que eu sinta mais medo do que jamais antes senti, fecho os olhos mais forte e sinto toda pressão sumir. Abro os olhos e ele não está mais lá. Me sento rapidamente ao ver seu vulto passar pela janela. Lágrimas começam a cair sem controle algum enquanto sinto todo meu corpo tremer.

— Guardas! Socorro!

Grito me levantando. Sinto algo quente escorrer em meu pescoço e arder. A porta se abre com brutalidade e três homens entram. Um deles corre até a janela.

— Um.. Um homem, um assassino no palácio.. fechem os portões agora mesmo!

Grito com os guardas e assim que eles saem desmorono. A ansiedade se mistura ao medo que queima dentro de mim. Num movimento súbito cravo minhas unhas na madeira do chão, as lágrimas pingam perto de meus dedos machucados.

— Tire a princesa daqui!

Escuto um guarda da porta.

— Gōngzhǔ, precisamos ir.

Reconheço a voz feminina e apenas aceno que sim com a cabeça enquanto ergo meu corpo. Antes de sair vejo de canto de olho um rolo sobre a cama, volto-me para ele e o pego. Ele disse para entregar ao meu pai imperial, porém sinto como se sua invasão fosse o verdadeiro aviso, mostrar que tem poder o suficiente para entrar em nosso palácio e ameaçar a família real... que tipo de homem conseguiria sozinho? Nenhum, deduzo enquanto caminho. Saio rápido do quarto pois não quero mais ficar nesse lugar. Entro na sala de chá e me sento tentando conter as lágrimas.

— É um milagre que ele não a tenha ferido mais, Gōngzhǔ.

É a primeira vez em muito tempo que Lihua fala algo que não seja ordenada a dizer para mim. Sinto a fina seda ser posta sobre meus ombros e vejo um pequeno copo de madeira com chá fumegante ser posto a minha frente, encaro as folhas de chá tentando recobrar meus sentidos e pensar, porém meu corpo está tomado pelo puro pavor.

— O Imperador solicita sua presença imediata, Gōngzhǔ!

Um soldado fala ao entrar rapidamente no cômodo.

Com as pernas ainda bambas, obedeço. Um passo de cada vez eu acompanho o guarda, deixando Lihua sozinha. Ao entrar na sala, escuto a risada de meu pai cessar, seu rosto está corado e há vários outros homens jogando mahjong. Ao redor deles vejo algumas garrafas de huangjiu espalhadas pelo chão, meu pai imperial sempre foi um bom pai e a muito não o vejo beber tanto. Ainda trêmula e em transe me ajoelho e curvo meu corpo para a frente, com a testa sobre as mãos no chão.

— Pai Imperial!

— Levante!

Obedeço e me posiciono a sua frente. Ele segura firmemente meu rosto e o ergue, vê o fino corte, então me solta. Vejo um rapaz ser arrastado por outros guardas, engulo em seco sabendo o que está ocorrendo, mais uma vez as lágrimas voltam a rolar por meu rosto, o imperador percebe meu olhar e aponta para ele.

— Esse é o guarda que deveria estar a sua porta!

Vejo ele ser levado para fora mas não consigo dizer nada. O acompanho com meus olhos porém mais uma vez não tenho forças para me erguer, retiro de minhas vestes o rolo que o invasor deixou e estendo para que o imperador o pegue.

— Meu senhor, ele queria que eu lhe entregasse isso!

Antes de terminar de falar sinto meu rosto virar ao receber um tapa. Com a mão sobre o local que fora atingido volto a olhar nos olhos de meu pai. Ele bebeu essa noite, nunca antes ele me feriu. Ele nunca ergue a mão para suas filhas.

— Quero saber quem ele é, como entrou sem que nenhum de vocês o tenham notado e como ele sabia onde minha filha mais velha estava! Eu quero a cabeça dele aqui e quem a trouxer para mim será mais rico do que jamais imaginou!

Me encolho um pouco. Escuto um grito de longe, fecho os olhos e sinto uma lagrima cair.

— Você foi usada, criança tola. E ainda ousa me entregar algo enviado por um espião? Levem a princesa de volta aos seus aposentos e a mantenham lá, sem que outro homem vá a sua cama.

Ele cospe as palavras na minha cara e vira as costas. Suas palavras doem mais do que aquela lâmina que estivera em meu pescoço, me sinto sem chão, meu coração se aperta e algo parece trancar em minha garganta. Antes de sair eu o vejo destruir o rolo no fogo enquanto dá as costas para mim.






A queda de LíangOnde histórias criam vida. Descubra agora