Abro os olhos lentamente. A luz os faz arderem e minha cabeça dói. Há galhos com folhas verdes sobre mim. Sento assustada enquanto as lembranças da noite passada retornam a minha mente de uma vez só. A dor em minha cabeça se torna um pouco mais forte e automaticamente levo as mãos a ela e vejo que ambas estão presas juntas, amarradas por uma corda grossa. A minha frente há cinzas do que outrora fora uma fogueira e escorado em uma árvore ao lado está o homem. Seus olhos estão fechados e sua expressão calma e descansada faz com que eu sinta meu corpo congelar. Levanto fazendo o mínimo de barulho possível, mas temo que ele consiga ouvir as batidas de meu coração. Eu me afasto andando furtivamente de costas, mas mantenho meus olhos fixos em seu rosto. Sinto um galho quebrar sob meus pés e fecho os olhos com força. Paro por alguns segundos e tento controlar meu coração que bate violentamente. Retraio meus ombros e mordo o lábio inferior esperando seu ataque. Alguns segundos se passam. Nada. Apenas silêncio. Abro meus olhos e ele se encontra na mesma posição. Seu semblante continua imutável. Como alguém que está sendo procurado pode estar tão calmo assim?
Viro de costas e começo a correr, mas sinto dificuldade. Há árvores para todos os lados que olho. Todas elas parecem ser exatamente iguais. O desespero dentro de mim grita que preciso voltar para o palácio logo. Posso ouvir o som de água próximo. Deve haver alguma fonte e talvez pessoas lá. Não consigo pensar direito e nem sei como agir. Não percebo o galho que acerta meu rosto em cheio e me leva ao chão. Minhas costas doem e meu rosto arde. Novamente levo minhas mãos até o rosto e sinto quando as lágrimas quentes escorrem dos meus olhos. Longas mechas negras caem sobre meu rosto. Aqueles olhos negros profundos me encaram. Minha garganta seca e as lágrimas começam a cair sem nenhum controle. Ele me levanta e me joga sobre seus ombros como um serviçal leva um saco de farinha. Eu me debato violentamente tentando me livrar de seus braços. Em mim não há nada além de medo e desespero agora. Não tenho dúvidas que a morte me aguarda
— Fique quieta, mulher!
Desisto de tentar me soltar e apenas permito que ele me leve, afinal não conseguirei fugir. O medo que sua voz causa em meu corpo me faz paralisar deixando apenas as lágrimas rolarem. Poucos minutos se passam e ele me joga no chão. Caio sentada, resmungo sentindo a dor e o vejo me observar. Há um cavalo logo atrás dele. Me encolho com o sentimento de que com seus olhos ele conseguiria até mesmo ver através de meus pensamentos mais profundos.
— Achei que você conseguiria ir mais longe. Você é mais tola do que pensei.
Ele diz se virando e soltando o cavalo preso que se encontra preso a uma árvore.
— Foi muito rude da sua parte me acertar desse jeito e...
Começo a falar mas me calo ao perceber que ele havia me deixado fugir. Era apenas um joguinho dele, ele estava se divertindo ao ver meu desespero. Ele parece querer me torturar psicologicamente enquanto me leva até minha morte, como havia prometido. Por quanto tempo ficariam de luto no palácio pela morte da herdeira? Como meu pai ficaria ao receber meu corpo?
Abaixo a cabeça triste mas as lágrimas param de cair. Fico perdida dentro de mim mesma. Ele me ergue até as costas do cavalo e me assusto com o ato. O cavalo dá um passo pra trás e solto um leve grito de surpresa. Nunca estive em um cavalo antes. Ele monta atrás de mim e segura as rédeas me deixando entre seus braços, o cavalo começa a andar e sinto meu corpo ficar cada vez mais tenso com a proximidade e a aura de perigo que sai desse homem.
— Tenho certeza que você seria muito bem recompensado se me levasse de volta pra casa em segurança!
Escuto uma risada grave e baixa que mais uma vez me faz arrepiar de puro pavor.
— Do mesmo jeito que o guarda que ficava a sua porta foi recompensado? Ou todos os outros que já foram executados por seu pai? Líang é o estado onde foi mais fácil corromper os soldados e fazê-los trabalharem como espiões contra a própria nação deles. Todos odeiam a realeza.
Sua voz soa como um sussurro, uma leve e calma brisa que antecede o furor de uma tempestade. Ele volta a ficar em silêncio e eu abaixo minha cabeça. De vez em quando olho de relance para os lados, não era assim que eu imaginava que seria a minha primeira vez fora dos limites do palácio. Apesar de tentar parar, meu corpo continua a tremer e sinto as lágrimas silenciosas pingarem em meus dedos. As árvores , com o passar do tempo dão lugar a uma vegetação baixa e verdejante, como se fosse um manto verde cobrindo toda a terra até onde meus olhos alcançam. Seria uma visão realmente muito bonita de se admirar se não fosse minha situação. Penso por alguns instantes em como minha irmã mais nova, Liu Liu gostaria de correr livremente por esses campos se lhe fosse permitido.
— Por que está fazendo isso?
Pergunto reunindo o pouco de coragem que tenho. Alguns segundos se passam antes que ele responda.
— Essa é a minha missão. Ordens de meu imperador. Agora, sugiro que fique em silêncio. Até mesmo o som de sua respiração me irrita. Eu ficaria muito feliz em poder fazer com que você pare de emitir qualquer som.
Sinto minha garganta fechar com sua ameaça. Viro meu rosto até conseguir ver o dele com minha visão periférica enquanto sinto mais uma lágrima escorrer e seu gosto salgado invadir minha boca. Ele é um assassino e meu destino já foi traçado. Seus olhos são como um presságio de morte e ele parece querer me levar a ela, a única coisa que posso fazer é me manter forte. Devo manter a honra de minha família enquanto espero ela chegar.
Antes que seu silêncio possa me esmagar vejo de longe uma pequena casa de madeira com uma chaminé fumegante. Engulo seco e sem pensar duas vezes jogo minha cabeça para trás com o máximo de força que consigo. Ele grunhe de dor e acaba me soltando. Deslizo do cavalo caindo desajeitadamente no chão mas me ergo em segundos. A vontade de viver grita em meu coração e faz minhas pernas começarem a correr em direção a casa, mas então sinto algo enrolar em minhas pernas e prendê-las juntas. Mais uma vez eu vou de encontro ao chão. Rapidamente tento desamarrar aquilo de minhas pernas. Ele vem até mim e me segura de bruços no chão. Sinto uma lâmina fria ser encostada em minha garganta.
— Sinto muito! Sinto muito! Eu não farei de novo, sinto muito, por favor eu não quero morrer.
Falo rapidamente e paro de lutar ao sentir que qualquer mínimo movimento meu ou dele vai me levar a morte. Eu fecho os olhos esperando a morte vir mas sinto a lâmina ser afastada.
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A queda de Líang
Roman d'amourNa China antiga, os segredos eram mais valiosos até mesmo que o ouro. Conspirações e traições rodeiavam o grande império Líang. Alheia a tudo o que acontece fora dos muros e da tirania dos soldados e do próprio pai, Líang Mei, primeira princesa do...