Frenesi à beira mar

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Tarde de verão. O céu puxava pra um tom azul claro, e no horizonte beirando às montanhas se contundia com um alaranjado tom de lume dando uma sensação de mansidão profunda. Todas as auroras costumavam ser assim, ali naquele mesmo banquinho velho de madeira em frente à uma imensidão de água salgada. Esses momentos tinham gosto de café e tabaco. Meu paladar era guiado pela mesma mistura de anoitecer. A transição da euforia para a calmaria era um dos meus momentos preferidos do dia. Eu sentia o peso descarregando das costas e o mundo se tornava um tanto mais silencioso. Para onde foram todos os sonhos? Aqueles construídos através do meu olhar manso enquanto tentava captar o invisivel. Será que foram parar no horizonte? Talvez num futuro-muito-próximo em meio as montanhas. Será que se esquivaram em algum arquipélago em alto mar e decidiram morar por ali mesmo? Há tantos deles. Vagando em alguma esfera desconhecida. Eu os perdi. Todos. Enquanto distraidamente apreciava as ondas do mar, e num lapso de segundo lembrava da sensação doce de acordar enrolada nos lençóis de algodão do apartamento 903. Tudo tão cálido. Se fecho os olhos ainda posso sentir o cheiro da maré. Ou do café fresco da banquinha, ao lado do convidativo e rotineiro banco de madeira. Meus pés faziam festa em grãos de areia e por entre os meus dedos da mão queimava o tabaco. Só mais um trago. O café ainda não esfriou. Numa dessas viagens ao centro da terra observei o quão angustiados são os rostos nessa cidade. Olhos baixos, ombros caídos. Acho que é porque o carnaval acabou. O que será que resta? O cotidiano dia a dia de um cidadão? Quanto tempo até o fim de nossa existência? Será que estamos todos fadados a perder os nossos sonhos? Assim como se foram os meus? Ou há uma tempestade beirando a costa chamando a transformação? Não sei. São tantas perguntas. Há tantos grãozinhos de areia no planeta: indefiníveis e irrefutáveis. Lembro-me de uma certa vez, nesse mesmo banco, quando um homem beirando seus 40 anos, olhos verde-água, uma mochila nas costas e um cigarro na mão; Se aproximou como quem não queria nada e perguntou se poderia cantar uma música de sua autoria. Era nítido o brilho nos olhos e a ânsia por alguns minutos de espaço de fala. Sua voz era mansa, e durante mais ou menos quatro minutos eu me destinei a calar e apenas ouvir tal realidade desconhecida. Não apenas calar a fala, mas a mente. Permitindo assim que um espaço de compreensão e respeito fosse criado através de nós. Ao terminar, ele agradeceu, pediu um isqueiro, se despediu e foi embora. Como quem deixa uma lição silenciosa. Um lembrete, um sermão. Mas isso tudo sutilmente por trás de sua aparência cansada.
Eu acho que não posso definir um sentido pra felicidade depois desses quatro minutos. Se pra alguns felicidade remete à conquistas, para outros remete à partilhamento e entrega. Quantas vezes realmente nos permitimos compartilhar do tempo e espaço sem enquadramentos e posses? Será que somos realmente estranhos uns aos olhos dos outros ou apenas o que nos distingue é essa roupagem física? Tão mutável e fadada às ruinas. Seriam nossos olhos responsáveis pelos muros de pedra construído entre nós? Bem... Já dizia Antoine de Saint-Exupéry: "O essencial é invisivel aos olhos."
Certo, errado, conciso ou extenso. Acho que nunca saberemos. Estamos todos fadados à essas exdrúxulas perguntas sem respostas. De qualquer forma, amanhã eu investigo... Agora, o café já esfriou.

-18h45pm-

Devaneios de um sentirOnde histórias criam vida. Descubra agora