Abismo

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Eu estava andando numa rua vazia. Apenas outdoors, alguns postes e faróis iluminavam meu caminho. Um fio desencapado produzia faíscas que caiam no asfalto úmido.
Imaginei um milhão de tragédias relativamente possíveis de acontecer com uma mulher sozinha andando nas ruas da cidade às 4 da manhã de uma quinta feira cinzenta. Mas, acredite, realizei o trajeto sem nenhum problema, sem nenhum sobressalto.
Ao chegar em casa tentei lembrar quantas doses bebi. Não consegui.
Depois tentei lembrar quantas lágrimas caíram dos meu olhos. Também fracassei.
Me diz, me explica por favor o motivo de não poder estar agora deitada no teu peito? Me diz qual é a teoria que explica o fato de eu não estar agora dentro dos teus braços?
Eu fiquei com as doses, os discos, e uma camiseta velha, carregada do teu cheiro. Você ficou com meu coração, minha fé, e minha vontade de ver o mundo.
Eu perdi muito, entende?
Culpei todos os deuses por você. Fiz demais pra ter que lidar com a sua falta de coragem. Não me culpe da tua covardia. Eu pulei do precipício sozinha enquanto você analisava as dimensões da queda.
Me desculpe por ter cobrado tanto. Talvez eu nunca devesse ter insistido, você nem chegou perto de ser o que eu pensei. Não idealizei, pensei. Você sugere muito mais do que é. Feito presente de amigo secreto sem graça. Só a embalagem é bonita.
Cansei!
Essa é a máxima afirmação. Cansei de gente que acha que é o suficiente e não se esforça, não sorri, não conversa.
Só uma casca, uma moldura, uma embalagem. Cansei!
Mas sabe, eu quero essa culpa. Me dê! Sinta-se livre de sentenças e penas. Eu pequei desde o dia que te vi e desejei teu corpo sem roupa sobre o meu.
Pequei quando deixei o amor sucumbir ao ego, o tesão sucumbir ao desejo. A razão sucumbir a loucura.
Pequei porque, na verdade, nunca fui tua.
Menti.
Quando disse que seria fácil te esquecer. Como sou estúpida, não?
Pode rir.
Adoro quando você ri das minhas idiotices intelectuais enquanto eu me afogo, dia após dia, num buraco inundado. Como se meu corpo ansiasse por isso, por algo novo, então eu mergulho nesse buraco cheio de substâncias tóxicas, desde pessoas até outras tantas menos danosas.
Nenhuma chega perto do barato que você me dava. Só de te olhar meu corpo arrepiava, saca?
Tai o crime.
Viciei em você, esqueci de mim.
Por isso o fim.
Agora vai, solta a minha mão! Me liberta dessa prisão que a gente chamou de paixão.

Céu cinza, mar azul - a poesia no fimOnde histórias criam vida. Descubra agora