Dilacerada

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Era uma caverna triste e lúgubre. Cercada por árvores que se amontoavam sob uma montanha verde e branca. As folhas deitadas na relva proporcionavam um tom alaranjado belo ao olhar e quebradiços sons ao menor toque dos pés. O mar ao longe se denotava azul. Exatamente da mesma cor do céu. Sem nenhuma nuvem. Rodeada por tanta beleza, erguia-me do solo e me via de frente a um buraco escuro e sabia que deveria adentrá-lo. Encontrava-me perdida e sem paz em meio ao desconhecido lugar. Contudo estava disposta a encontrar respostas. Conforme caminhava, passo a passo, sentia a brisa leve e plácida que me acariciava o rosto e os cabelos. Aos poucos, porém esta foi diminuindo de intensidade até não percebê-la mais. Um inseto pousou no meu braço assustando-me e fazendo-me dar um pulo ridículo. Ainda bem que estava só. Retire-o do meu braço sacudindo a manga da blusa social branca de botões que estranhamente usava. Respirei fundo. Ao longe, pontos luminosos chamaram minha atenção. Eram vermelhos e amarelos ao mesmo tempo. E a intensidade da luz que emitiam aumentava e diminuía conforme me aproximava. O ar ao meu redor, no entanto tornou-se pesado e carregado de calor. Não me agradei da sensação. Instava-me recordações terríveis. A escuridão ia se tornando plena e comecei a me perguntar o que tinha feito. Por que decidira entrar naquela caverna? O jeito mais difícil de descobrir seria adentrando cada vez mais fundo pelo túnel obscuro. O mar... Porque não segui em direção ao mar? Era tarde. Não conseguia nem ao menos ver o início do escuro caminho. O som que agora passava a ouvir era aterrador. Sugestionava uma pessoa desesperada e sofredora.

― Me ajude pelo amor de Deus! Não quero morrer aqui! Suplicava uma pessoa com uma voz fraca e quase sem esperança. Mal podia acreditar no que ouvia. Estanquei a caminhada assustada. Ela, porém continuou suplicando: ― Me ajude! A seguir ouvia um choro lamurioso e doído. Movi-me no meu íntimo de compaixão por ela. Decidi que a ajudaria. Olhei em volta e quando quase me aproximava dela, de dentro da escuridão pude vê-la melhor. Observei olhos inchados, vermelhos e arregalados me procurando por todos os lados na escuridão. Próxima aos seus pés havia uma fogueira acesa e um crucifixo de aço queimando dentro dela. Os braços estavam presos acima da cabeça por correntes muito grossas e pesadas. O cabelo parecia ter sido cortado à máquina recentemente sobrando apenas fios curtos espetados. Chumaços de cabelos avermelhados ainda estavam espalhados pelo solo do lugar. Nos tornozelos, fortes elos de ferro a paralisavam. A moça se debatia com histeria enquanto sua vida fluía por seu ventre por causa de um grave ferimento acima do umbigo. Tinha que retirá-la daquele horrível cativeiro. Observei a minha volta se havia algo pesado que me ajudasse a quebrar as correntes, mas... Nesse momento... Passos que faziam tremer o solo do repulsivo lugar me aterrorizou. Corri e me escondi atrás de uma grande pedra no breu do lugar. O homem que se aproximava rapidamente desdenhava da vítima, enquanto ela ofegante, esbugalhava os olhos de desespero e terror. O líquido viscoso e vermelho que agora saltava do seu ventre, gotejava velozmente sobre o fogo e produzia uma sequencia de sons agonizantes. Os pés chamuscados pelo calor da fogueira se debatiam em vão. A criatura disforme, de aparência assustadora e cruel, se posicionou em frente à vítima flutuando sobre as labaredas. Com suas próprias garras ela a dilacerou bem devagar. Cinco cortes profundos atravessaram diagonalmente o rosto pálido da moça. Dez cortes profundos cortaram lateralmente seus dois braços rapidamente. De fora para dentro mais dez cortes profundos retalharam as duas coxas alvas e manchadas pelas cinzas da fogueira. A moça ainda agonizada de dor quando um corte apenas lacerava lhe a garganta de orelha a orelha. O sangue que antes gotejava rapidamente, após essa infame tortura descia semelhante a uma cachoeira sombria e fúnebre. O odor fétido do líquido se queimando na fogueira era insuportável. Ansiou-me e não consegui conter o conteúdo do meu estômago dentro dele. O ser sinistro percebeu minha presença... Fugi desesperada. Ele não me seguiu. Não antes de rasgar todo o corpo da menina e lançá-lo na fogueira. Enquanto isso corri.  E fiz isso com todas as forças que me restavam. Na escuridão me chocava com pedras, por vezes caía e me levantava, enquanto a criatura permanecia caminhando calmamente logo atrás de mim. O meu medo era tanto que me fez chegar à entrada da caverna em rápidos minutos. Quando finalmente avistei a floresta e a alcancei, o vento gelado me recompôs do mal-estar. O cheiro de morte, porém havia se impregnado através da fumaça em todo meu corpo. Aço tilintava perto dos meus pés. Sangue pingava do meu ventre. Fios soltos vermelhos se apegam ao meu pescoço. Retirei-os e percebi que minha cabeça estava raspada. Soltei um grito de terror. Olhei para o arco da caverna. O demônio havia aberto as suas extensas asas negras. Arqueando o dorso e me encarando com fúria, ele esbravejou com sua voz áspera e rude: ― Não adianta fugir de mim. Comprei seu sangue há muito tempo Anne. Desembestei mata adentro quebrando todas as folhas secas do solo do caminho, arrastando as correntes sem conseguir olhar por aonde estava indo. Meus pés praticamente voavam de aflição e horror. Olhava desesperada para trás e para o alto, sem cessar a corrida, então ouvi um forte barulho de água, de muita água e esse foi o último som que os meus ouvidos captaram antes da longa e inesperada queda. (...) Minha mãe estava em cima de mim, sacudindo-me tentando me acordar.

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7   CONTOS - NINGUÉM É O QUE APARENTA SER!    AUTOR: KIEVE HAVIN.+ 18Onde histórias criam vida. Descubra agora