Onze

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O ambiente estéril da enfermaria da nave parecia mais sufocante do que nunca. As luzes brancas piscavam fracamente, refletindo o brilho metálico dos instrumentos espalhados pela sala. Tubos de ensaio, hologramas médicos, relatórios projetados no ar-tudo indicava que a situação era muito mais grave do que Seleto queria admitir.

Nireve, o médico da tripulação, manipulava com precisão as amostras biológicas que coletara de Alícia. O silêncio entre eles se tornava pesado, quase doloroso, até que finalmente veio a sentença que Seleto não queria ouvir.

- De acordo com os últimos exames, a humana Alicia Flaming-ou melhor, Mitra, a rebelde-não está nada bem de saúde. - Nireve suspirou, analisando os dados. - Ao monitorar sua mente, descobri que os danos são progressivos. Eles vão evoluir até chegar à perda total de memória e, eventualmente, à inconsciência, à demência... e à morte.

As palavras se infiltraram na mente de Seleto como uma lâmina afiada, rasgando suas certezas e deixando apenas uma ferida aberta. Ele fechou os olhos por um instante, tentando reprimir a explosão de emoções que ameaçava consumi-lo.

Mas falhou.

Num movimento brusco, agarrou Nireve pelo colarinho, puxando-o com força como se pudesse arrancar dele uma resposta que mudasse tudo.

- Eu exijo uma solução! Uma cura! - rugiu, seus olhos ardendo de desespero.

Nireve ergueu as mãos, um gesto de rendição.

- Calma, comandante. Tentarei encontrar uma solução.

Seleto soltou Nireve lentamente, mas a raiva e o medo ainda estavam estampados em seu semblante. Um pleiadiano não deveria se deixar consumir por emoções tão primitivas-mas naquele momento, ele não era apenas um comandante. Ele era um homem desesperado.

Iria perder Alícia. Tão de repente como a capturara, tudo estava escapando de suas mãos. Seria aquilo um castigo? A consequência por anos de frieza e distanciamento de uma raça que, agora, ele via como muito mais do que um experimento genético?

Nireve pigarreou, tentando recuperar a compostura antes de continuar.

- Comandante, pelo que pude notar e até mesmo monitorar na mente de Alicia... - Ele hesitou, como se escolhesse as palavras com extremo cuidado. - Bem, percebi que vocês têm sentimentos um pelo outro. Sentimentos diferentes. Inadequados para a missão.

O ar na sala pareceu mudar, tornando-se mais denso, mais hostil. A expressão de Seleto se tornou sombria.

- Não espalhe isso para ninguém, ou eu te MATO! - Sua voz era como um trovão, carregada de um ódio que não deveria existir entre Pleiadianos. - Entendeu bem?

O olhar de Nireve vacilou, mas ele manteve a postura firme, como um cientista que encara o inevitável. Ele conhecia Seleto o suficiente para saber que sua ameaça vinha de um lugar de dor, não de crueldade.

- Comandante, eu não consigo entender esse tipo de comportamento e sentimento que desenvolveu pela humana, mas farei o possível para ajudá-los. - Sua voz era calma, mas suas mãos ainda estavam erguidas, como se tentasse impedir uma nova explosão.

Seleto passou as mãos pelos cabelos, os ombros tensos. A situação era muito pior do que ele imaginava. Nenhuma tecnologia pleiadiana poderia restaurar completamente a mente de Mitra Alícia. Nenhuma cura conhecida poderia impedir que ela se desfizesse aos poucos, como areia escorrendo entre seus dedos.

Mas então, uma ideia surgiu.

E se houvesse alguém... ou algo... que pudesse salvá-la?

Seus olhos se fixaram no painel de controle da enfermaria. Ele sabia da existência dos Michaels-seres muito além da evolução pleiadiana. Poucos os conheciam, e menos ainda haviam entrado em contato direto com eles. A raça mais avançada de toda a galáxia, os guardiões dos códigos genéticos mais antigos e poderosos. Diziam que os Michaels eram a verdadeira origem da consciência, os arquitetos da existência.

E, se havia alguém que poderia salvar Mitra Alícia, eram eles.

Seleto se virou para Nireve, sua determinação crescendo como uma tempestade.

- Existe uma possibilidade. - Sua voz já não tremia. - Os Michaels. Só eles podem ajudar.

Nireve arregalou os olhos. Ele já ouvira rumores sobre esses seres, mas jamais imaginara que Seleto cogitaria tal ideia.

- Mas, comandante... entrar em contato com os Michaels? Isso é praticamente impossível. Nem sabemos se eles aceitam interferir nessas situações.

Seleto se aproximou, sua presença intensa como nunca.

- Eu não aceito perder Alicia. Eu farei o impossível. - Seus punhos se cerraram. - Prepare tudo. Vamos encontrá-los.

O médico hesitou por um momento, depois apenas assentiu. O caminho até os Michaels seria incerto, perigoso, e poderia colocar toda a tripulação em risco. Mas era a única chance.

Porque Seleto não estava apenas lutando contra a morte de Alícia.

Ele estava lutando pelo amor que jamais imaginou ser capaz de sentir.

E, naquele momento, nada mais importava.

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