1. ESTAVA AGITADA

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ESTAVA AGITADA, passei a maior parte do ano estudando para disputar por uma vaga nas as melhores universidades, por sinal uma das mais concorridas do país. Mas esse não é o único motivo da minha ansiedade, ultimamente, há cerca de 9 dias um rosto incomum não sai da minha mente não sei se devo estar mergulhada em sonhos ou pesadelos, seja lá o que for eu não consigo esquecer.

—Alisha, seu pai já está buzinando, adiante, não quero chegar anoitecendo! —gritava minha mãe pelas escadas.

— Só um segundo —disse correndo de um lado para outro me certificando de que não esqueci nada.

Eu, meus pais e meu irmão estamos saindo de Toronto para passar os últimos dias do ano em Elora, Ontário. Esse costuma ser meu destino quase todos os finais de anos. É um local rústico com florestas que parecem ser intocadas, tem prédios históricos que são preservados, é mais fria e costuma ser reservada, com menos turistas que Toronto, motivo esse que leva a minha família todos os fins de ano para lá, pelo menos consecutivamente os 8 últimos, para a casa da a Tia Norma que gentilmente cede hospedagem. Eu particularmente amo estar lá, conheço bem alguns lugares próximos da casa em que ficamos.

Fui pegar minha mala já pronta, sem esquecer meu caderno de anotações, que tenho como hábito desde meus 14 anos, e prestes a fazer 19, ainda escrevo nele. Apesar das constantes tentativas do meu irmão Gregor tentar pegá-lo a todo custo. Sabe o quesito privacidade? bem, ele desconhece, ou finge não saber. A última maldade catalogada dele foi achar e ler para os amigos um bilhete triste que escrevi quando tinha 12 anos, desabafando sobre me achar esquisita, e muito ruim nos esportes. O resultado disso? Um braço do figure action do batman dele ficou sumido por 3 meses.

Prendi meus longos cabelos em um rabo de cavalo mal feito, de modo que meus cachos castanhos escuros se sobressaiam e combinavam perfeitamente com o sobretudo azul escuro, a legging preta, e é claro o cachecol vermelho, ao menos eu acho ótimo. Praticidade é tudo. Além do mais aliviavam meu rosto com um pálido bronzeado. Meu corpo sempre foi esguio, apesar de que segundo meus pais, eu nasci bem fofinha. Então não me preocupo muito em regras de vestimenta, claro que se eu souber que minha legging favorita me deixa com pernas de gafanhoto... vou usar assim mesmo, haha.

—Até que enfim filha, coloque a bagagem no porta malas, vamos ter um longo engarrafamento pela frente. Tia Norma disse que a neblina...

—Ah pai eu quero levar meu skate —interrompeu meu irmão.

—Você devia ter visto isso an...

E então fomos para Elora com meu irmão reclamando por não tem levado o skate dele uma boa parte da viagem, e a minha mãe retrucando sobre estar nevando e seria impossível andar com skate por lá. A viagem levou cerca de 2 horas, e eu estava tão inerte nos meus pensamentos que não percebi quando chegamos.

Meu pai estacionou e pela primeira vez senti algo de diferente em Elora quando desci do carro, estava tão nebuloso e frio, algo nesse final de ano não vai ser igual aos anteriores, talvez tenhamos que lidar com nevasca e avalanches.

—Ai caramba, está gelado aqui fora —disse Gregor pulando com sua mochila na mão e correndo para porta de entrada.

—Será que teremos muita neve? —ponderou meu pai abrindo a porta malas e nos encarregando de levar nossa bagagem. —Espero que não fiquemos presos em casa.

—Cala essa boca Tulio —disse minha mãe com uma cara de dúvida disfarçada.

A última vez que isso tinha acontecido foi quando eu tinha 13 anos, um atolamento, e inicialmente não foi uma experiência legal ter de ficar presa em casa durante 10 dias, mas foi nessa época que também aconteceu uma coisa bem interessante, talvez a melhor de todo aquele ano.

Eu descobri os livros, não que eu nunca tivesse lido antes, até por que na escola sempre tínhamos um ou dois livros semestrais para trabalhar, mas eu me refiro a realmente gostar de ler, não só ouvir as histórias contadas por outros. Foi revelador quando sem pretensão alguma eu fui até a Biblioteca da tia Norma, que por sinal é enorme, e fiquei fuçando um conto interessante. Ao fim das férias eu já havia lido muitos livros. Mas como nem tudo são flores, após aquelas férias reveladoras, acabei virando a esquisita da casa, que prefere ler do que assistir um filme espalhafatoso de comédia com a família.

A casa da Tia Norma era o estilo tradicional, passado por gerações, também foi onde meu pai havia sido criado. É feita pedra calcária marrom, que combinava perfeitamente com a pesada porta de entrada vermelha, o jardim da frente estava devidamente podado, fico impressionada como as plantas estão sobrevivendo bem. Meu pai tocou a campainha e em segundos encontramos uma Tia eufórica abrindo a porta e amassando a mim e meu irmão como se fossemos travesseiros.

—Oh meus meninos —ela disse com os olhos escuros reluzindo como bolinhas de gude. —Senti tanta falta de vocês, deviam vir mais vezes, venham entrem.

Por fim todos entramos aliviados por não ficar sob o ar congelante de fora. A Tia Norma pode ser considerada uma figura excepcionalmente agitada, seus quilinhos a mais a deixam mais fofa do que o de costume, ela é mais velha que meu pai em 10 anos, o que a faz ter 56 anos atualmente. Nunca casou nem teve filhos, mora na casa sozinha há anos, me pergunto como ela faz para cuidar de tantas coisas e ainda trabalhar como professora. Existem pessoas que simplesmente se superam.

—Vamos Alisha agora é sua vez, me conte —nem percebi que ela estava perguntando de um por um como estava, minha mania de viajar ao mundo da lua me surpreende cada vez mais. —Como foi seu ano?

—Bem, hã... eu fiz um curso técnico de verão, e estudei para entrar na universidade, mas ainda não saíram todos os resultados. E trabalho meio período em uma biblioteca —certo, meu ano não foi o mais interessante.

—Ela não passou no que quer desde que saiu da escola —alfinetou Gregor maldosamente, e levou um tapa na cabeça bem dado por minha mãe.

—Às vezes —continuou a tia Norma. —As coisas podem demorar a vir, mas quando chegam, é para surpreender.

Uma fala digna de uma pessoa conceituada, e letrada. Tia Norma pode ser meio elétrica, mas sabe bem o que diz. Por fim, jantei e subi as escadas. Por dentro a casa é espaçosa e com um andar, os quartos ficam no primeiro, com cinco quartos no total, mas um deles está sempre inabitável de tão abarrotado de coisas. E não menos importante a biblioteca ficava em um anexo externo, ao lado da estufa de flores.

Eu sempre ficava no mesmo quarto desde criança, ele tem até umas fotos Polaroid que deixo todos os anos colada na parede, cada ano, uma foto. O papel de parede com flores desbotadas em rosa e verde, deixavam um ar calmo. O quarto não era grande, mas havia espaço suficiente para a cama de casal, o guarda roupa branco de madeira, uma escrivaninha da mesma cor do guarda-roupa, e o banheiro. Ainda podiam caber prateleiras e uma cama de solteiro no chão. Mas há um motivo pelo qual nunca troco de quarto, a vista, simplesmente linda. Conseguia ver a estufa e um laguinho por cima da janela durante o inverno, pois em outras estações a árvore em frente à minha janela repleta de folhas.

Troquei a colcha empoeirada por uma limpa, atualizei meu diário, deixei escondido dentro do armário no banheiro, e finalmente me joguei na cama.

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