JÁ FAZEM EXATOS DOIS DIAS que eu não saio de casa. Medo? Talvez. Não sei quando me tornei covarde, provavelmente foi o fato de que eu fui atacada a alguns dias atrás. Mas o aviso do cara de Capuz não foi brincadeira, não posso simplesmente ir procurá-lo.
Durante esses dois dias me dividi entre ler vários exemplares da biblioteca da Tia Norma além de perguntar se ela conhece alguma história de seres de um mundo com energia tipo magnética superior à nossa. Bem, ela não conhece e achou esquisito existir uma literatura com esse assunto. Como passei a maior parte do tempo na biblioteca fuçando, ela até tentou me levar para sair e ir a casa de suas amigas. Definitivamente eu não quis ir, tenho até medo do que essas tias possam conversar.
—Alisha querida —ela apareceu com a cabeça sobre a janela da biblioteca, um tufo do grisalho cabelo no topo da cabeça evidenciava o penteado apressado.—Eu vou à mercearia, quer ir comigo?
Hora de pensar. Ir à mercearia às 10 horas da manhã, que mal tem isso? em todo caso eu não fui avisada de que não ia poder sair de casa. Talvez tenha entendido o alerta de forma errada e esteja exagerando, apenas não devia procurar ele.
—Vou tia. Só me espera vestir um blusão.
Como a temperatura havia melhorado nesses dois dias, eu podia me limitar a vestir um grosso blusão de frio bege até os punhos, sob a legging cinza também espessa, sem correr o risco de congelar.
A rua estava calma. Com o passar do ano novo a maioria dos turistas já haviam ido embora para as suas cidades e eu tinha exatos 21 dias para ficar aqui antes de ter que voltar uma semana antes como havia prometido a minha mãe. Um tímido sol despontava no céu. Mas o frio ainda estava sob nós. Tia Norma entrou na mercearia com duas sacolas grandes. Uma delas eu ajudei a trazer. Eram sapatos com solados desgastados, que ela se recusava a jogar fora.
—Tia, aqui não é uma mercearia?
—Sim, mas eu conheço o dono, ele já foi sapateiro. É um amigo que sempre conserta meus sapatos—ela disse com os olhos preto de gude brilhando.
—Ah, entendi.
Ficamos esperando-o por alguns minutos até que apareceu um senhor de meia idade, uma aparência amigável, sobrancelha bem grossas e marrons bem como seus cabelos, e com mãos gordinhas e peludas.
—Olha, a que devo a honra minha bela senhora —disse o homem das mãos gordas.
—Welbert meu amigo. Já sabe, meus sapatos insistem em me deixar descalça. Apenas troque os solados—ela disse rindo e pondo as mãos na boca.
—É para já —respondeu o homem que também ria e alisava o bigode com seus dedos gordos.
—Ah que falta de educação a minha. Essa é Alisha. Minha sobrinha —disse apontando para mim, que retribui com um aperto de mão.
E assim eles conversaram sobre solados, conversa nada interessante para mim que sou uma não humana que desconhece sua própria história. E que não deveria estar assim tão pacificamente.
—Alisha! Meu bem. Quer ir a cafeteria? Eu te dou dinheiro.
—Ah, não precisa. Eu tenho. Eu vou então...
—Senhor Welbert disse que vai demorar em consertar —conclui ela, notando meu tédio.
Dito isso eu fui rumo a cafeteria enquanto ela ficava conversando com o seu velho amigo, sobre sapatos. Elora estava animada, bem menos turistas do que na última noite do ano, mas as lojinhas e as várias cafeterias estavam a todo vapor. O sol amigável tornava a paisagem ainda mais convidativa. Bem, existem perspectivas bem diferentes para a beleza, a de Slanfar por exemplo, é algo de outro mundo, literalmente. Mas não vamos comparar os dois mundos.
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O Portal Para Slanfar - A DESCOBERTA
FantasíaAlisha é uma simples garota vivendo tranquilamente. Ao passar alguns dias na nebulosa cidade Elora, a sua vida se transforma em um misto de fantasia e realidade, quando ela acorda em um mundo completamente diferente do seu, chamado Slanfar. A partir...