Capítulo Um

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As paredes choravam naquela noite; suas lágrimas salgadas escorriam, deixando listras pela camada descascada de tinta. Lucia lia seu livro tranquilamente, fechando os olhos todas as vezes que as luzes brilhantes dos trovões explodiam pela janela. O tempo tinha estado nublado desde sempre, como se uma nuvem negra particular se instalasse bem ao meio da Academia Gotham.

Folheando pelas páginas do livro, a jovem tentava fazer algum sentido das palavras escritas. A caligrafia era corrida, selvagem, como se desferida em meio a uma perseguição. A pontuação era completamente inexistente, sendo impossível identificar onde começavam e terminavam os pensamentos. Ainda assim, ela dedilhava o papel embolorado com carinho, o cheiro a levando a pontos da memória que não deveriam ser lembrados.

Uma batida firme na porta foi o suficiente para a trazer de volta à realidade. Ela fechou o diário do irmão, escondendo-o novamente sob a cama estreita, postando-se em pé em um só salto.

— Já vai... — Sua voz monótona entoou, cortando o silêncio estático do quarto.

Andando pelo meio das pilhas de livros, ela chegou à porta. Abriu uma fresta, espiando o corredor muito iluminado. Em frente à sua porta, Rosalina, a chefe de dormitório, estava em pé em sua postura perfeita. As roupas dela, como sempre, estavam em um estado impecável; até seus cabelos não possuíam fios rebeldes.

— Lucia, querida, como vai? — A garota sorriu e Lucia espremeu os olhos diante do brilho de seus dentes perfeitos.

— Bem, eu acho...

— Maravilha, maravilha! — Ela respondeu de forma automática, fazendo Lucia se perguntar se ela teria respondido aquilo não importa o que ela dissesse. — Apresse-se. Tem alguém no escritório do diretor que quer sua presença!

Antes que a jovem pudesse fazer alguma pergunta, Rosalina zarpou em passos rápidos, provavelmente querendo formar o máximo de distância possível entre as duas. Lucia fechou a porta e suspirou, analisando as próprias roupas esfarrapadas. O uniforme da escola estava grande demais, a saia passando dos joelhos e a camisa de botão com muito tecido entre as axilas, o que a fazia parecer ainda mais insignificante que era.

Vestindo um suéter encardido e pegando um guarda-chuva, ela saiu do quarto com relutância, murmurando tristemente sobre atravessar o campus enlameado.  

A Filha Do CoringaOnde histórias criam vida. Descubra agora