10. fotos suas

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Chega o domingo. Desde a aula de sintaxe, estou inquieto. Mariana percebeu, mas só me sinto à vontade para contar agora, entre o fim da manhã e o começo da tarde.

"Você não sabia?"

"Não! Por que você não me contou?"

"Por que quando eu te perguntei, você disse que não tinha nada a dizer, lembra? O que é isso? Ciúmes?"

"Ciúmes, eu? Bebeu gasolina?"

"É? Cê jura?" Mariana retruca, irônica.

"Juro."

"Que bom."

Meu corpo treme.

"Que bom nada! O picareta mentiu pra mim..."

"Você que está mentindo pra si mesmo. Otávio! Por que não revela ao Luccino logo de uma vez o que sente por ele de verdade?"

"Eu não sei do que você está falando, Mariana."

"Sabe sim, meu querido."

"Eu só estou chateado por que ele traiu nosso am... Nosso amizade! É isso! Eu prezo muito pelo nosso amizade."

Mariana começa a rir.

"Ai me poupe, Otávio! Me economize!"

"Eu vou lá."

"Lá? Onde?"

"Como o combinado. Para a galeria."

Mariana observa minha reação. Estou com sangue nos olhos. Arrumo-me, os músculos rígidos de raiva. Para mim, isso é uma completa trairagem da parte do Luccino. Não comigo, mas com ele mesmo. Será que não sabe que Camilo é o maior galinha dessa cidade? Me surpreende até que Camilo esteja disposto a sustentar uma relação. Por quê?, eu gostaria de perguntar. Se Camilo com certeza boas intenções não tem. O que as pessoas veem nele? Beleza? Mas e o compromisso, e o respeito?

Termino de me arrumar.

"Vê lá o que você vai fazer."

"Vou fazer. Vou fazer o certo. Alertar o Luccino sobre o calhorda do Camilo. Protegê-lo dele mesmo. Eu me sinto na obrigação como seu nam... Amigo."

"Sei. Vai lá com seu grande amigo então. Cantem balão mágico. Façam uma ciranda. Tudo na broderagem." Mariana tem uma crise de risos. Começa a teclar no WhatsApp.

"Vai contar pro Randolfo, né?"

"Pra Sarita. Estamos revezando com as duas."

Dou de ombros, achando graça, e saio em busca da minha resposta.

x-x-x

Quando olho para a fachada da galeria, toda minha preparação psicológica vai por água abaixo. Um calor sobre para meu corpo, de baixo para cima e, ao chegar perto da porta de entrada, estou cheio de raiva. Vejo a mesma placa: Em sessão de fotos, não interrompa, fotógrafo Luccino Pricelli. Pode contar com isso!

Forço a maçaneta até abrir. Mas levo um susto: a sala está cheia de equipamentos, um pouco escura, povoada de uma meia luz neon soturna e um tanto fria. Nessa escuridão toda, estreito os olhos para tentar enxergar onde está Luccino. Então o vejo de costas, coberto por uma toalha que faz parte do cenário. Eu consigo reconhecê-lo pelo cabelo bem batido na nuca. Impossível confundir. Mas como sei desse detalhe? Sei lá. Tenho uma boa visão.

Meus pés saem batendo firmes no piso que produz eco. Chego até ele e o cutuco com força. Quando Luccino se vira, eu quero me enterrar. Ele está completamente nu. Pelado. Sem roupa. Adão e Eva. Com a mão no bolso. Naked. O que é isso, um clipe da maldita Ellie Rose? Falo todos os palavrões possíveis. Meu rosto está um verdadeiro pimentão. Mas ele não parece abalado com coisa nenhuma. Até sorri. Esse desgraçado.

"Você adiantado. Olá!"

"Você pelado, Luccino!"

"Sim. Fotografia."

Solto o ar, rindo de nervoso. Hoje, justamente hoje, é a vez de Luccino ser o modelo. Hoje, quando vim querendo a cabeça dele. Mas não tem como não rir com o modo natural que ele lida com o fato de eu estar o vendo como veio ao mundo. Uma vozinha dentro de mim me fala que ele é uma pessoa evoluída, ao contrário de mim, que está com raiva por motivações bobas. Despedindo-se, o ensaio continua. As luzes neon apresentam curvas e linhas inesperadas no corpo de Luccino. É óbvio que estou olhando. Droga, eu estou olhando.

Vez em quando, ele parece perceber a minha presença ali e me dirige pequenos sorrisos. Nu conceitual. A arte de sugerir. A provocação. Pelo que eu sei, Lucci gosta de fotografar coisas assim, mas não sabia que ele curtia ser fotografado também.

Uma hora se passa e finalmente conseguimos nos falar com um roupão servindo de barreira para certas imagens. Para Lucci, não tem nada acontecendo. Ele não percebe o meu ci... O meu sentimento de pura raiva.

"Luccino! Conversar urgente!"

Franze o cenho, estranhando a rudeza.

"Aconteceu quê?"

"Camilo"

"Sim?"

"Camilo você."

Ele assente e pede que eu o espere se trocar. Ao sairmos da galeria, ele está quieto. Até tento insistir. Mas ele quer falar em outro lugar. Estou andando ao lado da sua bicicleta. Luccino tem o semblante quieto, mas o peito está ansioso que eu sei. Chegamos a um parque e sentamos num dos bancos. A bicicleta fica parada ao lado.

"Chateado você?" Me pergunta.

"Sim! Camilo professor. Saber você Camilo ruim?"

"Ruim?"

"Sim! Ruim. Camilo... Namorar vários."

"Desculpe contar não. Por que chateado?"

Ele me pega de surpresa. Sei que está coberto de expectativas, mas procuro não encará-lo ainda. Não sei se poderei resistir. Preciso de um pouco de segurança.

"Por que eu... Amizade importante meu. Você importante."

"Também importante meu. Gosto muito você."

"Certo. Desculpe também."

"Camilo eu... Nós mal resolvidos pouco."

"Amar ele você?"

"Amarelo?"

É quando percebo que confundi o sinal de amor com amarelo. Não sei como, mas consegui essa proeza, já que os sinais nem se parecem. Talvez tenha acontecido confusão com a forma de escrita. Amar ele, amarelo. Acabo desistindo da pergunta. Um silêncio se abate sobre nós.

"Quer bicicleta?"

"Quero."

Então, esquecemos tudo que nos levou até este momento. Começamos a primeira aula de direção de bike. Os tombos voltaram, mas me sinto seguro com Luccino. Eu não deveria ter armado esse circo. Talvez eu esteja de fato com ciúmes, mas não sei nomear bem o que sinto ainda. Agora, quero aproveitar esse tempo com ele.

Estamos bem cansados ao final. Mas há energia para Luccino tirar algumas fotos minhas com a bike. Ele é bom no que faz. Consegue capturar o sorriso autêntico das pessoas, sem pose. Acho que, perto dele, sou assim em tudo. Posso ser eu mesmo. 

A Décima SinfoniaOnde histórias criam vida. Descubra agora