16. então, a música

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Após a fatídica noite, três dias se passam. Luccino tentou me evitar em todo esse tempo. As cortinas ficaram fechadas. Deu tempo de Mariana ir e voltar do Vale para pegar suas coisas, mas não deu tempo para ele me procurar. Tento compreendê-lo, de alguma maneira. Camilo deve ter o traumatizado com relacionamentos. Acho que ele tem medo de ser sufocado. Ou insegurança. Não sei. A melhor pessoa que poderia me dizer isso é ele mesmo.

Estou no meu quarto. Lídia em cima da cama, quieta e amorosa hoje. Ela tem sido o meu suporte nestes dias de tristeza. Mariana, é claro, me ajudou também, mas ela sabe dos momentos em que preciso ficar só. Coloco uma sonata para piano de Beethoven, relativamente curta, para tocar. É a número 14. Para mim, é uma peça bastante afirmativa. É o tipo de som que nos desperta para a realidade das coisas.

Dez mil pessoas estão sozinhas agora. E à noite o sol se põe. Amanhã ele ressurgirá. É este o meu mantra agora. À minha frente, o computador ligado e a letra de Morada na página inicial. É o dia da apresentação ao qual todos estavam se preparando, o fim do semestre, e não sei se vou.

"É claro que vai!" Mariana me diz. Ela veio ao quarto me trazer chá.

"Não estou tão bom assim na Libras."

"Otávio. Todos os seus amigos estão no mesmo barco. Vocês começaram agora. E você está até bem avançadinho. Tem um sinalário bom pra quem está começando. Não se faça de tonto."

"Ele vai estar lá, Mariana."

"Ótimo. Assim vocês se entendem de uma vez."

"E ele quer? Ele não me procurou. Eu fui sincero com ele."

"Otávio, o Luccino acabou de sair de um relacionamento ruim, sabe? Ele precisa de um tempo pra pensar. Mas isso não quer dizer que você tem que bancar o orgulhoso. Isso não é um jogo onde cada um tem sua vez. É a vida. Não é perfeita, mas é real."

Ela deixa o chá em minhas mãos e volta para o andar de baixo. Quando anoitece, vou para minha janela tomar ar. Estou com as roupas de dormir. Sei que a cidade está explodindo lá fora, sobretudo no bar onde será feita a festa de encerramento. A luz da janela do vizinho se acende. As sombras. Aquelas sombras. Será ele? Se for, está atrasado para a festa. Mas elas não se abrem. Sinto-me como Platão preso na caverna, a observar uma vida projetada pelo sol do exterior. Preciso sair. Mais uma vez.

"Mariana!" Grito.

Ela vem correndo. Lídia em seu encalço, espantada.

"O que foi? Meu Deus!"

"Eu preciso ir!"

Ela percebe o que quero dizer.

"Vai! Não fica parado esperando o milagre acontecer!"

Fico energizado com a motivação de Mariana.

"E... C-Como?"

"Eu te levo na minha bicicleta."

"Não! Eu vou. Eu vou sozinho."

"Tudo bem! Mas se apresse. Te espero lá embaixo."

Inicio uma contagem regressiva na cabeça. Busco algumas das minhas melhores roupas. Enquanto isso, tento memorizar a música para a apresentação final. Estou nervosíssimo, mas preciso fazer acontecer.

Ao terminar de colocar as calças, vejo algo na janela. Um papel.

Queria que você fosse.

É ele. É a letra dele. E ele quer. Ele me quer. Termino de me arrumar às pressas. Desço as escadas tropeçando nos degraus. Mariana já colocou a bicicleta para fora.

A Décima SinfoniaOnde histórias criam vida. Descubra agora