Trauma

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Não havia como explicar o que estava sentindo... tamanho esgotamento físico e psicológico lhe impediam de se levantar da cama apesar de não dormir. chorara a noite inteira. Como doía ser molestada dessa forma. encolhida embaixo das cobertas só conseguia tremer, soluçar e chorar. Dor... em suas nuances mais profundas... sim... um dia tinha sentido algo especial por ele... um dia por uma fração de segundos... enquanto o via crescer e se tornar no garoto mais lindo que já vira... sim, sem sombra de dúvidas sentira algo mais por ele... mas a crueldade, a perversidade de Wendel a fizera odiá-lo como nunca odiara ninguém.  Ele nunca fora um bom rapaz e agora via que, pior que isso, ele não era um homem de verdade, porque um homem de verdade jamais faria aquilo com uma mulher. E por mais que tentasse se erguer não conseguia. Não conseguia se conter, queria limpar seu corpo e tirar dele todos os vestígios dele, o cheiro de Wendel ainda estava sobre sí, mas não tinha forças pra levantar, só conseguia chorar. Não sabia como seria dalí por diante, em que momento teria forças pra arrumar suas coisas e sumir. Até aquele presente momento se quer conseguia ir até  ao banheiro... o vômito ainda estava preso em sua garganta. E nem se quer o alívio de saber que ele não tinha ido até o fim era capaz de amenizar a dor de ter sido violentada até o ponto que fora. Nunca homem nenhum tinha lhe tocado a boca, nunca homem nenhum tinha se quer lhe visto os seios e agora Wendel lhes tinha desnudado e tocado com tamanho despudor com o qual não se tratava nem a uma prostituta, nenhuma mulher no mundo merecia passar por isso... Tomando impulso seguira para o banheiro e lançara-se sobre o vaso sanitário. Tinha que jogar pra fora a sua repulsa e ela viera em forma de vômito, mas por mais que seu corpo expulsasse todo o conteúdo que tinha no seu estômago seu cérebro era incapaz de apagar tudo o que acontecera durante aquela noite. E vomitara até não haver mais nada dentro de sí. Estava sem forças largada com o rosto apoiado nos braços, as lágrimas fluíam mas o cheiro dele parecia ainda estar alí, nisso tomou impulso e seguiu para o boxe, ligou o chuveiro e deixou a água fluir, porém o cheiro dele ainda estava em seu corpo. E mesmo com sabonete e bucha o cheiro dele continuava alí...

_Não... _Gemeu em meio a dor. _Nunca vou te perdoar... nunca... nunca...

Ao voltar para o quarto e ver aquele ambiente moderno e bem decorado lembrou de sua vida antes daquilo, das paredes em madeira maciça envernizadas na fazenda, do som do vento fazendo barulho na janela, do cheiro da vegetação verde e do carinho que recebia dos animais. Como poderia ter recebido isso em troca da vida? Fora arrancado de si tudo o que mais amava e agora até mesmo sua dignidade e pureza... Tudo era amargura... tudo era dor...

Nunca perdoaria o pai por ter lhe jogado nos braços daquele ogro. Se ela em sua inocência não tinha noção, ao menos seu pai, que era um homem maduro, deveria saber que estaria condenando a honra de sua filha ao lhe lançar nos braços de um mauricinho irresponsável e fora da lei. Estava parada no meio do quarto e diante do enorme espelho na parede, podia com nitidez encarar a própria dor... dera alguns passos para a frente para mais perto do seu reflexo e alí bem diante de seus olhos vira bastante acentuada uma marca vermelha em seu pescoço.

_Desgraçado... DESGRAÇADO!!

em um ataque de fúria sem conseguir se conter diante da sua imagem degradante no espelho lançou a banquela da penteadeira nele, o barulho do impacto fora quase ensurdecedor...

***
 

Wendel ouviu o barulho do espelho quebrando. Estava no seu quarto e com tamanha dor de cabeça que seria incapaz de levantar. Nunca tinha bebido tanto na vida... Pensar na noite anterior só fazia com que sentisse vontade de morrer... Nunca deveria ter tocado nela... Nunca deveria ter se apaixonado por ela... Se pudesse voltar no tempo teria optado por abandonar a faculdade... abrir mao da Lamburghini e ficado com o pai na fazenda...
Nunca deveria ter trazido ela... Assim nunca teria descoberto o qe ela representara em sua vida.... e não estaria hoje sofrendo dessa forma. A ideia de que ela se entregara pro outro lhe deixava cego... Saber que diferente do que tinha sido com ele ela deveria ter gostado de estar com Nícolas... A rejeição, a dor de vê-la chorar e se debater repudiando seu toque era pior do que a morte... E agora ouvindo ela gritar que nunca iria perdoá-lo só fazia com que suas esperanças se esvaissem.
Tudo que tinha que fazer era esquecê-la. Por mais que tivesse que arrancar seu coraçao com a propria mão teria que esquecê-la. Amar Kíria tinha sido o maior castigo de sua vida... O maior de todos.

*** 

Depois de um dia inteiro trancada no quarto sem se quer sentir fome Kíria desceu pra sala. Estava decidida. Já tinha feito as malas, iria embora. Iria voltar pra casa. Talvez se humilhar para o pai pudesse fazer cm que ele amolecesse seu coração. não tinha coragem de seguir sozinha naquela cidade... havia muitos riscos e nem queria pensar em sair sozinha novamente, pegar um ônibus ou coisa parecida... não queria mais convivio social, queria apenas seus bois e galinhas de volta. O trauma lhe fazia temer... o trauma lhe fazia tremer. E mas nada nesse mundo a faria permanecer alí... debaixo do mesmo teto que ele.

_Alô, pai...

_Kikizinha é você?

_Dona Arlete? _Kíria sentiu seu mundo desabar.

_Meu amor. Sim sou eu. Seu pai tá no banho agora. Como você está?

_Eu... estou... a senhora está... posso falar com a Bá?

_Claro meu bem. Seu pai anda sentindo sua falta você quase não liga pra ele...

Kíria ficou em silêncio ate ouvir a voz de Baira do outro lado da linha.

_Ah minha menina como você está?

_Me responde Bá... dona Arlete ta morando aí?

_Acredite Kíria, nunca vi teu pai tão animado. Parece um adolescente apaxonado. Os dois são como dois pombinho. Acho que nunca vi ele tão feliz.

_Nunca?

_Depois que você viajou meu amor o homem parece outro... _Baira deu uma risada divertida.


Kíria sentiu o que ainda restava de seu mundo desabar.  Novamente as lágrimas inundaram seu rosto.


_Kíria meu amor você está bem?

_Estou ótima Bá. Tchau. _Kíria desligou o telefone. A dor era profunda. Agora tinha certeza que sua ausência fora a melhor coisa que ja acontecera na vida de seu pai... Como poderia voltar pra casa? Não seria bem vinda...
A dor a deixava inerte. Sentir-se rejeitada pelo próprio pai e sofrer tamanho trauma como o da noite anterior lhe incitava a desistir da própria vida... não tinha pra onde ir... ninguém a queria. Seu pai lhe entregara nas maos daquele monstro e agora estava muito feliz vivendo a própria vida...
Se isso era um castigo por seu comportamento não sabia o que tinha feito de tão grave pra merecer sentir vontade de morrer.

**

Wendel desceu as escadas... Ela estava encolhida sentada no chão com o rosto entre os joelhos chorando... A dor de ver ela alí sofrendo foi amarga. A culpa... o remorso... e ao mesmo tempo a raiva. Sentia ódio de Nicolas Huberman, ódio dela e ódio de si mesmo por ter sofrido tanto com essa rejeição a ponto de perder a cabeça. As imagens da noite anterior não saiam de sua cabeça. Era como um turbilhão de emoções controversas... Uma mistura amarga de desejo com revolta, satisfação e culpa... amor e ódio...
Ela estava alí agora, com certeza ja tinha falado com o outro... e que os dois fossem pro inferno.

Então ela o encarou e pode ver com nitidez tudo que estava escrito em seus olhos. Revolta, ódio, nojo e medo...

E naquele momento de todos os sentimentos que pudera sentir perdurara a culpa. Céus, o que tinha feito!? Estava maluco. 

_Kíria eu sint...

_EU TE ODEIO WENDEL E NUNCA VOU TE PERDOAR!!

Simplesmente ImperfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora