CAPÍTULO 34 DEIXANDO IR

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"O principal fica sempre protegido. Entre parênteses ou dentro do peito."

Clarissa Correa


Como a gente reage diante de uma situação como aquela? Houve um tempo que ela esperou tanto por aquele abraço. Apesar de tudo sempre guardou no coração aquela vontade que Miguel percebesse o seu erro e viesse ao seu encontro. Mas agora naquele momento ela sentia como tudo aquilo era em vão. A sua dor, a sua perda não seria remediada com a verdade. O passado era por demais amargo e o presente era mais ainda. Ambos tinham construído suas histórias. Eles não eram mais aqueles jovens apaixonados, havia tanta mágoa entre eles. Tantas coisas a serem ditas. Mas naquele momento não conseguia pronunciar sequer uma palavra.

Aos poucos ele foi se acalmando e a soltou, mas ficou a lhe encarar sem nada dizer. No fundo ela já sabia que Beatriz tinha lhe revelado tudo o que havia feito.

— Vic... — Sua voz não saia. Ele estava trêmulo, nervoso. Triste consigo mesmo por ter sido tão idiota por não ter acreditado nela. — Eu quero te pedi que você me perdoe. Sei que não mereço, mas eu daria tudo para poder voltar atrás.

— Beatriz te contou a verdade? — Ele assentiu. — Vamos entrar, Miguel. — Ela disse. Não queria conversar ali sob os olhares atentos dos vizinhos. Ele concordou. —Sente-se. Vou buscar um copo de água você precisa se acalmar. — Imediatamente se dirigiu até a cozinha, ele esperou na sala. Logo em seguida ela voltou e entregou o copo com água.

— Porque não me disse tudo o que Beatriz revelou a você? — Ele indagou sério, encarando. Ela manteve o olhar. Quando falou demonstrava uma calma que jamais imaginou possuir.

— Porque eu não quis me intrometer em um assunto que não me dizia respeito.

— Como? Você foi a parte mais prejudicada. — Ele disse incrédulo.

— Miguel, algum dia você realmente me amou? — Ela interrogou.

— Você sabe que sim. Você sempre foi o grande amor da minha vida...

— Será mesmo? — Ela interrogou cética. — Em todos esses anos eu sempre me perguntei se o amor que você dizia sentir por mim era mesmo verdadeiro.

— Sempre foi verdadeiro. — Ele interrompeu desesperado. — Eu te peço não duvide disso.

— Eu não estou duvidando, Miguel. — Disse. — Foi você há 20 anos que duvidou de mim, que duvidou do meu amor.

— Entenda, que homem reagiria diante daquela cena?

— Alguém que realmente amasse não teria dúvidas. Se você me amasse como dizia teria confiado e acreditado em mim. — Ficaram em silêncio durante um momento. — Saber de tudo agora não adianta nada. — Percebeu que ela chorava. — Eu sempre tive a minha consciência tranquila, porque aqui dentro de mim eu nunca te enganei.

— Como assim, não adianta? Podemos recomeçar...

— Recomeçar Miguel... — Ela riu com ironia. — Olha só para nós? Não somos mais jovens. Temos um mar de mágoas a nos separar. Não se conserta um cristal quebrado, assim como não se conserta um coração partido. — Ela fez uma pausa. —Quando tudo aconteceu e você me disse todas aquelas palavras cruéis eu vi todos os meus sonhos virando cinza. Apesar de tudo eu sempre acreditei que dias menos dias você acabaria entendendo que tudo aquilo foi um erro e voltaria para mim. — Encarou. — Mas isso jamais aconteceu. Logo soube que estava de casamento marcado com Beatriz. Então eu vi todo o meu sonho de um dia ser feliz ao lado do homem que eu amava virado pó. — Percebia o quanto ela estava emocionada, mas não pode deixar de notar que em suas palavras havia também muita mágoa. — Então o sonho da plebeia casar com o príncipe só acontecia nos contos de fadas. Ai não tive escolhas. Aceitei a realidade nua e crua a qual estava destinada. Mas você não teve culpa. — As lágrimas embargava as suas palavras e ele também estava chorando. — Tudo o que nos aconteceu não foi culpa sua. Estávamos destinados a não ficarmos juntos. A gente devia ter entendido isso antes, mas éramos jovens. E jovens se apaixonam. E a paixão as vezes nos deixa cegos.

— Victória nosso amor foi real. — Ele não concordava com os pensamentos dela.

— A vida me mostrou que não era. — Fez uma pausa para secar as lágrimas. —Quando enterrei o único vínculo que nos unia...

— Do que você está falando? — Perguntou chocado.

— Eu jurei que esse segredo eu levaria para o túmulo. — Encarou-o. — Mas é pesado demais para eu carregar aqui dentro. — Colocou a mão no peito. — Nós tivemos um filho.

— Um filho? — Ele levantou-se surpreso. Porque ela nunca havia lhe contado. Ele merecia saber.

— Um menino que não pude segurar. Que não pude amamentar. — Ela chorava.

— Porque nunca me falou da existência dessa criança? — Ele perguntou e ela notou a mágoa impregnada em suas palavras.

— Porque ela nunca existiu de verdade. — Revelou. — Ela não resistiu e morreu logo ao nascer.

— Meu Deus, Victória... — Ele a abraçou. — Sinto muito por ter te causado tamanha dor. — Ele deixou-se abraçar por ele. Necessitava tanto daquele carinho. Quando tudo aconteceu ela desejou tanto que ele estivesse ao seu lado. Segurando sua mão e prometendo que tudo ficaria bem. Durante muito tempo ela chorou colocando para fora toda a sua dor.

— Você algum dia conseguirá me perdoar? — Ele perguntou assim que ela ficou mais calma.

— Miguel... — Ela acariciou o seu rosto. — Não há nada que eu possa perdoar. Apesar de tudo fomos felizes...

— Eu nunca fui feliz. — Ele confessou com amargura na voz. — Nunca consegui amar Beatriz, porque nunca te tirei daqui do meu coração.

— Isso agora não tem mais importância. — Ela dizia com sensatez. — Querendo ou não Beatriz está doente e precisa de você.

— Não consigo te entender depois de tudo o que ela fez ainda consegue ter compaixão?

— Infelizmente ela está colhendo tudo o que semeou. — Falou. — E eu só posso lamentar.

No fundo ele compreendia. Beatriz sempre foi uma pessoa calma, sensata. Era justo que ela olhasse para toda aquela situação com aquele olhar de compaixão. Victória sempre sentiu empatia pela dor do outro. Pelas tragédias da humanidade. Ela era a calma em meios aos caos. Era resiliente.

— E quanto a gente?

— Miguel, eu quero ficar sozinha. — Queria que ele fosse embora sua cabeça estava a um milhão. Com ele presente não seria racional. — Outra hora a gente conversa quando estivermos mais calmos. Infelizmente tivemos muitas emoções e é justo termos um tempo para pensarmos.

— Tudo bem. — Ele concordou. Realmente ela tinha razão. — Mas eu não vou desistir de você.

Ela não respondeu apenas guiou até a porta. Assim que ele saiu ela sentou no sofá chorando soluçantemente.

FOI O SEU AMOR [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora