PRÓLOGO

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"De cada dia arrancar das coisas uma modesta alegria; Em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã."

Caio Fernando Abreu


Há saudades que são uma marca transpassando o coração. E no caso de Victoria as suas saudades era uma eterna prisão. Havia coisas em seu passado que não conseguia apagar e por mais que tentasse sabia que era totalmente inútil.

Seu sonho de juventude era ter se tornado uma pianista clássica reconhecida mundialmente. Mas a vida tinha planejado outros caminhos e inexoravelmente ela havia optado por segui-lo. Mas para quem nasceu no estreito da vida não podia ter sonhos tão altos, por que as circunstâncias sociais não lhe possibilitariam tornar aquele sonho realidade.

Filha de pais humildes e que trabalhavam mais de 40 horas semanais, tendo folga apenas aos domingos, permitindo concluir o ensino médio, pois seus sonhos eram longínquos demais para ir além. Mas as vezes é isso: Nem sempre vamos conseguir realizar tudo o que a gente deseja. Algumas vezes vamos ter que deixar pedaços de nós durante a caminhada. E se ela olhasse bem o caminho do passado, sabia que visualizaria mais derrotas que conquistas. Mas nem tudo está perdido enquanto se vive, sua mãe Bárbara havia lhe ensinado isso.

A vida sempre lhe cobrou um preço alto, sem nunca entender o porquê. Aos 10 anos de idade, seu pai Malaquias teve um acidente no trabalho e veio a falecer deixando ela e a mãe completamente desamparadas na vida. Tendo apenas a terra firme aos seus pés e um céu aberto a lhes abrigar.

Seus pais sempre foram pessoas com poucos bens materiais, apenas uma casa que havia pertencido a seus avós maternos, pelo menos tinha um bem próprio embora que fosse praticamente caindo aos pedaços, pois jamais passou por uma reforma. A sua casa ficava em frente à mansão dos Ferraz, que mais parecia um castelo daqueles saídos dos contos de fadas que ela havia lido durante a sua infância. Era todo revestido de pedras e pintado de uma amarelo dourado. Se por fora era aquela beleza bucólica por dentro era um caracterização da natureza divina.

Em seus cinquenta anos amou apenas um homem: Miguel Ferraz, mas jamais conseguiram ficar juntos. Ele era o herdeiro da família Ferraz e ela a menina pobre que não ousava sonhar além dos muros de sua casa e daquela cidade situada ao nordeste da Bahia. Ele que sempre estudou nos melhores colégios particulares tirando férias a cada duas vezes ao ano, com destino a Nova York e ela mal indo a escola municipal da sua cidade. Mas houve um tempo que Victoria acreditou que eles fossem ficar juntos e até chegou a se iludir achando que um dia poderia se tornar a senhora Ferraz, mas tudo isso não passou de um delírio de uma jovem sonhadora e romântica que sonhava casar com o príncipe encantado.

É claro que seu amor por Miguel durou a cada viagem que ele fazia, mas sempre que ele partia ela sentia que perdia um pedaço de seu coração. E nesse vai e vem esse romance chegou a durar mais de dez anos. E sim ele enfrentou a família para se casar com o amor de sua vida. E no auge dos seus 22 anos achou que pudesse ter vencido o preconceito social e familiar. Mas havia se enganado os pais de Miguel jamais permitiria que seu herdeiro se unisse a uma plebeia como ela.

E muita coisa mudou com a chegada do primo de Miguel, Antoniel Steves que assim que conheceu passou a assediá-la procurando em todos os lugares que ia. Mas tudo piorou com a chegada da sobrinha de Madalena, mãe de Miguel, Beatriz Muniz uma top model que havia feito sucesso no exterior e que sempre nutria um sentimento não correspondido pelo rapaz. Beatriz tinha algo a seu favor. Os pais de Miguel torcia para ele deixasse Victória e se casasse com a sobrinha. Ela era a esposa que os pais de Miguel apoiavam como nora. Pois pertencia ao mesmo nível social, já que os pais de Miguel davam muito valor aos estereótipos impostos pela sociedade. Acreditava que Victória não era a moça ideal para que seu único se unisse em matrimônio.

E em uma certa manhã Victória acordou na cama de Antoniel sem entender o porquê de estar ali na cama do primo de Miguel. Mas o pior havia acontecido Miguel a flagrara nua, assim como Miguel seu olhar foi de espanto e nojo não entendia nada do que estava ocorrendo, mesmo afirmando que não se recordava da noite passada, Miguel não acreditava nela, as circunstâncias mostravam que ela havia traído o seu noivo, já que havia feito o pedido de casamento alguns dias antes. As evidências estavam todas contra ela. Era inútil demovê-lo da ideia que tinha dormido ao lado de Steves. "Miguel, acredite em mim eu não sei como vim parar aqui... Antoniel explica para ele que não aconteceu nada...' Dizia desesperada. Steves não pronunciou sequer uma palavra. E o olhar de desprezo que Miguel lhe dirigia cortava seu coração em pedaços despropositais e as suas últimas palavras foram uma faca perfurando sua carne e atingido seu coração. "Você não vale nada. Não sei como pude um dia amá-la tanto. Não sei como algum dia pude pensar em me unir a alguém como você. Você é uma mulher vulgar, que vai parar na cama do primeiro que aparece. Não quero nunca mais olhar para essa sua cara de mulher leviana."

Então ele saiu dali deixando-a aos prantos e gritando e afirmando que ele estava sendo injusto. Antoniel tentou consolar, mas Victória deu-lhe uma bofetada, dizendo que nunca mais ele lhe dirigisse nenhuma palavra, vestindo as roupas que estavam jogadas, saiu com o coração despedaçado.

A partir desse dia o jovem casal jamais voltaram a se encontrar ou conversar. Miguel que já sentia certa antipatia pelo primo passou a odiá-lo. Poucos dias depois Victória soube que Miguel e Beatriz havia marcado o casamento na igreja da cidade, então ela percebeu que aquele amor estava perdido para sempre. Por mais que tentasse ele nunca lhe perdoaria.

Dias antes do casamento de Miguel com a prima ela partiu da cidade, indo morar com uma tia-avó no interior de Mato Grosso. Em partes por que não suportaria ver Miguel dizer "sim" no altar para outra mulher e em partes por que estava grávida e jurou para si mesmo que ele jamais iria saber da existência desse filho

Mas por mais que achasse que estivesse livre das maldades da vida, era um grande engano, pois não importa para onde a gente vá a gente cumpre a cartilha do destino. E ele não tolera que a gente fuja às regras. No interior de Mato Grosso o tempo do parto chegou e quando ela achou que fosse segurar seu filho em seus braços, o fruto daquele grande amor. O destino mais uma vez dava o seu carimbo. Seu bebê nascera morto, segundo informações médicas. Então ali naquelas terras distantes ela enterrava o restante daquele amor que acreditou um dia ser eterno.

Dois anos transcorreram desde aqueles infortúnios em sua vida e por mais que tentasse não conseguia apagar a tristeza de seu coração. Por mais que sua tia tentasse animá-la sabia que sua vida jamais seria a mesma de antes. Sua tia tinha um velho piano que assim pode esquecer um pouco a sua triste vida. E passou a dar aulas de piano e assim pode ganhar algum dinheiro e ajudar a sua mãe em sua terra natal.

Em uma noite chuvosa enquanto voltava para a casa da tia algo na lata de lixo lhe chamou atenção o choro de um bebê. Quando ela pegou aquele ser minúsculo congelado pela chuva e frio seu coração se cortou mil e um pedaços. Como um ser humano fazia isso com um ser indefeso? Era muita crueldade. Levou para a casa da tia e lá alimentou, trocou de roupa, pode enfim usar roupas de seu bebê, mesmo que fosse uma menina. Depois de alimentada e aquecida ela decidiu que seria mãe daquele bebezinho.

A tia ainda questionou alegando que jamais ela ficaria com aquela menina, pois as autoridades não concordariam. Mas vendo a insistência da moça, decidiu ajudá-la, talvez assim ela se recuperasse da perda de seu filho. Com a ajuda de um advogado amigo de sua tia, conseguiu registrar a menina como sua filha, dando-lhe o nome de Valentina Castiel e jurou que nunca ninguém saberia a verdadeira história daquela criança, para todos os efeitos aquela menina trazia o seu sangue nas veias.

Cinco anos se passaram vivendo naquela cidade ao lado de Valentina a quem pode ensinar todas as notas de músicas e a tocar piano. Aos cinco anos de idade a menina era muito atenta e decidida e quem olhasse jamais diria que a garotinha não era sua filha. Mas nesse meio tempo sua mãe veio falecer e ela decidiu que voltaria para sua cidade.

E por mais que temesse reencontrar todas as pessoas de seu passado sentia-se forte e decidida, Valentina havia devolvido isso a ela. Em sua cidade natal poderia dar aulas de piano e assim poder criar sua filha e realizar os seus sonhos. Como presente sua tia deu-lhe o piano. Ela quis recusar, mas acabou aceitando, pois sabia que não teria dinheiro para comprar um piano. E assim regressou de volta a sua cidade de cabeça erguida.


FOI O SEU AMOR [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora