1 ano e alguns meses antes...
Olho para o teto. Ainda falta uma hora para o alarme despertar, mas o sono se foi antes do dia amanhecer completamente. Já consigo perceber alguns raios de sol entrando pela persiana do quarto. Certa de que não vou voltar a dormir, acabo me levantando de uma vez. Não devo ter dormido mais que duas horas esta noite, que foram horas resumidas em dormir e acordar diversas vezes com o coração acelerado de ansiedade ao lembrar que ainda hoje estarei a muitos metros da superfície, dentro de um avião, pronta para mudar minha vida completamente.Meus olhos doem quando deixo a luz do dia entrar pelo quarto. Pelas poucas nuvens no céu, creio que será um dia bonito. Faço o resto das minhas coisas com lentidão, levando em consideração a hora adiantada que tenho. Tomo banho, me visto com o conjunto de moletom preto que deixei separados no dia anterior e dobro meu pijama, fazendo tudo conforme planejei noite passada. Abro a mala maior e coloco o resto das minhas coisas no espaço que deixei reservado, deixando só minha escova de dentes para fora. Coloco as mãos nos bolsos de trás do moletom, visualizando o quarto, agora vazio, que foi meu nos últimos cinco anos. Ah, se essas persianas pudessem contar as estórias que vivi neste quarto. Sorrio ao observar que o único item que vou deixar aqui é minha antiga camiseta azul com o logo em branco da Universidade de Toronto, onde me formei no ano passado. O pendurei após a formatura para deixá-la de decoração, para que eu pudesse sempre me lembrar de bons anos que vivi. Não quis tirá-la dali ao empacotar minhas coisas para a mudança. Não senti que fosse certo. É como se pertencesse a este lugar.
Finalmente chegou o dia doloroso de dizer adeus a esta casa e todas as lembranças que fiz nela. Coloco meus pés para fora do quarto, onde o típico cheiro de café fresco está por todo o corredor. Repasso, em ordem, todo o planejamento que tenho feito durante os últimos meses na cabeça. Guardar o resto das coisas, café da manhã, escovar os dentes, verificar todos os documentos da bolsa, lembrar o tio Liam das caixas que deixei ao lado da porta e ir para o aeroporto. Quase caio da escada, distraída, chamando a atenção do meu tio da cozinha.
Lá embaixo, meu tio ainda está em seu roupão-de-sempre por cima do pijama, colocando a mesa do café, e sorri quando me vê chegando.Essa tem sido minha vista todos os dias desde que me mudei para a casa deles.
— Bom dia, minha querida! — seu sorriso é alegre e receptivo, como sempre.
Imediatamente, sinto uma dor inundar meu peito, porque sei que mais tarde terei que me despedir e sei que vou chorar. Vai doer e não vai ser nada fácil para nenhum de nós. Caminho até ele e o abraço por alguns segundos e quando o solto, ele observa meu rosto de perto. Sabe quando estou triste. Sempre sabe. Mas ao invés de fazer a óbvia pergunta, ele sorri novamente.
— Como está se sentindo? Ansiosa? Pelo jeito que desceu as escadas...
Ele aponta meu lugar na mesa e vira de costas para pegar o café. Faço uma careta ao me sentar ao redor da mesa, lembrando que mal preguei os olhos durante a noite, e mesmo assim, não estou cansada. A adrenalina correndo à vontade pelas minhas veias.
— Ansiosa e com olheiras enormes. Devo ter dormido duas horas, no máximo.
— Por isso ouvi alguns passos no corredor durante a madrugada...
Volto minha xícara de porcelana à mesa após um gole.
— Você estava acordado?
Ele quebra os ovos dentro de uma frigideira bem quente, e assim como todas as manhãs, os mexe até ficar na consistência perfeita.
— Não consegui dormir. Fiquei preso num livro a noite toda. Era uma autobiografia de uma refugiada norte-coreana. Posso deixar na sua mala para ler no avião, se quiser.
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While We Wait
RomanceEu nunca gostei de clichês, além do fato de serem mal elaborados, ainda havia a questão de que o mocinho nem sempre de fato é um mocinho, porém, eu havia de concordar que, enquanto todos os meus planos vinham por água a baixo e desaceleravam ao mes...