UM DIA MAGNÍFICO - 03

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A escola Astro Argento era uma nobre instituição que ensinava aos jovens snellianos as bases da cultura popular. Lecionava-se todo tipo de conhecimento da cidade, como matemática, geometria, gramática, ordem unida, história, geografia, pintura, escultura, catequese, fauna e flora, arqueirismo e atletismo. Sua arquitetura seguia o padrão do resto da cidade, toda construída em pedras brancas estaiadas em um imenso salgueiro. Porém, os veios ornamentais encrustados nas paredes da escola eram de prata, diferente dos habituais dourados.

Após uma manhã com estudos teóricos, a turma de Serenel se reuniu no campo de treinamento para as atividades físicas. Eles passaram rapidamente pelo alojamento, onde puderam trocar as roupas por corseletes de couro, mais adequados e seguros para o treino com o arco, e depois formaram uma fila para receber arcos curtos e aljavas cheias de flechas com pontas cegas.

– Bem, podia ser pior – comentou Beleluz.

– Pior?! – Serenel verificava as flechas em sua aljava – Eu fiquei meia hora ouvindo bronca, de como eu não estou "comprometida com minhas tarefas escolares", de como é um "privilégio estar estudando na Astro Argento" e como posso "trazer desonra para minha família" se não tirar boas notas.

– E se dê por satisfeita – disse Audaz, que amarrava os cadarços da sandália. – Ela poderia ter te reprovado na hora, chamado seus pais para uma reunião e etc. A professora Mira de gramática é a mais tranquila da escola. Agora, se você fizesse isso com o professor Celestiago ou professor Codra...

– Irg! – Beleluz tremeu o corpo como se tivesse sentido um calafrio. – Imagina perder o dever de matemática do professor Codra? Eu já chegava chorando em sala de aula e pedindo para ele não me matar.

– Por favor, professor Codra! – Serenel se ajoelhou e começou a imitar o som de voz embargada pelo choro. – Não fungue muito rápido ou poderemos cair dentro dessa narina de cratera. Nem fale muito perto ou queimará nossos olhos com esse bafo de pirarucu esquecido no sol!

– Ha, Ha! Serenel, você é muito caipora!

Então, os três amigos abandonaram o alojamento e começaram o seu treino. Rapidamente, Audaz e Beleluz já haviam preparado seus arcos e iniciaram os disparos. Serenel, por sua vez, ainda rindo das próprias piadas, não apresentava nenhuma destreza com a arma. Toda vez que puxava a flecha, ela escapava de seus dedos e caía no chão:

– Ai, eu detesto esta aula. Quem em sã consciência gostaria de ser caçadora?

– Ihu! Acertei o alvo! – vibrou Audaz, cravando a flechada perfeita.

Nesse momento, uma snelliana magra com uma horrível cicatriz no ombro direito e postura rígida se aproximou do grupo. Ela viu o bom resultado de Audaz e o cumprimentou:

– Muito bem, Audaz. Foi um excelente disparo.

– Ah, obrigado, professora Matadeloz. – Ele tomou rapidamente uma postura em sentido e começou a sorrir de nervoso.

– Se continuar a se dedicar, poderá um dia ser indicado para ser um caçador.

– Caçador? Achei que apenas snellianas pudessem ser caçadoras.

Era uma confusão comum. De fato, o pelotão de infantaria mais prestigiado de Verdouro era a Casa das Caçadoras, sempre liderada por uma matriarca, o que dava a impressão que fosse formada apenas por snellianas. Além disso, tinha origem nos bandos de caiporas caçadoras que aterrorizavam os gentios que habitavam a Floresta Eterna. De fato, aqueles grupos eram predominantemente femininos e atacavam aborígenes que desmatavam a floresta, pescavam na época da piracema ou dizimavam bandos inteiros de capivaras. Porém, as caiporas haviam evoluído e as caçadoras formaram uma importante, sofisticada e orgulhosa Casa de Verdouro.

– E você, Beleluz? Esses bracinhos de princesa conseguem usar o arco?

A baixinha congelou com a voz da mestra e olhou desanimada para a arma. Ela tirou uma flecha da aljava, esticou a corda e disparou, errando o alvo em quase um metro.

– Como esperado de uma filha da nobreza da primeira altura. Suas mãos nasceram para pintar, esculpir e acompanhar cavalheiros em bailes, não para lutar.

– Desculpe, professora – Beleluz não sabia se ficou mais decepcionada com o resultado ruim da aula ou com as palavras de desânimo de Matadeloz.

– Ei! – Interveio Serenel. – A senhora não pode falar desta forma com ela. Beleluz está se esforçando!

Audaz deteve o seu próximo disparo ao ouvir a voz da amiga e engoliu seco, enquanto Beleluz se espantou com a audácia, fazendo sinais negativos e apressados com a mão. Matadeloz virou devagar para Serenel, com um olhar austero, e se aproximou de sua aluna abusada:

– Muitos snellianos "esforçados" foram devorados por curupiras durante as guerras. Seu sangue foi bebido de dentro de seus crânios e, agora, o resto de seus membros adubam a Floresta Eterna. Vocês não querem ser "esforçadas", vocês não têm o direito de ser "esforçadas". Vocês devem ser as melhores, caso contrário serão defuntas cadavéricas em alguma cova rasa. A senhora me entendeu bem, dona Serenel?

A voz suave e cheia de pesar de caçadora era arrepiante. Serenel ficou paralisada, com o rosto vermelho de vergonha e o coração palpitando rápido em seu peito.

– Sim... sim, senhora.

– Agora vamos ver como você se sai – ordenou Matadeloz, fazendo um sinal com a cabeça.

Serenel não se intimidou. Ela respirou fundo, pegou a arma com firmeza, buscou uma flecha na aljava e a posicionou com delicadeza entre os dedos. Quando foi puxar a corda, a flecha caiu no chão. Envergonhada, a jovem snelliana apanhou outa seta, a posicionou novamente, puxou a corda com delicadeza, porém, ao disparar, o cabo escapou da fissura de recuo e a flecha voo apenas dois metros à frente da arqueira, pouco mais longe que uma cusparada.

– Bem, acho que os resultados falam por si mesmos.

No entanto, quando a arrogante professora estava se afastando, Serenel foi tomada por um sentimento de retribuição. Ela achava aquela postura um absurdo e não deixaria ser menosprezada na frente da turma daquele jeito:

– Espere, professora!

Matadeloz parou e olhou por cima dos ombros. Então, Serenel tomou um comportamento severo e seu olhar estava comprometido com o exercício. Um silêncio solene se apossou do campo de treinamento. Beleluz torcia com as mãos juntas, enquanto Audaz sussurrava palavras de incentivo. Serenel apanhou uma nova flecha, abriu as pernas, endireitou a coluna e mirou seu alvo. Em seguida, encaixou perfeitamente a fissura de recuo na corda do arco e, por fim, a puxou. A madeira estalava, seus músculos estavam rígidos, sua respiração estava cadenciada. Então, no momento crítico, quando a tensão da corda estava no limite, o polegar da arqueira escorregou com o suor e o arco voo com toda força para trás, atingindo o rosto da jovem como um chicote:

– Aaaaai!!!

A turma caiu em gargalhada, menos seus amigos, que a acudiram rapidamente e a levaram para o alojamento. O ferimento não foi grave, apesar da marca levar o dia todo para desaparecer.

Prateada ou Júbilo de Jaci [Completo!]Onde histórias criam vida. Descubra agora