UM DIA MAGNÍFICO - 10

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Serenel e Shamash corriam através da floresta no dorso do porco-do-mato castanho e a snelliana via o brilho amarelo da serpente de fogo cada vez mais próximo entre os galhos.

– Boitatá está ferida e se movendo de forma incerta – disse o rapaz. – Talvez consigamos reduzir a diferença de distância entre nós.

– Você acha que a gente consegue alcançar essa cobra antes dela chegar na cidade?

Nesse momento, quando a dupla fez a última curva que levava para a trilha reta até Verdouro, as copas tornaram-se baixas, permitindo que vissem tropas de snellianos, portando gládios e escudos, armaduras e gáleas, aos pés dos jatobás da ala sul da cidade, marchando ao som do tambor em direção à serpente colossal que botava fogo pelas ventas.

– Eu acho que não...

– Minha Peregrina, isso é terrível. – Serenel buscou com os olhos uma passagem e viu que a trilha que ela havia usado com Sukura estava desguarnecida, enquanto que o exército estava concentrado na ala dos jatobás. – Tenho uma ideia. Vamos, Tapioca!

A snelliana puxou os pelos de sua montaria e se dirigiu à trilha. No caminho, eles podiam ouvir vozes de comando vindo do campo de batalha, seguido do som do disparo de flechas. Provavelmente a Casa das Caçadoras ou a Casa dos Arqueiros estava resguardando a infantaria com saraivadas do alto da cidade em direção à criatura. Em seguida, um som de fogo se alastrando misturado aos gritos de agonia fez Serenel perceber que Boitatá havia começado a fazer vítimas. Enfim, a dupla havia chegado ao seu destino: o túnel de despejo que ainda estava arriado. Serenel desceu do caititu e começou a subir de volta pelo túnel, mas foi seguida por seu companheiro:

– Não, não, não! Espera um pouco, o que pensa que está fazendo?

– Eu estou indo com você, para te ajudar.

– De jeito nenhum – sacudiu a cabeça. – Humanos são proibidos em Verdouro. Eu já causei problemas para uma vida inteira, não preciso de mais outro.

– Espera aí, eu nunca me separei do Arco Lunar desde que me foi confiado para encontrar o Júbilo de Jaci e...

– E finalmente, você encontrou. Não é isso?

Os dois ficaram se encarando, Shamash não estava convencido e nem um pouco confortável de deixar o tesouro de sua ordem inteiramente nas mãos de outra pessoa, mesmo que essa outra pessoa fosse o próprio Júbilo. Mais do que isso, as poucas horas que havia convivido com Serenel já havia demonstrado que Jaci havia escolhido uma desmiolada. Era muito arriscado abandoná-la naquela hora.

– Eu vou com você!

– Desculpa, amiguinho. – Serenel arrebentou com um chute a trava improvisada que Sukura havia feito, fazendo a ponte de escada subir para dentro da cidade através de um sistema de molas, deixando um jovem acólito para trás com uma careta de desaprovação. – Cuide de Tapioca!

***

A batalha nas fronteiras de Verdouro avançava. Os snellianos tentavam atingir a serpente com seus gládios, mas as lâminas pareciam atravessar a pele da criatura inutilmente. Tentar golpeá-la era como tentar golpear o fogo fátuo que emergia dos pântanos. Eles tinham certeza de estar lutando contra um espírito maligno da floresta e a coragem começava a desaparecer de seus corações.

Quando Boitatá estava prestes a devorar um soldado na linha de frente, Fortanha, o Barão da Casa do Sol, avançou sobre o inimigo e o golpeou com uma alabarda. A lâmina da arma presa em seu longo bastão atravessou o couro da cobra de fogo, furando os globos oculares que o ornamentava e fazendo a criatura recuar.

– Mas como? – perguntou um recruta, ainda deitado e pálido. – Como o senhor conseguiu feri-la, Barão?

Fortanha olhou desdenhoso para o recruta, sacudiu a alabarda em seu punho, limpando o sangue e revelando o brilho prateado intenso que parecia refletir com mais intensidade o luar. Particularmente, o recruta já havia visto metal parecido na casa de seu antigo patrão: um pequeno punhal que valia mais que uma mansão na primeira altura.

– Aço hanstaden! – disse o jovem.

– Recomponha-se, rapaz. Levante, vá até seu capitão e diga que o Barão Fortanha ordenou a retirada da infantaria. Este monstro é vulnerável apenas pelo aço de além-mar, vocês nada podem fazer para detê-lo. Agora, vá!

– Mas o senhor vai lutar sozinho?

– Ele não está sozinho. – respondeu uma voz feminina vindo correndo na direção do grupo. Era Garrante, Baronesa da Casa das Onças, que carregava uma maça com esporões que brilhavam como a alabarda de Fortanha. – Faz tempo que minha Estrela-da-Manhã não lutava lado a lado de... Ei! Onde está Luzardente?

Fortanha voltou os olhos para o chão, um tanto desconfortável pela pergunta.

– Eu não a empunho mais. Desde o falecimento de minha esposa, a espada lendária da Casa do Sol só poderá ser erguida por meu filho, Anderim.

Garrante franziu o cenho:

– Ela é a arma mais poderosa de Verdouro! Precisamos dela aqui, agora!

– Não irei quebrar meu julgamento por causa de uma besta qualquer que ataca nossos portões! – gritou o Barão, se voltando para Garrante. Os dois nobres ficaram imóveis e se encarando numa disputa silenciosa. A Baronesa não entendia como alguém deixaria o principal item da herança de sua Casa preso a um juramento que impossibilita seu uso, mesmo em momento de necessidade. No entanto, a tensão entre os dois foi quebrada pela aproximação violenta da serpente. Os dois nobres ergueram as armas e se preparavam para o impacto, quando o Barão Lancenumbra surgiu do alto de um penedo e saltou para frente de combate, e atingiu a criatura com uma lança feita do aço maravilhoso.

– Vocês dois vão ficar de conversa a noite toda? Forjas ou covas!

– Forjas ou covas! – Bradaram os guerreiros, indo em direção ao inimigo.

Prateada ou Júbilo de Jaci [Completo!]Onde histórias criam vida. Descubra agora