Capítulo 3

16.3K 1.6K 122
                                    

ARABELLA SALAZAR

15:58

Cheguei no meu apartamento e deixei a bolsa encima do sofá, tirando os sapatos e os jogando em qualquer lugar enquanto andava até a cozinha. O telefone ficava no caminho. Vi que havia alguns recados e apertei o botão vermelho.

— Oi Bella, é a Shirley. Eu vou ficar alguns dias na cidade, por que não nos encontramos para tomar alguma coisa? To morrendo de saudade, amiga! Me liga.

— Oi professora, tudo bom? É a Madson. Eu li o livro que a senhora me recomendou, estava certa, realmente é muito bom. Tem um grupo de leitura o qual eu faço parte e frequento toda terça e quinta. Gostaria de pedir permissão para ficar mais um pouco com ele, é só para apresentá-lo aos meus colegas. Espero que não tenha problemas. Boa tarde.

Cheguei a geladeira e peguei um pedaço de bolo, dando a primeira mordida.

— Bella, eai garota! É a Kristy, aqui da academia. Você veio e não voltou nunca mais, ué. Espero que não tenha me trocado por um personal trainer particular, hein. Se cuida e volta aqui mais vezes para me fazer uma visita.

Dei uma risadinha, achando tudo muito irônico. A mensagem de uma personal trainer de academia me chamando para voltar a malhar enquanto eu comia um delicioso pedaço de bolo de chocolate.

— Filha... oi, é o papai. (tossiu durante a gravação da mensagem) Será que tem como você vir aqui em casa ainda hoje? Preciso conversar seriamente com você. Te explico tudo quando chegar.

Estranhei. Eu não tinha lá um bom relacionamento com o meu pai, tanto é que na primeira oportunidade que tive, sai de casa para morar sozinha, não aguentando mais ver toda aquela cachorrada. Minha mãe morreu em uma acidente de carro há uns dois anos atrás -ele caiu em um lago com ela ainda dentro. Os paramédicos disseram que ela até tentou voltar pra superfície, mas como a mesma não sabia nadar... Não encontraram o corpo. Tivemos de enterrar um caixão vazio- e desde então ele vem se comportando de um modo escroto, trazendo mulheres pra casa, amigos para jogar e apostar no pôquer, até mesmo para resolver alguns dos seus negócios sujos, capangas que iam lá comunicar pessoalmente sobre a chegada de tal mercadoria.

Ele nem se importava em como eu ficaria ao ver tudo àquilo, por isso não exitei em comprar um apartamento usando a parte que a minha mãe deixou pra mim de sua herança. Sinto que se ficasse mais um tempo, mudaria de opinião e começaria a achar interesse o que o meu pai fazia, desejando entrar para esse mundo.

Fiquei encabulada e curiosa em questão ao seu recado porque primeiro, ele não era de me mandar recados e segundo, eu só voltava pra casa, quando queria vê-lo, uma vez na semana a cada três, quatro meses e ficava no máximo uns 15 minutos. Tirando isso só em emergências, o que era raro porque ele tem um médico particular; então reformulando a frase, tirando as vezes que eu ia visitá-lo 15 minutinhos uma vez a cada quatro meses, eu só voltaria lá de novo caso ele morresse.

Não podia ser mentira ou enganação, por isso tratei de limpar a boca, pegar as chaves do meu carro e sair do apartamento.

***

 Cheguei em casa e comecei a chamar pelo meu pai. Nada muito eufórico, até porque eu nem sabia qual era a situação. Avistei Sandra, que era uma das faxineiras.

— Bella, meu bem. Quanto tempo.

Veio ao meu encontro, me cumprimentando com um sorriso.

— Oi, Sandra. Tudo bem?

Nos abraçamos. Essa mulher foi praticamente minha segunda mãe quando meus pais não estavam em casa -minha mãe era muito de fazer viagens internacionais por conta do trabalho, tanto é que o seu acidente ocorreu quando ela estava voltando em um carro alugado depois de mais um voo pra fora-. Ela trabalhava aqui já tinha mais de 20 anos. Me acolheu nos momentos difíceis, me aconselhou, me educou, resumindo cuidou de mim.

— Tudo linda, e com você?

Começou a acariciar os meus cabelos.

— Mais ou menos. Meu pai me mandou uma mensagem bem incomum hoje e eu vim ver como ele está, saber o que tá acontecendo direitinho.

— Ah, sim. É, realmente ele anda meio mal esses últimos dias. Tem andado tossindo muito, com bastante indisposição, febre alta, dores de cabeça, insônia, falta de apetite, fraqueza, mãos gélidas e trêmulas, dores do peito... Quase não sai da cama e quando sai, é só para ir ao banheiro ou quando o médico tem que examiná-lo.

— Ele não sofreu nada, tipo algum ataque cardíaco ou...?

— Não, não. Nem o doutor sabe explicar o que é.

— Que doideira... vou lá ver como ele está.

— Tenho certeza que ele vai adorar revê-la, senhorita.

Comecei a subir as escadas. A porta do seu quarto se encontrava aberta. Bati levemente na madeira, chamando sua atenção.

— Oi filha.

— Oi pai.

Entrei, me sentando ao seu lado na cama. Ele estava deitado, embaixo das cobertas e com uma bandeja de comida ao lado. Realmente ele parecia não ter fome, tudo estava intacto.

— Como você tá?

— To bem, o senhor é quem aparenta não estar muito no seu normal.

Eu não esboçava nenhuma reação, como tristeza, lamentação, alegria por vê-lo... Não que eu fosse uma pessoa sem coração ou que gostasse de guardar mágoas, até porque fui lá visitá-lo mesmo sabendo que era possível ele nunca fazer o mesmo por mim, mas é que também não era como se eu tivesse esquecido tudo o que ele já me causou no passado e num piscar de olhos, aparecer toda feliz e sorridente.

Poxa, ele estava me obrigando a casar com alguém que eu não tinha nada em comum, nem afinidade e muito menos intimidade, alguém que não possuía nem a mesma idade que eu, e tudo por medo deu não vencer na vida e só haver esse meio para subir de degrau : ter um homem rico, que ele já conhece e confia, sem ter todo aquele trabalho da minha parte de apresentar um pretendente. Quer dizer, além de duvidar da minha capacidade e demonstrar impaciência em conhecer meu futuro namorado, ainda não da me opções.

— Era sobre isso mesmo que eu gostaria de falar com você.

Se sentou na cama.

— Eu estou morrendo.

Pegou na minha mão.

— E não preciso de nenhum médico para me dizer isso. Não ando nada bem ultimamente e sinto que não tenho muito tempo.

— Para de se precipitar tanto. Pode acabar descobrindo que é só... uma gripe, sei lá.

— Vai por mim, eu sei do que estou falando.

— Você não vai partir agora, relaxa.

Tirei a minha mão. Não sei se a minha insegurança se dava por conta de que poderia ser só drama e eu ter me deslocado de lá da minha casa até aqui atoa, ou se tinha a possibilidade de ser verdade e que eu ficaria sozinha no mundo.

— Quero fazer uma viagem antes de deixar esse mundo. Ir para a Itália e me sentar no banco aonde conheci a sua mãe, lá em Siena.

— Tanto faz, pai. Vai e mete a cara então. Talvez te faça bem sair um pouco dessa cama, desse quarto, dessa casa enorme a qual você fica sozinho 24h por dia.

Me levantei.

— Obrigado por vir.

— Quando voltar, me avisa se possível. Vai ver que não tinha nada esse tempo todo.

— Te amo, filha.

Respirei fundo e engoli em seco. Ele nunca havia dito que me amava antes.

— É, eu sei. Tchau, pai.

Respondi friamente, saindo do quarto, com lágrimas nos olhos.

_______

JUNSTY RIVER -Homens Da Lei -[L1]Plussize 2019Onde histórias criam vida. Descubra agora