Maio, 15

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Maio, dia 15

Estou acabado, Diana. Já não vejo a hora das férias chegarem. Sei que a escolha de prosseguir com os estudos foi minha, mas há dias em que me arrependo imenso de ter feito essa escolha. A vida seria tão mais fácil sem compromissos!

Dramas pessoais à parte, queria sobretudo pedir-te desculpa pela falta de entradas no diário. Isto é suposto ser um registo de desabafos, mas o facto de eu finalmente me ter inscrito no ginásio faz com que grande parte das minhas frustrações sejam resolvidas sem uma caneta. Há já algum tempo que precisava de uma atividade física extra para acalmar a mente e exercitar o corpo. E posso te garantir que tem estado a surtir efeito. Tenho resistência suficiente para aguentar pelo menos metade de uma noite de danças latinas e a K tem aproveitado esse facto para dançar comigo pelo menos uma vez por semana neste último mês e meio. Nunca me tinha inscrito num ginásio por preguiça e por achar que o dinheiro da mensalidade não seria justo para o número de vezes reduzidas que lá fosse meter os pés mas tem sido divertido aprender que estava errado.

Aconselhava-te a vir também, mas já levas uma vida agitada o suficiente. O facto de passares a vida a dançar e a ter aulas de condição física na Academia faz com que estejas em excelente forma e, quanto muito, precisas de mais tempo parada. Estes últimos tratamentos têm sido eficazes e tens andado muito bem a nível de saúde, mas não convém abusar não é verdade?

Antes de me ir embora deixa-me contar-te o que me aconteceu no outro dia no autocarro. Peço-te só que não gozes comigo para o resto das nossas vidas. A situação tem graça, mas se o fizeres deixo de te contar coisas destas.

Como já te tinha dito, eu inscrevi-me no ginásio. E agora que o final do ano se aproxima, os professores do curso marcaram ainda mais trabalhos para serem entregues antes das avaliações finais. A somar a isto, ainda tenho os turnos em part-time na bilheteira do zoológico aos fins de semana. Resumindo: ando de rastos. Como tal, todo o tempo que tenho para dormir é pouco e por isso tenho vindo a aproveitar qualquer oportunidade para pelo menos fazer uma pequena sesta. Uma altura perfeita é a viagem enorme de autocarro, já que faço praticamente a linha toda.

Então, no outro dia, por alguma razão estranha, aquilo encheu. Havia turistas por todos os lados, saídos sabe-se lá de onde. Eu vinha sentado num dos bancos do lado do corredor porque entrei numa das primeiras paragens, mas depois adormeci ainda antes de aquilo ficar a abarrotar pelas costuras. Lembro-me vagamente de ter acordado antes do meio da linha e de ver as pessoas que apanham aquele autocarro com regularidade a espremerrem-se para dentro do veículo enquanto os turistas olhavam espantados a partir das suas cadeiras. Enfim. Quando acordei estava todo inclinado, precionando a minha cabeça na barriga de uma rapariga mais ou menos da minha idade que se encontrava colada ao braço do meu banco, apesar de o autocarro já estar um pouco mais vazio. Devia ter sido empurrada para ali quando o autocarro deixou entrar mais pessoas que o recomendável e, por pena, deixou-se ali ficar quando a minha cabeça tombou na sua direcção para evitar acordar-me. Eu corei até à raiz dos cabelos quando percebi a situação, completamente envergonhado. Pedi imensas desculpas, mas ela limitou-se a sorrir e a comentar enquanto carregava no botão do Stop que eu tivera um timing excelente pois estávamos mesmo a chegar à sua paragem. Ela desceu do autocarro ainda a sorrir para mim, com os livros que antes estavam debaixo do seu braço bem encostados contra o seu peito e eu obriguei-me a não adormecer nas restantes paragens até à da nossa rua - que também não eram assim tantas, porque ela saiu naquela que fica de frente para a farmácia cor de rosa.

Que vergonha! Eu costumo adormecer em sítios estranhos quando estou cansado, mas aquilo foi uma estreia. Ainda por cima, acho que conheço a rapariga. Se não me engano, é da faculdade de direito, que fica bastante perto da minha. Acho que a costumo ver quando vou almoçar por lá com uns amigos que andaram comigo no liceu. A sorte de ambos é que não costumo babar-me e que não adormeci de boca aberta. Se isso tivesse acontecido...

Mesmo assim, nunca mais vou conseguir olhar para a cara dela, quando a voltar a ver. De certeza que vai contar às amigas e depois vão todas rir-se de mim.

Tenho mesmo de ver se me sento à janela no autocarro, para ir encostado ao vidro. Assim, de certeza que isto não se repete. Ou então vou em pé.

Lembra-te: umas boas horas de sono são muito importantes. Não sejas como eu.

Agora tenho de ir. Disse ao abrigo animal que estaria pelas 16h45 para apanhar o Rover para o levar a passear com a K e se não sair agora de casa nunca mais lá chego. Também ainda não te disse, mas eu e o Rover estamos a dar-nos muito bem. Ele já não se sente incomodado e estamos a ficar grandes amigos. Um destes dias levo-te para o conheceres, num dia em que saias cedo da Academia.

Prometo escrever.

Com Amor,

Sammy

Guarda a última dança para mim ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora