Ele recebeu vários nomes ao longo de sua existência, nenhum que realmente o pertencesse, nenhum que realmente gostasse. Também já fora representado de várias maneiras em filmes, jogos, livros, séries de TV e afins. Mas sua aparência era algo fluido e nada até aquele momento fez jus à realidade. Os humanos sempre foram exagerados e demasiado dramáticos sobre esses dois fatores, mas tendiam a ser bastante diretos quando falavam do que Ele fazia: seu trabalho era levar os mortos "desse lado" para o "outro lado". Se isso significava outro mundo ou outra vida, já era uma questão mais complexa que servia para mais dramatização e exagero humano.
Não havia o que questionar sobre o que fazia, alguém simplesmente precisava fazer. Não havia o que reclamar, não havia o que aproveitar também. Quando se existe há tanto tempo, a noção que se tem de tudo fica um tanto distorcida. Até mesmo sua própria história era distorcida. Não lembrava de como se tornou o que era, não sabe o que será depois. Não sabe sequer se há um depois. Ele estranhamente gostava de pensar nisso tudo quando não havia muito o que pensar.
Seus coturnos pisavam na calçada úmida sem fazer som algum, ao menos nenhum som que humanos pudessem ouvir. Sua respiração era regular e saía numa fumaça branca à sua frente, fazendo os pequenos flocos de neve dançarem. Usava um sobretudo azul marinho sobre um casaco de lã branco e jeans escuros, nada que alguém esperaria que um ceifeiro fosse vestir. O sobretudo estava aberto e balançava suavemente enquanto Ele andava com as mãos nos bolsos, guiando-se pelas ruas até chegar ao destino de seu próximo trabalho.
Ao parar diante das portas do Hospital Universitário de Busan, pausou sua caminhada e observou a movimentação com certo incômodo. Hospitais sempre pareciam drená-lo, por mais que esses locais nunca fossem responsabilidade de um só ceifeiro. Podia sentir a presença de quantos estavam ali com bastante clareza. Sentia as almas que precisavam ser levadas com mais clareza ainda, especialmente uma. Apertou os lábios por um instante e adentrou o hospital.
A corrente de ar quente que saiu quando as portas automáticas abriram balançou seus cabelos. Ele levou um das mãos à testa para tirá-lo dos olhos e se perguntou por que a aparência daquela vez precisava de cabelos tão longos, sem contar que o tom prateado dos fios o deixara quase intrigado. A fluidez de sua aparência dependia de qual trabalho ia fazer. Não podia ser nada que assustasse quem precisava ser levado, tampouco podia ser algo familiar demais. Pessoas assustadas ou apegadas demais só serviam para criar espíritos vagantes e isso podia se tornar bastante problemático. Precisava ser confortante e distante na medida certa.
Suas características mudavam sozinhas e gradualmente quando acabava um trabalho e ia para outro. Já estava mais do que habituado àquilo, mas não deixava de imaginar que tipo de alma encontraria ao ver seu reflexo na superfície de algum lugar. Já tivera diversas faces, de diversas idades. A de agora era um garoto em seus vinte e poucos anos. Talvez 22 ou 23, Ele mesmo não saberia dizer. Sua pele era levemente bronzeada, talvez um pouco mais do que a média. Seu rosto era simétrico e anguloso de modo elegante, com maçãs bem pronunciadas e curvas do nariz e dos lábios singelas, simples. Seus traços eram claramente asiáticos, mas mesmo entre os rostos à sua volta, ele se destacaria - se algum humano pudesse vê-lo, claro. O que o diferenciaria logo de cara dos outros humanos era um detalhe que incrivelmente nunca mudava em sua aparência: a cor dos olhos. Eram de um cinza escuro, talvez como grafite, porém mesclava em um tom que poderia ser azul. Não era uma cor que humanos pudessem descrever ou reconhecer.
Logo na recepção, Ele avistou mais alguns ceifeiros. O brilho cinzento em seus olhos, semelhantes ao Dele, logo os tornava identificáveis. Houve uma troca de olhares momentânea e uma reverência discreta entre eles e o recém chegado. Na maioria esmagadora das vezes, a única interação entre Ele e os Outros se resumia àquilo: respeito distante. Amizade era um fenômeno raro entre ceifeiros. Continuou seu caminho pelos corredores brilhantes do hospital, caminhando sem pressa alguma. Pegou o elevador que o levaria até seu próximo trabalho, sem se preocupar em apertar botão algum para chegar lá. As portas simplesmente abririam onde ele precisasse descer.
Um "ding" soou e o elevador balançou levemente antes de parar no quarto andar. Ele percorreu o corredor quieto até a presença cada vez mais clara da alma que levaria. Parou de frente à porta de correr do quarto 133. Tirou uma das mãos do bolso e a estendeu para pegar a maçaneta e abrir a porta, mas no momento em que seus dedos tocaram o metal frio, Ele hesitou. Fechou os olhos por um instante, confuso com a presença que vinha daquele quarto. Abriu os olhos e franziu o cenho por um segundo antes de finalmente abrir a porta.
A luz do corredor clareou o ambiente momentaneamente antes de sumir quando a porta se fechou atrás Dele. Só então Ele entendeu por que aquela presença o deixara tão confuso. Lá estava seu trabalho, ressonando numa cama, iluminado apenas pela luz da cidade que vinha da janela. Havia máquinas monitorando seus sinais vitais e vários fios saíam debaixo da túnica hospitalar, conectando-se a outra máquina de aparência complexa. Um tubo nasal de oxigênio dividia seu rosto e se apoiava atrás de suas orelhas, parcialmente escondido pelo cabelo preto. Suas mãos repousavam uma no colchão e outra sobre sua barriga. A que estava no colchão recebia uma medicação intravenosa que pingava lentamente ao lado da cama, no alto de um apoio de aço. E nada disso parecia condizer à pessoa conectada a todas essas coisas: sua expressão era tão serena como se ele estivesse dormindo confortavelmente na própria casa.
"Ele não está morto", pensou Ele, por mais que fosse óbvio. Seu corpo e sua alma ainda eram um só. "Ele também não está vivo", completou, intrigado. Era como se sua presença dançasse na fronteira entre aquilo que o fazia parte do mundo humano e aquilo que o faria parte do mundo Dele. Aproximou-se da cama lentamente para observar com mais atenção. Esticou uma das mãos com cuidado na direção do rosto do garoto. Mal havia roçado a ponta dos dedos em sua pele e puxou de volta a mão com rapidez. Ele olhava para a própria mão, em choque, quando o rapaz abriu os olhos e piscou algumas vezes, olhando em volta.
- Jungkook-ah? - Disse o garoto, repentinamente, com a voz sonolenta. - O que faz aqui tão tarde da noite?
Incapaz de se mexer, Ele só o encarou cada vez mais confuso quando o garoto esticou a mão para acender a luz acima da cama. Ele estreitou os olhos com a mudança de iluminação, até que voltou a abri-los normalmente. Eram curvados e escuros, contornados por cílios ligeiramente longos também escuros. Suas sobrancelhas se arquearam em surpresa e Ele achou que não podia ficar mais confuso, mas ali estava o garoto olhando, não através dele como qualquer humano vivo faria, mas diretamente para Ele.
- Você não é o Jungkook. - Constatou ele, inclinando um pouco a cabeça, intrigado.
O ceifeiro ainda teve o impulso imediato de olhar para trás e depois novamente para o garoto, sem entender. "Ele está me vendo?", pensou Ele, franzindo o cenho e passando uma das mãos no cabelo e pousando outra na cintura.
- Claro que estou. Meus olhos são pequenos, mas funcionam. - Brincou o garoto. Intrigado, Ele se perguntou se havia dito aquilo em voz alta, mas achava que não.
A expressão do ceifeiro aparentemente divertiu o garoto, pois ele riu brevemente. O coração que Ele nem lembrava que batia deu uma cambalhota em seu peito, assustando-o. Inconscientemente levou as duas mãos ao tórax, como se não tivesse entendido o que acabara de acontecer.
- Ei, você está bem? - Perguntou o garoto, soando preocupado. Ele se apoiou com dificuldade sobre os cotovelos na intenção de sentar, mas o ceifeiro, tão inconscientemente quanto antes, pôs uma das mãos no ombro do rapaz e o impediu.
- Não, não se mexa. - Murmurou Ele, enquanto pegava o controle da cama e ajustava para incliná-la de modo que o garoto ficasse sentado sem ter que se esforçar tanto. Achava estranho sua voz sair daquele jeito, achava estranho genuinamente ouvi-la fora da própria mente. Havia muito tempo desde que precisara usar sua voz. Descobriu cedo que não precisava dela para interagir com outros ceifeiros e almas. Como não podia se comunicar com humanos vivos, – ao menos não até aquele momento – não verbalizava nada desde que podia se lembrar.
- Obrigado. - Disse ele, com o sorriso de volta no rosto. A mesma sensação que teve no peito também voltou e Ele expirou com mais força do que pretendia, dando um passo para trás.
A lâmpada fluorescente deixava a pele do garoto mais pálida do que já estava, mas seus traços ficavam mais claros. Os lábios incrivelmente rosados, aquela linha do maxilar que era quase uma curva perfeita, o nariz empinado, as maçãs do rosto altas que deixavam seus olhos ainda menores, a franja caindo sobre a testa... O ceifeiro registrava tudo aquilo com confusão e certa incredulidade, buscando o que tornava aquele garoto tão diferente.
- Olha, normalmente eu não me incomodaria com um garoto tão bonito me encarando assim, mas eu não sei quem é você. – Disse o garoto, em um tom de divertimento que o ceifeiro estava pensando rápido demais para reparar. Então a frase seguinte veio num tom tranquilizador, embora o sorriso ainda denunciasse sua diversão. – Tem uma cadeira bem aqui, senta um pouco. Eu estou de cama e você quem parece que vai desmaiar.
- O que... O que houve com você? – Perguntou Ele, antes que pudesse se deter.
- Oh, você não viu? Acho que estava escrito em algum lugar do corredor. – O menino começou, casualmente. Parecia menos incomodado com a pergunta do que Ele mesmo, que havia feito. – Esse é o andar dos que estão esperando por transplante. Ao menos aqueles que precisam de mais atenção, na verdade. – Continuou, e apontou com o queixo para a máquina complexa conectada a ele. – Não posso me separar do “Eu Robô” aqui, ele ajuda meu coração a não pifar de vez. Eu já estava esperando há um tempo, mas fiquei pior... Então tenho que ficar aqui.
“Então é isso”, pensou Ele, juntando alguns pontos. O garoto não estava morto, mas estava perto disso. Muito perto. Já tinha ouvido falar de ceifeiros que pegassem trabalhos como aquele: humanos perto da morte que passavam a enxergá-los, mas nunca havia acontecido com Ele.
E definitivamente nunca tinham dito nada sobre conseguirem tocar e ser ouvidos pelo humano.
Passado o choque inicial, Ele acabou fazendo o que o humano pediu. Puxou a cadeira e sentou, com um semblante um tanto desconfortável. Olhava para as próprias mãos no colo sem saber muito o que fazer, o que pensar. Como explicaria aquela situação? Que desculpa Ele daria para estar ali de madrugada, sem nem sequer conhecê-lo, teoricamente?
- Bom, - começou o garoto, animadamente, até. – já que estou desperto e ainda está longe do horário de visitas, aceito sua companhia. Qual é seu nome?
O ceifeiro teve que pensar um pouco. É verdade que Ele tinha um nome, mas não era em uma linguagem que os humanos entendessem. Era praticamente um símbolo, uma essência que só fazia sentido para quem não pertencia mais ao mundo dos vivos. Mas se fosse tentar uma adaptação para aquela língua, seria...
- Taehyung...? - Chutou Ele, coçando a nuca com um pouco de dúvida. – Kim Taehyung. – Disse com mais firmeza, finalmente olhando para o garoto. Kim era um sobrenome comum e Taehyung não soava tão estranho. Parecia convincente o bastante. O garoto assentiu com um sorriso entretido.
- Park Jimin – Disse ele, simplesmente, e fez uma pequena reverência desajeitada. “Eu sei”, pensou Taehyung, mas o humano não precisava saber daquilo. Não precisava tornar tudo mais bizarro do que já parecia. – Já demos nomes aos rostos, então você não é mais um estranho que invadiu meu quarto no meio da noite. Agora é Taehyung, o cara que invadiu meu quarto no meio da noite. – Brincou ele, e o ceifeiro não pôde deixar de ficar constrangido. – Suponho que tenha um motivo. – Prosseguiu, arqueando as sobrancelhas, deixando pairar a chance de o ceifeiro se explicar.
Voltando a olhar para as mãos no colo, ele pensou brevemente numa história. O fato de não conseguir nada o deixou mais nervoso, então começou a brincar com um dos botões de seu sobretudo.
- Eu só estava andando – começou, hesitante – e acabei por aqui. Não tive intenção de te acordar, desculpe. – A última frase saiu tão baixa que Jimin se inclinou na direção dele para ouvir melhor.
- Se você for daqueles que leem para os doentes ou algo assim, está meio fora do horário. E precisa falar um pouco mais alto que isso – Por estar com os olhos baixos, Taehyung só reparou na nova proximidade do garoto quando ele falou e deu um pulo com isso. Sentiu calor no rosto, mas essa sensação era confusa. Seguindo o único pensamento que fazia sentido, o ceifeiro tirou o sobretudo e o deixou em um dos braços da cadeira. O calor no rosto continuava lá, ele não entendia o porquê.
Quando finalmente lembrou o que aquela sensação queria dizer, seu rosto esquentou mais ainda.
Jimin o observava com um sorriso que ele não conseguia decifrar. O rapaz se afastou tão sem aviso quanto se aproximara e se espalhou de modo preguiçoso na cama, apoiando a cabeça na mão que não recebia medicação e com uma perna sobre a outra. Novamente, ele não parecia condizer com o cenário. Aquela postura e aquela expressão continham mais vitalidade do que a presença que Taehyung sentia, do que todos aqueles fios conectados a ele. Parecia simplesmente... Errado.
- Você andou bastante até resolver parar aqui. – Começou ele, intrigado. – Tem alguém que deveria ver nesse andar?
- Mais ou menos. – Taehyung falou baixo demais novamente, então se endireitou e ergueu o tom. – Sim, mas não encontrei quem eu esperava.
- Oh, então eu sou uma surpresa – Jimin disse, sorrindo de modo indecifrável de novo. – Uma agradável, espero. – Sua expressão mudou para uma pensativa e ele levou uma mão ao queixo. – Se bem que eu não estou nos meus melhores dias. É difícil me deixar feio, mas esses dias de cama estão se esforçando bastante nisso.
Taehyung olhava aquele sorriso constante e ouvia o tom brincalhão sentindo-se culpado. Não queria mentir para o garoto, também não podia simplesmente dizer o motivo de eles interagirem daquela maneira. E – concluiu com certa surpresa – duvidava que conseguisse dizer a verdade.
Contrariando tudo o que normalmente faria, o ceifeiro riu brevemente e gesticulou na direção das máquinas.
- A tentativa é clara, mas ainda não conseguiram. – Disse ele, tentando soar no mesmo tom que Jimin. O olhar que dirigiu ao ceifeiro ao ouvir aquilo era um misto de curiosidade com satisfação.
- Vamos com calma, meu coração não pode acelerar assim do nada – Brincou Jimin, teatralmente colocando a mão no peito. Taehyung teve que se segurar para não fazer o mesmo. Se os sinais vitais de Jimin ainda continuavam os mesmos, os de Taehyung estariam alarmantes se estivessem sendo monitorados: seu coração batia mais rápido do que ele achava possível.
- Não é bem esse efeito que eu causo nas pessoas – Admitiu o ceifeiro, quase para si mesmo, com um sorriso nervoso.
- Não duvide do potencial desse cabelo platinado, Taehyung-ssi – Disse Jimin, e Taehyung não soube dizer se ele continuava brincado ou não. – Ou desses olhos, nossa. Você é mestiço? Ou são lentes? De todo jeito, essa cor é incrível! Onde você arranjou? – Ele perguntava tanto e tão rápido que o ceifeiro mal pôde acompanhar, mas isso mais o divertia do que incomodava.
O garoto gesticulava bastante enquanto falava, estava claramente animado. Havia mais cor em seu rosto e as perguntas não paravam, bem como as histórias e provocações. Taehyung respondia o que era possível responder sem se revelar muito e muitas vezes simplesmente ria quando não sabia ou não havia o que dizer. Jimin parecia gostar de fazê-lo rir e em algum momento da noite ele percebeu que gostava que Jimin tentasse. Em algum momento da noite, Taehyung estava falando tanto quanto Jimin.
Em algum momento da noite, Taehyung desejou que ela não acabasse tão cedo.
Mas as horas passaram rápido demais e o escuro do céu aos poucos adquiria uma tonalidade cinzenta que abriria para uma manhã branca de céu nublado, iluminando as ruas cobertas de neve. O ceifeiro externou sua decepção com um suspiro leve e se levantou, vestindo de volta seu sobretudo. Já podia sentir mais do que ver a movimentação aumentar no hospital, não podia prolongar mais seu tempo ali.
- A visita indo embora quando teoricamente era pra estar chegando – Ironizou Jimin, e Taehyung apenas sorriu em resposta. O garoto sorriu de volta, mas havia algo ali diferente do indecifrável ou zombeteiro que mostrara a noite toda. Sua voz soou mais baixa que o normal quando voltou a falar: - Eu vou te ver de novo?
“Você não era pra estar me vendo nem agora”, pensou o ceifeiro, achando quase engraçado. “Queria que não precisasse me ver também”, concluiu, mas não verbalizou nada daquilo. Deu de ombros e pegou o controle da cama para deixar Jimin deitado novamente.
- Talvez. – Foi tudo o que disse. – Desculpe roubar sua noite de sono. Descansa um pouco agora, ok? – Sem esperar uma resposta, o ceifeiro apenas deu um meio sorriso de despedida e saiu do quarto.
Sozinho no corredor, o ceifeiro encostou na parede perto do elevador e cobriu os olhos com uma das mãos, enquanto a outra estava no bolso do sobretudo. Suspirou outra vez, agora um pouco mais forte. Não sabia no que a interação com Jimin iria dar, não sabia as consequências de se envolver tanto.
E se ele estivesse contribuindo para criar um vagante? Jimin poderia muito bem odiá-lo por mentir pra ele, por não dizer o que realmente era. Ódio era ingrediente fácil para um vagante. E se Jimin sobrevivesse, o que aconteceria? Estaria preso a ele até que finalmente pudesse levar sua alma de uma vez por todas?
Taehyung tirou a mão dos olhos e passou pelos cabelos, impaciente. Não sabia o que pensar sobre tudo aquilo. Não sentir nada por tanto tempo o deixara despreparado para o que quer sentisse depois, então sua mente estava uma bagunça. O barulho do elevador abrindo o distraiu de seus pensamentos e ele se virou rápido demais para entrar, quase trombando com a pessoa que estava lá dentro.
Primeiro, ele estranhou que houvesse alguém lá. Sempre dava um jeito de fazer os humanos evitarem os locais onde ele passaria, o elevador devia estar vazio. Mas então percebeu que não se tratava de um humano, por mais que qualquer um que o visse pensaria que sim.
As roupas do Outro eram bem mais formais. Usava uma camisa de botão roxa com finas listras verticais brancas que destacava uma gravata cor de pérola. A calça era social, preta e lisa, com suspensórios da mesma cor. Calçava mocassins de camurça pretos com um pingente perolado. Seu sobretudo parecia pesado e era preto, de veludo, chegando quase aos tornozelos. No pulso esquerdo via-se um relógio prata de aspecto caro com uma pulseira de couro branca. Seu cabelo era roxo e ele usava dois brincos de argola em uma orelha, contrastando com a formalidade de todo o resto.
Nada daquilo realmente impressionou Taehyung. Ele estava ocupado demais encarando o brilho emitido pelos olhos daquele Outro. Não era cinzento como o seu e da maioria dos Outros: era um brilho violeta, majestoso e extremamente antigo. Aquele Outro existia há muito mais tempo do que qualquer ceifeiro que Taehyung já conhecera. A percepção daquilo o fez ficar totalmente alerta.
- V. – Cumprimentou o Outro. Não usou sua voz, pelo mesmo motivo que não o chamou de Taehyung.
- RM. – Respondeu ele, no mesmo tom. Por um momento ninguém se moveu, ninguém falou, e nisso Taehyung sentiu-se cada vez mais tenso.
- Entre. Acho que precisamos dar uma volta – RM finalmente disse, gesticulando com a cabeça para que se aproximasse. Foi um gesto casual, seu tom era suave, mas algo no fato de ele ser tão mais velho simplesmente não deixava Taehyung relaxar. Fez o que foi pedido mesmo assim. Entrou no elevador e as portas se fecharam atrás dele.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Singularity
FanfictionNão havia o que questionar sobre o que fazia, alguém precisava fazer. Não havia o que reclamar, nem o que aproveitar também. O equilíbrio do mundo precisava ser mantido, tudo que nasce um dia tem que morrer e o trabalho de V era guiar as almas pelo...