House of Cards

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Quando chegou, não foi para o quarto logo de cara. Ficou no terraço do hospital observando o sol sumir aos poucos atrás dos prédios ao longe, pensando em tudo e nada ao mesmo tempo. Os cabelos prateados estavam finalmente arrumados e voavam com a brisa suave e gelada do fim da tarde.

A noite para os humanos costumava ser assustadora ou fantasiada demais, mas para Taehyung o anoitecer era o momento em que o mundo se manifestava de forma mais natural. Até entendia por que os vivos buscavam a luz com tanta urgência, eles não enxergavam como os ceifeiros. O brilho único de cada aura, todas emanando em intensidades distintas e em cores que nenhum olho humano poderia enxergar. Sem a interferência do sol, todo o resto podia brilhar e Taehyung amava isso.

Estava encostado nas grades, um tanto encurvado, com o queixo repousando nas mãos que estavam uma sobre a outra. Os anéis machucavam um pouco, mas ele não estava focado nisso para perceber. Seu sobretudo cinza balançava com o vento e deixava seu casaco de algodão preto com finas listras verticais brancas exposto. Os jeans escuros eram um pouco justos e tinham finas correntes penduradas que tilintavam toda vez que ele se mexia. Os coturnos pretos refletiam as luzes da cidade, que dançavam um pouco quando ele se balançava, apoiando-se ora nos calcanhares, ora na ponta dos pés, num gesto meio nervoso.

Culpa, angústia, medo, nervosismo, indecisão... Tudo se misturava e se debatia em sua mente e ele não sabia o que fazer com nada da daquilo. As palavras de RM ecoavam na memória sem descanso algum. Se fechasse os olhos, voltaria àquela praia deserta e toda aquela história. Não conseguia esquecer do tom calmo que o ceifeiro mais velho usara enquanto seu mundo desmoronava, não conseguia acreditar na própria covardia. Ainda não sabia tudo que acontecera, mas o que precisava saber estava de volta com uma intensidade que ele ainda não sabia como lidar.

Alguns de nós aceitam esse caminho como uma missão, outros como punição. Você escolheu ambos”, ouviu em sua mente a voz tranquila de RM, vendo a cena como se estivesse nela outra vez. “Sua escolha te deu poder pra encontrar Jimin um dia, mas o sofrimento da espera não estava nos seu planos. Não se culpe por querer esquecer”. Sabia que o ceifeiro mais velho dissera aquilo tudo para tranquilizá-lo. A mão em seu ombro e a garrafa de soju que ele havia oferecido depois deixara bem claro. Mas ainda não achava aquilo um motivo decente para pedir algo assim. Como pôde escolher apagar Jimin?

Taehyung emitiu um ruído irritado e se afastou da grade, virando-se para descer, mas pausou subitamente ao ver que havia outra pessoa ali. Ela havia acabado de chegar e parecia entretida com o celular em uma das mãos e um bolinho de arroz na outra. Era um rapaz jovem de jaleco com um estetoscópio rosa pendurado no pescoço, cantarolando baixo uma música qualquer.

Taehyung esperou que sua presença fizesse o efeito que sempre fazia nos humanos. Talvez aquele se lembrasse subitamente que precisava pegar algo no armário ou decidiria que estava frio demais para ficar ali fora e sairia. Quando isso não aconteceu, V franziu o cenho, confuso. Ficou mais confuso ainda quando o rapaz levantou o olhar, arqueou as sobrancelhas em surpresa e sorriu.

- Oh, é você de novo! – O rapaz disse, guardando o celular no bolso e terminando o bolinho em uma mordida só para logo depois andar com a mão estendida até Taehyung. – Faz um tempo que te vejo por aqui, mas não pude me apresentar. – V olhava do rosto para a mão do rapaz e após um momento relutante, cedeu ao cumprimento. O rapaz se animou com aquilo. – Muito prazer, sou Kim Seokjin, mas pode me chamar só de Jin também. – Ele continuou, balançando alegremente a mão de V com as suas. Quando o soltou, pôs as mãos nos bolsos do jaleco e avaliou V da cabeça aos pés sem muita discrição. – Namjoon não estava mentindo, você é bastante jovem, Taehyung-ssi.

- Namjoon? – O ceifeiro perguntou debilmente, ainda sem processar direito aquele humano absurdamente simpático sendo capaz de vê-lo.

- Acho que você o conhece por outro nome. – Concluiu Jin. – Sabe, o super Guia. Bem velho, alto, cabelo roxo e tal. – Esclareceu ele, gesticulando para o próprio cabelo. Não ficou difícil saber a quem ele se referia depois da descrição, e V teve que se conter para não revirar os olhos.

- Sim... Sei quem é. – Respondeu baixo, um tanto sem vontade e ainda atordoado pela situação toda. A alma vívida e forte daquele rapaz indicava pelo menos mais 40 anos de vida pela frente, então morte iminente já era descartada. Se não era isso, então o que era?

- Você ia descer? – Perguntou Jin, apontando para a porta pela qual passara antes. – Podemos ir juntos, acho que sei pra onde você quer ir. Ainda é cedo, vai ser meio incômodo estar no meio de todos os humanos, não é? Sorte que pode ficar com o melhor humano que poderia encontrar. – O sorriso de Jin depois daquilo foi radiante e houve mesura de uma pose. V leu “pediatria” no jaleco e achou essa área perfeitamente apropriada para o rapaz.

- Por que... Por que está fazendo isso? – Taehyung perguntou, genuinamente confuso. Ser capaz de vê-lo já era bizarro o bastante, por que ele estava sendo tão prestativo daquele jeito? Jin deu um sorriso que o ceifeiro não compreendeu bem antes de responder.

- Considere uma obrigação de família. – Foi tudo o que ele disse, dando uma piscadela logo depois. – Vamos, meu intervalo estava acabando mesmo. Tenho pacientes no andar que você precisa ir. – Jin virou-se e começou a andar. Parou um pouco antes da porta quando percebeu que Taehyung não o acompanhou e fez um gesto de falsa impaciência para ele. - Minhas rondas, rapaz. Vai me fazer levar uma bronca?

A relutância ainda se fazia presente, mas o ceifeiro cedeu mesmo assim e seguiu o humano pelas escadas. Àquela altura não estava mais com paciência para certas dúvidas que tinha, aquela podia ser outra delas. Estava cansado de correr atrás de respostas, sua existência era bem mais fácil quando era a imortalidade tediosa que vinha com a escolha de ser um ceifeiro. Pararam pouco antes da porta do quarto andar, quando Jin puxou um crachá para destravar a porta. Eles adentraram o corredor logo depois, Jin andando de modo relaxado e sendo seguido por um Taehyung meio encolhido com as mãos nos bolsos.

Só de ver ao longe a porta entreaberta do quarto de Jimin, V já sentiu seu coração acelerar descontrolado. Apertou os lábios, nervoso, as mãos tremendo dentro do sobretudo. Fechou-as em punhos e praguejou para si mesmo, irritado por estar tão alterado. Ele nem sequer ia falar com Jimin, por que estava daquele jeito? Não era para aquilo que estava ali. Também não gostava do motivo de estar lá. Jin parou perto da porta de Jimin e olhou rapidamente lá dentro. Fez um gesto com a cabeça para Taehyung se aproximar e indicou a porta com o polegar.

- Ele não está sozinho, mas o horário de visitas vai acabar em no máximo uns 15 minutos. – Ele disse, baixo, quando o ceifeiro se aproximou. Havia duas ou três pessoas no corredor, Taehyung presumiu que alguém ver um médico falando sozinho não ajudava na credibilidade, então não se ofendeu por aquilo. – Se bem que talvez esse garoto não saia nem tão cedo. – Jin deu um sorriso sugestivo e arqueou as sobrancelhas.

Taehyung não gostou do tom que Jin usou, mas entendeu o que ele quis dizer antes mesmo de olhar. Sabia o bastante das memórias de Jimin e das histórias dele para saber quem estava lá. Foi ver mesmo assim, então se aproximou da porta lentamente. Lá estava sua confirmação, sentada numa poltrona ao lado da cama de Jimin. Estava virado para a porta, mas não era um problema pois o ceifeiro não podia ser visto por ele.

Os cabelos castanhos estavam um tanto bagunçados e seu olhar transpassava uma preocupação que Taehyung já vira várias vezes no rosto daqueles que ficam para trás na morte. O medo de ser deixado, o medo de perder aquela pessoa, o medo de como sua vida ficaria depois que perdesse: tudo sendo exposto naquela expressão e no modo protetor que Jungkook segurava a mão de Jimin entre as suas.

Jin olhou rapidamente dos dois garotos no quarto para o ceifeiro e deu um meio sorriso que V não reparou. Ele checou as horas no relógio de pulso rosa bebê que usava e suspirou com leve decepção, logo teria que voltar ao trabalho. Olhou em volta antes de dar dois tapinhas no ombro de Taehyung para chamar sua atenção.

- Preciso ir, mas qualquer coisa é só chamar. – Disse ele, com o sorriso radiante de volta. Taehyung apenas assentiu e murmurou um agradecimento, não muito disposto a perguntar como exatamente ele acharia Jin e por que precisaria dele. O médico saiu andando com as mãos nos bolsos e assobiando uma música animada, deixando o ceifeiro sozinho mais uma vez.

Quando voltou-se novamente para o quarto, Taehyung quase desejou que Jin não tivesse ido embora. Sentia como se o mero ato de estar em pé ali fosse uma invasão, por mais estúpido que aquele pensamento parecesse. Sua presença não seria notada por Jungkook e Jimin estava dormindo por conta das medicações, estar ali ou não nem fazia diferença. Mas ainda assim...

Passou pela brecha da porta sem fazer barulho e entrou, o desconforto evidente em seus passos vacilantes. Olhou em volta e percebeu o quarto diferente da última vez. As paredes azul bebê ainda eram as mesmas e os poucos móveis brancos além da cama também, mas estavam lotados de arranjos de flores de vários tipos. Elas deixavam o ambiente mais arejado e colorido, um contraste bonito para aquele lugar e aquela situação. Foi passando por eles e lendo os cartões amarrados junto aos ramos e os recados escritos nos vasos. Vinham de várias pessoas diferentes: amigos, colegas de trabalho, parentes e até alguns fãs.

Taehyung tocou as pétalas de um dos vasos com um sorriso que ele mesmo não havia reparado que deu. Aquilo era algo que não mudava ao redor de Jimin. Em qualquer vida, em qualquer época, tê-lo por perto era algo que fazia bem para qualquer um que tivesse essa chance. E ali estava ele... O responsável por guiar o caminho que levaria aquele garoto maravilhoso para longe de todas aquelas pessoas para sempre. Esse pensamento nunca o incomodara antes, ele simplesmente encarava como aquilo era: o Universo seguindo seu curso como devia e apenas isso. Só que pensar nisso agora trazia vestígios de sua própria perda e o desestabilizava completamente. Não queria ter que levar Jimin. Olhou por cima do ombro, para Jungkook, e teve certeza de que ele entendia mais do que ninguém.

- Jimin-ssi... Até quando pretende dormir? – Ouviu o humano murmurar, provavelmente mais para si mesmo do que para Jimin. Taehyung encostou-se na cômoda e cruzou os braços, virando para os dois garotos para observá-los. Jungkook soltou a mão de Jimin e pegou a capa do violão que o ceifeiro só reparara agora que estava lá. Ele brilhou preto e lustroso sob a luz que ficava acima da cama quando Jungkook tirou a capa e o posicionou no colo para tocar. – Acho que a enfermeira vem me expulsar daqui a pouco, então vou deixar isso aqui.  – O mais novo pegou o celular de Jimin e colocou no modo de gravação de áudio, para então começar.

Os acordes mudavam de forma fluida e se combinavam aos dedilhados perfeitamente enquanto o humano tocava de olhos fechados e cabeça baixa, concentrado. Quando começou a cantar, o ceifeiro ficou surpreso com a suavidade da voz do garoto, por mais que ainda tivesse um timbre grave. Ele claramente interpretava a letra em um nível profundo, era possível ouvir tudo o que ele sentia através da intensidade com que cantava. Taehyung compreendeu naquele momento tudo o que Jimin falava sobre a voz de Jungkook e ficou feliz por estar ali para ouvi-la.

Pegou-se cantando baixo junto do humano, se aproveitando do fato de que não seria ouvido. Conhecia aquela música, ouvira algumas vezes na rádio e sempre prestava atenção quando tocava novamente. Ainda não lembrava de sua vida passada, então não tinha certeza se já fizera aquilo antes, mas sua voz não era ruim. Talvez fosse mais grave do que a maioria e isso o fazia pensar que soava um pouco estranha, mas nunca se incomodou, até porque parou de usá-la cedo... Mas aí ele veio. Jimin o fizera redescobrir sua voz e desde então só quis usar cada vez mais. Queria conversar, rir, gritar e agora, cantar.

Como um humano”, pensou, enquanto fechava os olhos com força. “Coisa que você não é”, lembrou a si mesmo. Obrigou-se a lembrar por que estava ali outra vez, parou de cantar e voltou a olhar os dois garotos. Jungkook continuava a música normalmente, observava Jimin intensamente entre as estrofes e não vacilou nem um segundo até a música acabar. Quando dedilhou as últimas notas, pegou o celular ainda gravando e aproximou do rosto antes de falar.

- Agora você não pode mais reclamar que nunca cantei nada do Roy Kim. – Disse ele, com um sorriso torto. Parou de gravar e começou a guardar o violão para poder sair. Estava ajustando a alça da capa para colocá-la no ombro quando a enfermeira bateu na porta e avisou sobre o fim do horário de visitas. Jungkook sorriu para a moça educadamente e disse que já ia sair. Ela os deixou novamente e o rapaz se voltou para de Jimin. – Não me assuste de novo daquele jeito, por favor. – Pediu, baixo. Passou a mão suavemente pelo cabelo de Jimin antes de levantar, apagar a luz e ir embora.

Mesmo estando sozinho com Jimin, Taehyung sentiu-se estranhamente calmo. Ele sabia o motivo. Ter conhecido Jungkook deixara os fatos bem mais claros, ver como ele olhava para Jimin e o modo como cuidava dele... Por mais que o ceifeiro esquecesse de tudo ao redor deles quando estava com Jimin, a despedida de todo amanhecer sempre o lembrava de tudo que não podia fazer por ele. Jamais poderia participar da vida de Jimin, sequer estava vivo para ser capaz disso.

Só participaria de sua morte.

A decisão que tomara antes de voltar àquele quarto foi provavelmente a mais difícil que já teve que tomar em todos aqueles anos existindo. Permaneceu parado ali de braços cruzados pelo que poderiam ter sido horas ou minutos, ele não saberia dizer. Sabia que estava inutilmente adiando o que tinha que fazer, mas cada segundo a mais ali era um presente... Porque eram os últimos.

Não se envolveria mais com Jimin até o inevitável dia em que teria que guiá-lo. Não havia motivo para continuar mentindo para ele daquele jeito. Ficar longe dele era uma tortura, mas vê-lo sorrir e puxar conversa sem fazer ideia do que Taehyung era e o que a presença dele significava era mais do que o ceifeiro podia aguentar. Riu para si mesmo sem muito humor ao perceber que em qualquer situação Jimin talvez o odiasse. Ele o odiaria mais por mentir ou por sumir? “Pensando bem, eu acabei fazendo os dois”, concluiu, o que tornava a situação quase cômica.

Descruzou os braços e bagunçou o próprio cabelo enquanto andava até a cama. Olhou Jimin deitado todo encolhido como sempre dormia sem saber muito o que fazer. Precisava pegar o cachecol de volta, mas ele estava amarrado na cabeceira e uma das pontas estava na mão do garoto, próximo ao seu rosto. Inclinou-se com cuidado para desatar o nó, sabendo que não seria uma tarefa tão rápida quanto gostaria que fosse. Puxou a ponta solta devagar e o desenrolou da cama. Feito isso, só precisava dar um jeito de tirar a outra ponta da mão de Jimin e...

Taehyung congelou no lugar quando sentiu seu casaco ser puxado. Viu-se incapaz de olhar para baixo, para onde Jimin estava, e seu coração parecia que ia explodir no peito de tão rápido que batia. Sentiu mais do que viu o rapaz se mexendo e seu casaco foi puxado mais uma vez. Teve que se segurar na cabeceira da cama e estava prestes a perguntar o que Jimin estava fazendo, quando a respiração quente e suave do rapaz o atingiu na curva do pescoço. Jimin inspirou profundamente e Taehyung teve que olhar.

Encontrou o rapaz ainda de olhos fechados, mas seu sorriso indecifrável denunciava que havia acordado. Ele segurava seu casaco com a mão que antes estava o cachecol. Quando abriu os olhos, havia um brilho travesso e vitorioso neles, mesmo que parecessem um tanto desfocados pelo sono induzido da medicação.

- Eu achei que estava sonhando de novo, - Começou ele, com a voz baixa e arrastada, embora não por causa do sono. – mas você está mesmo aqui. – A mão que estava no casaco subiu lentamente pelo peito até tocar o pescoço de Taehyung, apenas com as pontas dos dedos. – Eu dormi e acordei várias vezes o dia todo... Por que você estava em todos os sonhos? – Os dedos subiram mais e alisaram devagar a linha do maxilar do ceifeiro. – Por que eram tão reais? – O percurso continuou até chegar na bochecha de Taehyung e finalmente parar, quase encostando em seus lábios entreabertos por conta da respiração acelerada. – Por que eram tão bons, Taehyung-ssi?

Todo o preparo mental que o ceifeiro havia feito antes de ir foi por água abaixo sob o toque de Jimin. Sua mão estava trêmula quando soltou a cama e alcançou a do garoto que ainda tocava seu rosto. Segurou-a por um momento e respirou fundo, de olhos fechados, antes de finalmente reunir forças para tirá-la de lá. Jimin entrelaçou os dedos nos seus antes que fizesse menção de soltá-la, gesto que desestabilizou o ceifeiro ainda mais.

- Não fuja de mim. – Sussurrou o rapaz, e Taehyung sentiu como se toda a superfície de sua pele estivesse quente. Engoliu a saliva com dificuldade e finalmente encarou Jimin de volta, absorvendo cada detalhe dele. O nariz empinado que ele poderia tocar com o seu se resolvesse se abaixar um pouco mais, aqueles lábios carnudos esboçando um sorriso travesso, seus olhos pequenos e sonolentos que diziam muito mais do que qualquer provocação que ele já tenha feito. Tudo. Seu corpo e sua mente gritavam pedindo por aquilo tudo.

Mas não podia. Estava ali para fazer justamente o contrário daquilo e ainda por cima sentia a presença do médico de Jimin se aproximando do quarto. O suspiro de decepção que deu foi inevitável. Decidiu atrasá-lo um pouco usando a própria influência, mesmo sabendo que era errado. Soltou-se da mão de Jimin delicadamente, demorando de propósito, e alisou seu rosto devagar.

- Desculpe. – Começou Taehyung, ainda tocando o rosto de Jimin. – Desculpe se tudo que eu faço é me desculpar e sumir. Não queria que fosse assim. – Suspirou novamente, sentindo o caos de sua mente voltar a se instalar aos poucos. - Queria poder te oferecer mais do que isso, mas não posso.

- Você soa como se estivesse se despedindo. – Disse Jimin, num tom que V não soube identificar. Já não estava sorrindo e avaliava o ceifeiro sem disfarce algum. Taehyung não soube o que responder sobre aquilo e apenas deu um sorriso triste. Jimin puxou seu casaco outra vez sem aviso e por um segundo seus rostos estavam tão próximos que a respiração deles se misturava e seus narizes se tocaram. – Isso só me faz querer te dar motivos pra ficar. – Ele disse, quase contra os lábios de Taehyung e com os dedos da mão livre entrelaçados nos fios prateados de sua nuca.

- Jimin, - O ceifeiro começou, num tom de alerta para si mesmo. Estava ciente do quanto seu rosto estava quente e do quanto seu coração estava acelerado, também estava ciente do quanto queria ficar e dar àquele garoto tudo que ele pudesse ter. – eu tenho que ir. – Forçou-se a dizer, indo contra tudo que estava sentindo. Desvencilhou-se da maneira mais gentil que conseguiu e pegou o cachecol, já virando-se para ir embora.

- Você é mesmo cruel, Taehyung-ssi. – Ouviu Jimin resmungar antes de praticamente correr porta afora. Quando se deparou com o corredor completamente vazio, se deu conta de que havia exagerado na influência e ficou preocupado com a possibilidade de ter feito até algum paciente se levantar e sair daquele andar, mas estava atordoado demais para conferir isso. Saiu andando a passos largos, obrigando-se a se afastar do quarto o mais rápido possível.

Estava perto das escadas quando duas figuras surgiram praticamente do nada e o fizeram recuar um passo meio trôpego. Encostou-se na parede para recuperar o equilíbrio e praguejou sem muita discrição, com uma mão sobre os olhos e outra na cintura, tentando recuperar seu autocontrole. Pulou de susto quando sentiu uma mão em seu ombro e praguejou mais uma vez, fazendo quem quer que o tenha tocado rir.

- Oh, o que foi, Taehyung-ssi? Parece até que viu um fantasma. – Disse Jin, com um sorriso sugestivo que fez a pessoa ao seu lado soltar um suspiro audível de decepção. – Não faça essa cara, Namjoon. Você sabe que foi ótima.

- Eu já desisti de comentar, sério – Retrucou RM, esfregando a própria testa com um ar impaciente e um sorriso derrotado. Estava com uma das mãos no bolso e seu cabelo estava mais bagunçado do que antes. Ainda usava as mesmas roupas daquela manhã. Seu aspecto permanecia como se estivesse recém arrumado apesar de parecer um tanto cansado. – Preciso falar com você, V. – Disse ele, encarando Taehyung com uma expressão impossível de ler. Jin olhou de um ceifeiro para o outro e assobiou.

- Bom, eu só te acompanhei até aqui, agora é assunto de Guias. – Disse Jin, com as sobrancelhas arqueadas e já dando as costas para os dois ceifeiros para ir embora. – Até depois, Namjoon! – Virou-se uma última vez para acenar para RM e desceu as escadas animadamente como seu estado de espírito sempre parecia ser.

- Olha, eu vou ser breve, porque não tenho muito tempo – Começou RM, assim que foram deixados sozinhos. – Tenho que ir buscar alguém em Daegu. – Ele coçou a nuca antes de continuar, olhando com cautela para Taehyung. A agitação do ceifeiro mais novo o deixara um tanto impaciente, então se irritou com aquilo.

- Ok, tenha um bom trabalho. – Retrucou V, arqueando uma sobrancelha com um ar interrogativo. – Como isso tem a ver comigo?

- Eu estava pensando em te deixar descobrir sozinho, mas estou vendo que seu estado de espírito está bem alterado e seria um tanto perigoso. – RM soltou um riso sem muito humor e o brilho violeta de seus olhos se intensificou ligeiramente quando ele voltou a falar. – Daegu. Song Haseung, 23 anos, acidente de moto. Ele vai entrar em coma pelos danos cerebrais, mas não vai acordar. – A intensidade com que o ceifeiro mais velho o encarava estava começando a deixá-lo nervoso.

- Você quer dizer que... – Começou Taehyung, mas foi interrompido por RM logo em seguida.

- Ele é doador – Esclareceu, confirmando a dúvida que havia na pergunta incompleta e no olhar de Taehyung. – e é compatível com Jimin.

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