- Ok, você tem que se levantar agora. Tipo, sério – A voz soava ao mesmo tempo indignada e entretida, não demorou nada para Taehyung saber de quem se tratava. Jin estendeu a mão para ajudar o ceifeiro a levantar, mas ele recusou com um gesto fraco. Estava meio sentado e meio deitado perto da grade de proteção do terraço, com o rosto bronzeado corado e um aspecto sonolento. – Sem birra, por favor. Não sei onde você arranjou esse soju, mas é melhor dar uma pausa, né?
V segurou sua garrafa de forma protetora e mostrou a língua para Jin. O médico pôs as mãos na cintura e suspirou olhando para o alto, murmurando para si mesmo coisas como “o que eu fiz pra merecer isso?” e “nem é um sinal tão bonito, é só uma mancha de formato estranho nas minhas costas, tenha dó”. Após ponderar um pouco, Jin tirou sua bolsa do ombro e sentou ao lado de V.
- Só está aqui em cima há uma hora, como conseguiu ficar bêbado assim só nesse tempo? – Jin perguntou, rindo. A resposta de Taehyung foi um último gole na garrafa para depois segurá-la na frente do rosto do humano enquanto o soju subia aos poucos e preenchia toda a garrafa outra vez. – Ah, claro. Tinha que ser. – Ele riu do modo orgulhoso que V sorriu depois de demonstrar a peculiaridade de sua bebida. – Está lamentando ou celebrando, garoto?
- “Garoto”? Eu tenho mais de 300 anos, você é o “garoto” aqui – Resmungou V, com a voz arrastada e um tom irritado. Toda aquela situação era incrivelmente cômica para Jin, mas ele não queria ser rude e rir na frente do jovem ceifeiro.
- Tá bom, “hyung”. Mas e aí, qual dos dois?
- Ambos. – Taehyung riu como se tivesse contado uma piada particular com a resposta.
- Uau, o caso é sério – Riu Jin, puxando da bolsa um potinho com docinhos de gelatina coloridos. Jogou um na boca e mastigou de um jeito peculiar que lembrava muito um roedor. Estendeu o potinho para V e continuou. – Por quem foi?
- O quê? – Perguntou debilmente, endireitando-se para ficar sentado. Pegou um dos docinhos e apertou entre os dedos, aparentemente achando a consistência muito intrigante.
- Toda vez que um espírito fica bêbado assim, a vovó me dizia que só tem dois motivos: não aceitou a morte ou está apaixonado por alguém vivo. – Jin deixou o potinho entre os dois e encostou-se tranquilamente na grade, olhando as nuvens pesadas que deixavam a tarde escura o bastante para parecer o começo da noite. – Você não está mais vivo há mais de 300 anos e ainda por cima é um Guia. Morte é tranquilo pra você, ao menos é pra ser. – Continuou. – Então só sobra um motivo. – Ele arqueou as sobrancelhas e deu um sorriso torto que fez V cogitar momentaneamente jogar um doce naquele rosto perfeito demais.
- Não importa mais, de todo jeito. – Resmungou em resposta, já levando a garrafa até os lábios, mas foi impedido pelo médico que segurou seu pulso antes que percorresse todo o caminho.
- O efeito do álcool não dura muito em vocês, mas eu vou te parar por aqui, tudo bem? – Sua voz era conciliadora, mas sua mão era firme. Taehyung revirou os olhos e deixou que Jin pegasse a garrafa, sem paciência para lutar por ela. Aproveitou que V não estava prestando atenção e discretamente espalhou pólen de flores de pessegueiro pela garrafa, só para o caso de o ceifeiro tentar pegá-la de volta. Guardou o saquinho de pólen de volta na bolsa rapidamente e deixou a bebida entre os dois com um sorriso inocente.
- Você não devia estar salvando vidas? – Começou Taehyung, arrancando pedaços pequenos do doce de gelatina sem prestar muita atenção. – O que faz aqui em cima com alguém que tira vidas? – Seu tom era seco e o sorriso que veio depois era cansado e um tanto debochado.
- Aigoo, tão sombrio, meu deus – Jin riu, desconsiderando o tom do rapaz. – Acabou meu turno e eu vim checar como você estava antes de ir. Mas então, é o de cabelo preto, né? Aquele com insuficiência cardíaca e arritmia? Taemin ou algo assim... Yumin? Jimin! Isso, Jimin. Soube que houve uma falha no CDI dele esses dias. Ah, foi bem tenso, verdade. Mas as enfermeiras estavam comemorando que ele conseguiu um doador, então acho que... Espera. – Ele parou ao perceber o que acabara de dizer. Levou uma mão à boca e estava de olhos arregalados em genuína surpresa. – Ele podia te ver. Meu deus eu lembrei, ele podia te ver, Namjoon me disse algo assim! Por isso te vi tanto por aqui, achei que você só estava aqui para buscá-lo, mas vocês devem ter conversado muito esse tempo todo e...
- Isso não faz diferença nenhuma. – Cortou V, entredentes, antes que o falatório de Jin continuasse. – Não interessa o que eu sinto por ele, nem o que ele talvez sinta por mim. Não tem como realmente acontecer nada. – Ele falava como se cada palavra doesse. – Eu não pertenço ao mundo dele, depois de hoje vai levar muito tempo até que ele venha para o meu. Pode ser até... – V engoliu em seco, de olhos fechados e sentindo como se todo seu corpo pesasse uma tonelada. – Pode até ser que ele nem lembre mais de mim depois de hoje.
- Então o que ainda faz aqui? – Perguntou Jin, e continuou quando V o olhou sem entender. – Se a situação é essa, por que ainda está aqui em cima enchendo a cara sem necessidade quando poderia estar lá embaixo se despedindo do garoto? Não diga que é por causa dos humanos em volta porque seria pura desculpa, você tem poderes feitos especificamente pra se livrar desse incômodo.
- Eu não estaria ajudando ninguém fazendo isso. – O ceifeiro resmungou, bagunçando o próprio cabelo.
- Ok, você está sendo babaca. – Soltou o médico, visivelmente indignado. – E ainda por cima egoísta, em nenhum momento chegou a pensar no que ele queria. Jimin por acaso te deu um fora, te enxotou depois da última vez que se viram? – O tom irritado de Jin deixou Taehyung desorientado como um garotinho recebendo uma bronca do irmão mais velho, então ele só conseguiu acenar negativamente em resposta. – Foi o que eu achei. A Hyewon-ahjumma vai auxiliar na cirurgia dele e pelo que ela me disse, – Ele olhou checou o relógio. – já devem estar no pré-operatório. Daegu não fica longe, não demorou pra transferir o doador pra cá.
- O que você quer que eu faça? – Perguntou fracamente. Olhou desamparado para o médico, esperando.
- Faça o que você quer, simples assim. Ninguém precisa de mais um cara sem atitude no mundo, seja em qual deles for. – Jin soou um tanto ressentido, mas Taehyung preferiu não perguntar o motivo. Em vez disso, apenas alcançou a garrafa de soju, mas recuou sua mão logo que a tocou como se tivesse levado um choque e soltou um palavrão.
- Pólen de pessegueiro? Sério? – Reclamou ele, mostrando os dedos com as pontas avermelhadas do contato com a substância. Jin deu um sorriso de desculpas e deu de ombros, como quem não estivesse nada arrependido do que fizera.
- Só saia daqui, Taehyung-ssi. – Disse, colocando a bolsa no ombro e se levantando. Estendeu a mão para o ceifeiro e dessa vez ele aceitou. – Não faça Jimin esperar demais. – V observou o jovem médico por um momento antes de suspirar e sumir antes mesmo de terminar de levantar. Jin deu um sorriso um tanto melancólico e pôs as mãos nos bolsos, observando o horizonte urbano coberto de nuvens carregando a neve que provavelmente cairia mais tarde.
“Não faça Jimin esperar demais, porque é cansativo”, completou para si mesmo. Checou o relógio outra vez e andou até as escadas, já passava da hora de pegar seu trem. “Eu com certeza estou cansado”, com a mão na maçaneta, riu sozinho da situação toda. “Você tem muito o que aprender com esse Guia, Namjoon”.
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Singularity
FanfictionNão havia o que questionar sobre o que fazia, alguém precisava fazer. Não havia o que reclamar, nem o que aproveitar também. O equilíbrio do mundo precisava ser mantido, tudo que nasce um dia tem que morrer e o trabalho de V era guiar as almas pelo...