Jimin estava tão sereno quanto da última vez que o viu. Estava deitado de lado, virado para a porta, encolhido com uma das mãos sob o travesseiro e outra segurando um celular com fones de ouvido conectados a ele. Um dos fones havia escorregado da orelha do garoto durante a noite e estava caído na curva do pescoço. A música estava alta o bastante para que Taehyung percebesse que ainda estava tocando, mesmo da porta.
Contornou a cama e andou até a janela sem fazer barulho. Mal passava das quatro da manhã, não queria correr o risco de acordá-lo como da outra vez. O vento que entrava pela fresta estava frio demais, talvez fosse por isso que Jimin estava encolhido, então resolveu fechá-la. Ele não contava que a janela estivesse tão emperrada, então colocou um pouco mais de força do que deveria e acabou fazendo-a bater com um som alto demais para toda aquela quietude. Taehyung fez uma careta e praguejou, virando-se para ver se o garoto havia acordado.
Se deparou com Jimin apoiado sobre os cotovelos olhando para ele com um ar de surpresa entretida. O ceifeiro, sem saber muito o que fazer, deu um sorriso de desculpas e acenou desajeitadamente.
- Então você finalmente resolveu entrar. – Começou Jimin, com aquele olhar indecifrável e sorrindo do jeito que vinha tirando a concentração do ceifeiro há dias. – Seus horários de visita ainda são estranhos, mas só por você ter vindo eu não vou reclamar.
- Desculpe. – Foi o que Taehyung conseguiu dizer.
- Por invadir meu quarto e depois me ignorar por uma semana ou por invadir meu quarto de novo e me acordar? – O tom de Jimin era irônico e uma de suas sobrancelhas estava arqueada. Ele se virou completamente para Taehyung e ficou numa pose que tanto podia ser relaxada quanto desafiadora, com a cabeça apoiada em uma das mãos e tamborilando os dedos no colchão.
- Acho que esse pedido de desculpas abrange mais do que eu pensei – Brincou o ceifeiro, coçando a nuca. Foi até a cadeira de antes e sentou, ficando quase na altura do rosto de Jimin, já que a cama era alta. Tirou o cachecol e deixou no encosto da cadeira, também tirou o sobretudo, mas o deixou no colo.
- Eu fico muito entediado aqui, sabe. Você vem, me dá o que fazer e depois me deixa? Tão cruel, Taehyung-ssi – Jimin disse, estalando a língua de modo dramático logo depois.
- Eu quis vir, acredite. – Taehyung respondeu, mas sem olhar para o garoto.
- Depois de te ver rondando meu quarto por uns 3 dias seguidos, eu acredito. – Seu tom era brincalhão, mas quando o ceifeiro ergueu o olhar para encontrar o de Jimin, percebeu que ele o observava intensamente.
- O que você estava ouvindo? – Perguntou Taehyung, não muito discretamente fugindo do olhar de Jimin e apontando para o celular.
- Alguém quase quebrando minha janela. – Retrucou Jimin, mas fez um gesto com a mão descartando a resposta do ceifeiro antes que ele pudesse falar e pegou o fone caído na cama. – Era um arranjo que meu amigo mandou. – Jimin trocou o lado do fone que estava usando e ofereceu o outro para Taehyung. – Escuta.
O ceifeiro ficou surpreso com a oferta súbita, mas se aproximou e pegou o fone mesmo assim. O garoto pôs a música do começo. Taehyung fechou os olhos enquanto a batida começava. Música era uma das coisas do mundo dos vivos que o ceifeiro mais gostava, vira pelo menos dois séculos de evolução dessa arte e para ele só ficava melhor. Achava incrível que hoje em dia tivesse tantas opções dela para ouvir.
A que escutava agora tinha uma introdução que juntava guitarra elétrica e piano, logo depois abria-se uma sequência que o ceifeiro chutava que fosse um baixo ou uma bateria, mas poderia muito bem ser algum equipamento da música atual que ele não conhecia bem. Era tão simples, só que possuía um ritmo tão certo que era de tirar o fôlego. Uma pausa rápida veio para no segundo seguinte a batida do início ser retomada junto do piano, agora em notas graves. Taehyung respirou fundo quando os instrumentos de sopro começaram.
Aquilo era bastante para absorver. A música durou pouco mais de 3 minutos e era bem constante, porém envolvente. O espaço entre as notas o faziam sempre esperar por mais, quase como uma necessidade física. Sentia como se sua respiração e batimentos estivessem em sincronia com a música. Não pôde deixar de ficar decepcionado quando acabou. Abriu os olhos e não ficou surpreso ao encontrar os de Jimin observando-o com expectativa.
- E aí? – Perguntou ele, inclinando-se para mais perto, esperando.
- Foi bem... – Taehyung procurava a palavra, mas não sabia bem como expressar. – Intenso?
- É sexy, né? – Jimin estreitou os olhos e sorriu de um jeito que deixou o ceifeiro nervoso. – Pode dizer, eu também achei.
- Dá pra chamar assim. – Ponderou o ceifeiro, tamborilando os dedos no joelho.
- Mas? – Jimin instigou. – Tem um “mas” aí, desembucha.
- Essas pausas... Licença. – Começou, pegando o celular de Jimin e voltando a faixa para uma parte específica. – Aqui. Pode ser, hã, “sexy” que nem você diz, mas isso é só porque te faz querer mais desse... Disso, seja qual for o sentimento te que a música quer passar. – Taehyung devolveu o celular e deu de ombros. – Acho que depende muito de quem for dar voz pra isso. - Jimin assentiu solenemente com uma sobrancelha arqueada, parecia satisfeito com o que ouvira.
- Ah, Taehyung-ssi... Já te disse que meu coração não pode acelerar assim do nada. – Disse o garoto, pegando o ceifeiro desprevenido ao estender a mão para tirar o fone de seu ouvido. Sua mão se demorou um pouco ao roçar os fios prateados e a pele morena do ceifeiro antes de seus dedos finalmente pegarem o fone de volta e se afastarem. Taehyung não se moveu. – Você está dificultando minha vida, e olha que ela nem é tão longa.
O ceifeiro baixou o olhar e coçou a nuca, desconcertado com aquele comentário súbito. Por mais que Jimin parecesse relaxado com aquilo, ainda era desconcertante a naturalidade com que ele falava daquele assunto, era quase como se...
- Desculpe, desculpe, não quis te deixar desconfortável – Disse Jimin, rindo brevemente enquanto colocava o celular e os fones do lado do travesseiro. Deitou com a cabeça apoiada no antebraço, ainda virado para Taehyung, e assumiu uma expressão pensativa. – Mas eu sei da minha situação. Por mais que todo mundo evite dizer, eu sei. – Sua voz estava baixa e ele mexia num fio solto do cobertor distraidamente. – Não é como se fosse a primeira vez que eu ficasse mal assim, mas é a primeira vez que os meninos veem isso.
Ao ouvir aquilo, o ceifeiro soube. Analisou o rosto de Jimin por um instante e suspirou. A tranquilidade daquele rapaz à beira da morte realmente significava o que ele pensou.
- Eu ainda não conhecia nenhum deles quando aconteceu, é normal que eles não saibam o que fazer. – Continuou ele, dando de ombros de modo desajeitado por estar deitado. – Minha infância foi tranquila, mas ser o adolescente cheio de energia que eu fui com o coração que eu tenho não era nada seguro. – Jimin deu um sorriso nostálgico. – Ninguém achou que eu fosse sobreviver na primeira recaída. Eu era bem novo, tinha uns 15 anos, então acho que isso ajudou a dar certo, mas teve uma dose bem grande de sorte também. Os médicos conseguiram fazer um “quebra galho” no meu coração. Depois disso foi um booom tempo de remédios e nada de exageros. Estava dando certo, até que – ele fez um gesto indicando o quarto – não deu mais.
Taehyung assentiu, compreensivo, mas não soube o que dizer. Imaginava que fosse algo daquele gênero, só não esperava que Jimin fosse contá-lo tão abertamente. Parecia pessoal demais.
- Não me olhe assim, Taehyung-ssi. Eu vivi bem, garanto. As histórias que eu te contei não foram prova o bastante? – Jimin sorriu de modo malicioso e o ceifeiro foi incapaz de não sorrir de volta. – Posso até não ser capaz de fazer tudo que eu fazia antes, mas ainda tenho alguma coisa. Ainda posso cantar, curtir uma boa música, fazer os outros rirem, aproveitar a companhia de garotos bonitos... – Seu olhar foi significativo ao falar a última frase, e Taehyung sentiu o rosto esquentar, porém mais uma vez não conseguiu evitar sorrir. – Tudo isso ser tão breve deixa mais bonito e me dá mais vontade de apreciar direito.
- Justo. – Comentou o ceifeiro. Pela segunda vez, fez o que menos esperaria de si mesmo e se inclinou para frente até descansar os braços na cama, um sobre o outro, e apoiou o queixo neles. Alguns centímetros a mais e estaria tocando a mão de Jimin que mexia no cobertor, mas não se afastou. Ele também não.
Por um momento, tudo que se ouvia no quarto era o ruído das máquinas e a respiração dos dois garotos analisando silenciosamente um ao outro. Taehyung não podia tocar a mente de um humano vivo, mas sentiu que agora compreendia Jimin como se o tivesse feito. De repente tudo sobre ele parecia fluir em sua direção apenas por ele permitir que o observasse daquele jeito. Também sentia-se exposto diante daqueles olhos pequenos e curiosos, mas aquilo não o incomodava em nada.
- Você tem mais músicas? – Taehyung disse, baixo, quebrando o silêncio. A resposta de Jimin veio através do riso e do toque na orelha do ceifeiro ao colocar o fone em seu ouvido mais uma vez.
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Singularity
FanfictionNão havia o que questionar sobre o que fazia, alguém precisava fazer. Não havia o que reclamar, nem o que aproveitar também. O equilíbrio do mundo precisava ser mantido, tudo que nasce um dia tem que morrer e o trabalho de V era guiar as almas pelo...