Save Me

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Os bipes constantes da máquina de monitoramento cardíaco eram sons que já estava tão habituado a ouvir que às vezes até esquecia deles. O cheiro limpo demais dos quartos e as cores claras demais daquele cenário comum e até entediante nunca pareceram grande coisa. Os Outros passavam ou surgiam ao longo do corredor, tudo como deveria ser. Mas Taehyung estava tão tenso que parecia a primeira vez que via qualquer uma dessas cenas.

Estava em Daegu com RM, especificamente na “Unidade de Traumatologia e Emergência de Daegu”. Por algum motivo, sentiu-se na obrigação de acompanhá-lo naquele trabalho. RM não se opôs e então chegaram juntos ao quarto de Song Haseung por volta das 4 da manhã. A cirurgia havia acabado algumas horas antes e sua família fora contatada, mas ainda não estavam lá. Taehyung temia por esse momento bem mais do que gostaria de admitir. Nunca gostou muito dessa parte, mas ultimamente era a que menos queria presenciar.

O médico que tratara Haseung era um homem de meia idade de aparência simples. Ele ia e vinha pelo quarto, às vezes sozinho, às vezes junto de um enfermeiro, mas sempre presente. Não parou quieto nem após horas na sala de operação, mesmo quando parecia tão cansado. Estava monitorando em busca de mudanças no estado de seu paciente, mas sua expressão desapontada e seu ar experiente diziam bem o que ele pensava e os dois ceifeiros sabiam.

Taehyung conhecia aquela expressão muito bem. Não precisava tocar a mente daquele humano para saber que ele tentava formular o melhor meio de contar à família daquele rapaz que ele não acordaria. Também sabia que ele estava ciente que não existia tal meio. 

A mãe dele está aqui”, ouviu de Namjoon. Taehyung apenas assentiu, também percebera a presença dela no hospital. Viu o ceifeiro mais velho coçar a nuca e suspirar com o cenho franzido. “Talvez demore mais do que eu pensei”, disse ele, pouco antes de uma mulher em seus 40 anos com um uniforme azul sob um pesado casaco da polícia adentrar o quarto rapidamente. Seu cabelo estava preso num rabo de cavalo bagunçado que demonstrava sua pressa e ela não usava um quepe.

- O que houve com ele? – Perguntou ela para o médico, com a respiração ofegante e a voz falhada pela preocupação. – Quando ele vai acordar?

- A senhora é a mãe do garoto, certo? Por favor, me acompanhe, explicarei tudo. Há algo que precisamos discutir. – Pediu o médico educadamente, indicando as cadeiras que haviam no corredor fora do quarto. A mulher hesitou por um momento, olhando para o filho repousando na cama com uma expressão dolorosa. O médico a tocou de leve no ombro e ela assentiu fracamente antes de se deixar ser guiada para fora.

RM observou a expressão pensativa de Taehyung com um olhar difícil de ler. Alguns minutos se passaram até que a mãe voltasse para o quarto junto do médico. Ela cobria a boca com uma das mãos para amenizar os soluços do choro sofrido em que se encontrava. Quando ela pegou a mão enfaixada do filho e se ajoelhou ao lado da cama, V sentiu que não devia ficar ali por muito mais tempo.

Estava prestes a sair do quarto quando RM o segurou pela manga do sobretudo para impedi-lo. Quando voltou-se para perguntar o que ele pretendia com aquilo, encontrou um olhar de repreensão que não esperava. “Você fez a mesma coisa no início, sabia?”, ouviu em sua mente. “Não sou eu que vou te impedir de sair, mas se quis entrar nessa, encare tudo”, continuou ele, e o soltou. 

- Eu sei. – Respondeu V, em voz alta, incomodado por deixar sua mente aberta no caos que ela estava. Namjoon deu um meio sorriso entretido e pigarreou levemente.

- Sem querer ofender, mas isso tudo aí – Começou ele, gesticulando para a cabeça de Taehyung. – é bem barulhento. Você pensa alto demais e rápido demais, não te ouvir mal chega a ser uma opção.

V sentiu seu rosto esquentar imediatamente, então encostou-se na parede, cruzou os braços e ficou encarando o chão com uma cara emburrada que Namjoon achou bem engraçada, mas teve que se conter para não rir. Não era momento para aquilo e o lamento da mãe em luto deixava isso bem claro. Levou algum tempo até que ela se acalmasse o bastante para pegar o celular e ligar para a filha mais velha.

- Oh, Hari-ah? – Ela disse, depois de respirar devagar e profundamente, para controlar sua voz. A voz no outro lado da linha soava sonolenta e um tanto impaciente quando respondeu, mas apenas aquele resquício de voz foi o suficiente para que a aura do desligamento de Haseung fizesse sua primeira aparição. Era trêmula e vacilante como a luz de uma vela.

- Ele já está...? – Começou Taehyung, soando um tanto surpreso, mas Namjoon já acenava negativamente antes que ele terminasse a pergunta.

- Ele está tentando acordar. – Explicou. – Seu corpo não reage e seu espírito ainda não sabe a diferença entre levantar com o corpo e levantar sozinho. Claro que o espírito só vai sair quando for o momento certo, mas até lá essas oscilações acontecerem é normal.

- Ah – Taehyung arqueou as sobrancelhas e evitou o olhar de RM, coçando a nuca enquanto em sua memória vinha o momento com Jimin no dia anterior. Talvez tivesse se precipitado um pouco, mas como ele saberia a diferença? Um desligamento era um desligamento, sempre fora algo bem definitivo para ele.

- A irmã vai chegar de manhã, ela não está em Daegu. – Disse RM, desencostando da parede e já andando para a saída. – Não temos o que fazer aqui até que decidam se vão desligá-lo ou doar seus órgãos antes. – V o seguiu sem dizer nada e de cabeça baixa, então foi pego de surpresa quando passou pela porta e saiu num cenário totalmente diferente do corredor do hospital onde esperava sair.

Olhou em volta várias vezes, completamente confuso e girando no lugar, tentando descobrir em que momento usara o deslocamento e como havia feito aquilo sem perceber. O riso de Namjoon veio de algum lugar acima dele, então parou e o procurou. Encontrou-o no andar de cima, acenando de forma presunçosa apoiado na grade de metal preta que servia de guarda-corpo. Ele fez um gesto indicando a escada helicoidal de ferro que levava até onde ele estava e sumiu da vista de Taehyung.

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