Mandona

Prólogo

Vou te contar a minha história.
Boa parte dela eu só sei porque li nos diários da minha mãe biológica.

Minha mãe, Emma Simons, conheceu meu pai quando estava no último ano do ensino médio. Ela era uma boa garota de família. Filha de pais professores, ela era muito amada por eles. Emma Simons era puro amor e isso eu nunca esqueci.

Mas meu pai não era.

Athos Tillman não era uma boa pessoa. Era um homem mesquinho e propício a vícios. Vícios que não demoraram muito a puxá-lo para o fundo do poço.Só é uma pena que ele tenha puxado minha mãe junto.

Meus avós tentaram argumentar mas isso só causava brigas e brigas. Eles não ganhavam muito mas o que tinham repartiram com minha mãe. Mas Athos gastava tudo com drogas e bebida.

Minha mãe engravidou e meus avós tentaram nos tirar da casa minúscula e miserável em que morávamos. Mas minha mãe se recusou a ir. Disse que eles estavam apenas tentando separar ela do seu grande amor.

Ele roubava o dinheiro que ela ganhava dos pais para comprar drogas e ela continuava acreditando que ele a amava!
Tudo era perdoado com um "Eu te amo" . Mas foi por causa dele que eu nasci prematura e desnutrida. Pois mamãe não tinha comida suficiente para nós manter.

Mamãe escreveu que eu era bem pequenininha e respirava com dificuldade mas que era a coisa mais linda do mundo para ela.

Fiquei três meses no hospital.
Me recuperei graças a uma mulher que minha mãe chamou de Luz.

Luz havia acabado de sofrer um aborto espontâneo mas havia muito leite em seus seios. Ao contrário da minha mãe.
Luz me nutriu no hospital por 3 meses e depois disso mamãe passou a me levar a casa dela para ela me amamentar e para pegar leite para mim.

Mamãe escreveu que me colocava para dormir em um travesseiro dentro de uma bacia enquanto ela lavava roupas para uma família de gente rica para ganhar dinheiro.

Ela me amava muito. Mas Athos não.

Ele tinha ciúmes. Dizia que eu estava roubando ela dele.
Mas mamãe me protegia.  Mamãe sempre me protegia.
E isso só o deixava mais furioso.

E assim foram meus primeiros 4 anos de vida.

Certo dia eu estava comendo biscoitos com leite e assistindo desenhos animados na TV antiga que mamãe ganhou de um vizinho e ele chegou muito nervoso. 

Nunca vou me esquecer desse dia.

Mamãe havia me ensinado a ficar bem quietinha quando ele chegasse em casa para que ele não se irritasse comigo. E foi o que eu fiz. 

Baixei o volume da tv como mamãe me ensinou e fiquei bem quietinha.

Ele procurou dinheiro na lata de biscoitos de natal em que mamãe guardava o dinheiro que ganhava lavando roupas desde que meus avós haviam morrido. E como não eram ricos não deixaram nada além de livros para ela.

Mas não havia mais dinheiro ali dentro. Mamãe havia usado tudo para pagar as contas de luz e de água e usou o que restou para comprar comida para nós.

Ele me olhou e me viu comendo.

- Onde conseguiu isso? - ele me perguntou aos gritos.

- Athos? - mamãe chama do quintal.

- Mamã compô pa mim. - respondo baixinho tremendo de medo que ele me batesse como de costume.

E eu estava certa.

Ele me acertou um tapa e eu caí no chão.

- É tudo culpa sua! - ele gritou e mamãe veio ao meu socorro.

- Pare, Athos! - ela pedia e me protegeu com seu corpo.

Então ele lhe bateu também. Mas ela não desistiu.

Mamãe estava muito magra mas mesmo assim se mantia firme. Ele bateu nela com mais força e seu peso despencou sobre mim. E ele parou de bater na gente.

E tudo ficou em silêncio e ela caiu de lado.

- Mamã? - a chamei sem entender porque ela ficou assim.

- Linda. - mamãe diz e sorri para mim antes da luz em seus olhos se apagarem.

- Emma? - Athos a chama assustado e a sacode mas ela não responde.

Ele se levantou aos tropeços e fugiu.

- Mamã! - a chamo chorando mas ela não se mexe.

Mamãe está sangrando e eu saio para a rua chorando e pedindo ajuda. Meus pés estão descalços contra o chão frio e eu tropeço e esbarro nas pessoas muitas vezes. Muitas pessoas não me ouvem ou enxergam. Elas só me dão moedas e continuam andando.

Moedas não podem mais ajudar a minha mãe.

E então um homem enorme e forte como um urso me viu.
Ele se abaixou na minha frente e segurou a minha mãos.

- O que aconteceu, pequena? - me perguntou com um sorriso.

- Mamã. - respondi chorando - Mi mamã.

- Onde a sua "mamã" está? - ele me perguntou enxugando as minhas lágrimas.

- Casa. - respondi e ele me pediu que mostre onde é.

Lhe mostrei onde mamãe está e ele cuidou de tudo.

Ligou para a polícia e pediu para os policiais para que deixassem ele me levar para a casa dele.

- Eu vou cuidar de você. - ele me disse e me levou para uma casa enorme com piscina e um jardim cheio de flores.

Esse homem era James Romero.

Ele me levou até a cozinha da casa e disse a uma mulher gentil que me desse um bom banho e comida. 

- Você fica aqui enquanto eu cuido da sua mamã? - ele me perguntou e eu disse sim.

Infelizmente minha mãe não sobreviveu ao ferimento e James Romero cuidou de tudo novamente.
Até mesmo de me dar a notícia.

- Oi, pequena. - ele me disse na mesma noite entrando no quarto em que a mulher gentil me pôs para dormir.

- Oi. - falei ansiosa.

Queria ver minha mãe.

Ele me pôs no colo e me abraçou forte.

- Pequena, eu sinto muito. - ele me disse - Sua mamã está no céu agora e não pode mais vir te buscar.

Chorei uma noite inteira sem parar depois disso mas ele não saiu do meu lado.

- Vai ficar tudo bem. - ele me dizia mas eu sabia que não.

Eu teria que viver sozinha com Athos agora e eu nunca mais veria o rosto da minha mãe.

- Athos vai bater. - eu dizia chorando - Mamã, aqui! - pedia mas ela não vinha.

Eu só tinha silêncio em resposta. E doeu tanto... tanto
que foi quase impossível de aguentar. E isso foi o resultado do amor da minha mãe por Athos Tillman. 

Desde então eu me tornei uma criança fria que não baixava a cabeça para ninguém.

James me adotou e me deu uma nova mamãe, um irmão mais velho e um lar. Mas acima de tudo ele me deu um pai. Um pai capaz de me amar com minha amargura e frieza. Pois ele sabia que eu ergui esses muros para me proteger.