Planos

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Olivia respirou fundo. Lara pegou lenços em uma pequena caixa na mesa de Jenny e temendo pelo pior ficou perto de Olivia, que tocou atrás da orelha do cadáver. Sentiu suas pernas falharem ao sentir o sinal de nascença da amiga e foi amparada pela delegada, que a impediu de cair. A delegada marejou os olhos ao ouvir o grito desesperado da jovem médica.

Jenny saiu quase correndo e voltou com um copo descartável com água.

— É ela! É ela! — repetiu desolada nos braços de Lara que recebeu a água.

Jenny limpou o próprio rosto e mencionou colocar o lençol no corpo novamente e viu um aceno de Olivia a impedindo. Tomou a água e devolveu o copo. Limpou o rosto e mencionou voltar para perto do corpo.

— É melhor, não. Você está bem abalada.

— Estou bem, Lara, obrigada. — avisou acariciando a mão em decomposição da amiga morta. — Ela merece paz. Aquela desgraçada fez isso com a minha amiga, Lara. Ela acabou com todos os sonhos dela. — disse soluçando. — Preciso me despedir, da pior maneira, mas preciso.

Jenny pediu licença e as deixou sozinhas. Olivia engoliu saliva e recebeu mais lenços das mãos de Lara. A jovem tocou no corpo e o levantou, sentindo sua rigidez e temperatura abaixo de zero.

— Nossa tatuagem ainda tá aqui! Fizemos na primeira vez que ela retornou ao Brasil depois de passar anos na Suíça. — disse com um sorriso perdido entre lágrimas. — A gente se amava tanto.

Lara limpou o próprio rosto tentando disfarçar que chorava. Olivia tocou no rosto da amiga, já não era mais o belo rosto que conhecia desde a infância, mas sabia que era ela ali.

— Eu descobri a má formação do crânio dela quando tínhamos seis anos de idade. Eu disse que ela era um ET, ela ficou muito chateada e fez a tia Ana Maria levá-la a um médico para "arrumar". Era só uma pequena protuberância atrás da orelha. Depois de exames, descobriram que não valia a pena operar e serrar o osso e tia Ana sofreu alguns anos para que ela não a deixasse louca por causa disso. — Deixou as lágrimas fluírem enquanto acariciava aquele rosto deformado.

Via o rosto da amiga ali, perfeito como sempre foi.

— Ela disse que queria casar comigo. Eu seria o melhor pai do mundo para os filhos dela... — Soluçou. — Nós brincávamos de boneca, eu a ensinava a cuidar. "você nem parece homem, Mateus!" ela disse uma vez e gritou de felicidade quando eu disse que meu nome era Olivia. Eu já me sentia assim... depois ela perguntou se podíamos casar.

Lara a observava em silêncio. Estava sem palavras.

— O sonho dela era formar uma família. Foi tirada de perto de mim por causa da minha natureza. O pai dela, sempre ausente, se fez presente para interferir em sua educação, enviando-a para longe da própria mãe e de mim. Ele temia que nos casássemos mesmo. Eu sofri muito, mas ela sofreu bem mais. Era carente, sonhava em ser amada, em ter filhos, uma família grande, gostava do contato humano. Me fez guardar material para ter um filho meu mesmo depois da minha cirurgia. Disse que estava apaixonada e me xingou toda quando eu disse que precisava dar um susto nesse André para poder aprovar o relacionamento. Depois de anos longe, eu a vi feliz de verdade. Os olhos dela estavam diferentes.

O belo rosto de Alana voltou a ser o horrível em decomposição, Olivia soluçou de novo e baixou a cabeça segurando a mão da amiga.

— Aquela miserável acabou com tudo, Lara. Com todos os sonhos, todos os planos, toda esperança de ter a vida dela como sempre quis. O fim da solidão que ela sentia por estar longe. Essa mulher merece o pior.

Alana estava ao seu lado em lágrimas. Não tinha mais aquela aparência assustadora que usava para tentar justiça. Deu um abraço forte na amiga, que chorava sobre seu corpo.

— Ela vai pagar, Olivia. Tenha certeza disso. Vamos coletar material para exame de DNA para formalizar a denúncia. Se você quiser eu converso com a dona Ana Maria. Você está muito abalada, não sei se será bom para vocês duas.

— Se puder ir comigo, te agradeço. Mas eu quero conversar com ela.

Ana Maria estava na cama no quarto de hotel quando ouviu a voz da filha entrando batendo levemente à porta como sempre fez.

— Mãe...

— Ah, minha filha... — disse aliviada e saiu da cama indo em direção à jovem e a abraçou com força. — Que saudade, meu amor! Me desculpa por ter deixado você ir sozinha.

— Tudo bem, mãezinha. Como você está? — perguntou tocando no rosto abatido da mulher.

— Ah, filha, andei meio deprimida. Sentindo sua falta. Você não me respondia. Até me assustei quando a delegada me procurou, achei que houvesse acontecido algo com você.

— Desculpa. Eu devia ter aceitado seu conselho, mãe. Avião é mais seguro. Sua companhia seria muito importante também.

— Deu tudo certo, meu amor. Às vezes eu exagero, mas é só porque morro de medo de perder você, sei que não resistiria se algo te acontecesse. — Acariciou o rosto da filha.

— Eu sei, mãe... — tinha os olhos marejados.

— Eu sinto tanto por não ter brigado por você, filha. Me perdoa por ter sido tão fraca e deixado o seu pai decidir sua vida daquele jeito. Eu sofri demais com sua distância.

— Eu também sofri, mas foi bom pra mim. Agora eu entendo seus motivos. Eu não queria fazer igual, mãe. Eu planejava ter meus filhos e mantê-los perto de mim, com quem me amasse principalmente, mas eu não consegui... — sua voz falhou e Ana Maria viu o pranto da filha.

A mulher apenas abraçou a filha com força e deixou que ela desabafasse em seu ombro.

— Você ainda será muito feliz, minha filha. Eu tenho fé que sim. Se não for agora será depois, mas será. Você é maravilhosa, merece.

— A minha ânsia de realizar todos os planos que eu tinha me fez cegar para o mundo real, mãe. Não fiz por mal. Eu nunca usei os serviços da psicóloga da faculdade porque achava que não tinha problema nenhum, era ótima. Mas eu tinha, o pior deles.

— Não diga isso.

— Seja forte, você precisa viver. Pensar em você e deixar sentimentos desprezados para trás.

— Com você comigo, eu vou voltar a viver, filha.

— Eu preciso ir, mãe. E você não pode vir comigo. Seja forte, por mim e por você também. Abra os olhos e veja o que o mundo ainda tem de bom. Você consegue. — avisou se largando dos braços da mulher e se distanciando.

— Ah, filha, você acabou de chegar.

— Seja forte!

AlanaOnde histórias criam vida. Descubra agora