Evocando Espíritos

135 26 80
                                    



Inácia se virou para olhar para André, sorrindo.

— Minha mãe nunca me deixaria fazer tatuagem de verdade.

Mesmo desconfiado, ele beijou suas costas. Viu uma cicatriz pouco acima da nádega esquerda. Algo que também não conhecia. Lembrava bem de conhecer cada centímetro do corpo da amada, mas inebriado com as 'mudanças' dela não se ateve aos detalhes que eram importantes.

Ela resolveu apelar, pois notou que ele não 'engoliu' aquela desculpa. O que ele faria? Era algo praticamente impossível, pois ela e Alana eram idênticas. Poderiam ter sido separadas no nascimento, mas isso seria algo que jamais saberia.

Ela saiu da cama e pegou uma garrafa de vinho no frigobar, serviu duas taças e levou para o empresário, que a observava.

Como é possível alguém mudar tanto? — pensou e degustou aquela bebida, que tomou conta de toda a sua boca lhe trazendo lembranças da pré-adolescência quando tomou vinho pela primeira vez.

  †  

André sempre foi um menino curioso e ativo. Via seu pai tomar vinho sempre à noite e sempre longe dele. Até que aos onze anos aproveitou que ficou sozinho em casa e pegou uma garrafa do vinho preferido de seu pai.

— Richard, vem pra cá. Peguei uma garrafa de vinho do meu pai.

— Você é louco, seu pai te mata.

— Vem logo ou vou tomar sozinho.

Richard chegou lá com mais dois amigos de André, que os esperava. Os quatro meninos ficaram no quarto. O sorriso no rosto do filho de Arnaldo denunciou o quão havia gostado daquela experiência. A acidez da bebida tomou conta de suas papilas gustativas e terminações nervosas da boca. Até descer quente pela garganta deixando apenas o gosto levemente adocicado na língua.

Os quatro garotos ficaram embriagados naquela noite, aquele foi apenas o primeiro passo para que o pequeno André iniciasse sua vida de consumidor de álcool.

Aos treze anos experimentou uísque. Foi quando saiu pela primeira vez com os amigos. Mesmo com horário certo para voltar para casa ele fazia de tudo enquanto podia e numa dessas suas aventuras juntou-se a um grupo que adorava o sobrenatural.

Um tanto cético, ele entrou na roda do jogo do copo achando que se tratava apenas de uma brincadeira. Mas na primeira noite teve pesadelos horríveis.

Ester, chamou o amigo para jogar o tabuleiro ouija, pois ele alegou não acreditar nos copos mexendo.

Que droga! Tomara que esse ouija não seja como aquela porcaria de jogo de copo. — pensou cheio de medo.

André tentou inventar desculpas para não ir, mas acabou indo, seus amigos o queriam ali junto com eles. Richard liderou a turma e construiu o tabuleiro. Chamou todos para uma cabana na floresta – casebre que fora usado por pescadores.

Colocaram uma vela no meio da mesa e começaram o jogo.

— Qual é o seu nome? — Richard indagou evocando o espírito.

André suava de nervosismo, tentou sair dali quando houve a resposta.

Otto

Ester sorriu ao ver o amigo passando mal de medo.

— Calma, é só uma brincadeira. Com certeza foi o Richard quem puxou o ponteiro.

Acreditando naquilo, André respirou fundo e permaneceu lá.

Depois de quase uma hora importunando o sobrenatural, todos se despediram e deixaram a cabana. Ester entrelaçou o braço no de André e foram caminhando pelo atalho que fizeram até chegar à estrada.

Depois de uma ventania forte, Otto surgiu ali, pois queria atenção. Os demais membros do grupo correram gritando. André pensou em fazer o mesmo, mas viu Ester paralisada. A lua cheia no céu fez com o jovem filho de Arnaldo visse uma espécie de fumaça atingir o abdome da amiga, que já caiu sem vida no chão.

— Socorro! Ajuda aqui. — gritou para os amigos que já estava na estrada.

André pegou a amiga no colo e a levou até a saída do matagal. Seu medo lhe deu uma força fora do comum para não deixar a amiga no meio da floresta.

Depois de pedir ajuda, Ester foi levada para o hospital. André entrou em pânico quando soube que a amiga havia morrido ainda na floresta. Ataque cardíaco.

Arnaldo precisou levar o filho para fazer tratamentos psicólogos por um tempo. Até que o jovem superou aquilo.

Três anos após a morte de Ester, Richard voltou a usar o tabuleiro. André se recusou a acompanhá-lo.

Outra morte aconteceu, e Richard destruiu o tabuleiro, porém não teve mais um segundo de paz em sua vida.

André encontrou no vinho a fuga que precisava para lidar com aquilo.

E agora estava ali na segunda taça enquanto Inácia dançava para ele, que se ajeitou na cama ao se dar conta do que ela estava fazendo.

— Vou fazer algo que você nunca mais vai esquecer!

E foi a partir daquele dia que André esqueceu totalmente os detalhes que diferenciavam a Alana real daquela sósia.

O empresário acordou no quarto de um hospital. Abriu os olhos e os fechou, a claridade daquele lugar o fez não enxergar nada. Ao ver alguém ali, piscou várias vezes para se acostumar com aquela luz branca.

— Oi... — balbuciou e chamou a atenção de uma enfermeira, que estava trocando uns acessos.

Recobrando a total consciência, André sentiu o corpo inteiro doendo.

A enfermeira chamou um médico, que entrou logo depois.

— Senhor André?

— Sim. O que aconteceu?

— O senhor foi encontrado muito machucado na garagem de um prédio em Holambra.

— Como assim? Onde estou? — indagou já em pânico, pois tentou se mexer e notou que estava com as duas pernas engessadas e parte do abdome também.

— Você está em São Paulo!                             

AlanaOnde histórias criam vida. Descubra agora