Capítulo 13

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Encontrei naquela sala uma Gabi diferente de todas as versões dela que eu já havia conhecido. Não fisicamente, pois continuava a mesma menina que eu conheci, a mesma por quem eu me apaixonei, e me apaixono todas as vezes que vejo. Mas algo nela havia mudado. Ela me olhou intensamente, e senti meu corpo tremer por um instante antes de nos abraçarmos. Fechei os olhos e respirei fundo, sentindo seu cheiro adocicado invadindo minhas narinas, florindo tudo que estava cinza dentro de mim. Ela chorava, mas não um choro desesperado: era um choro diferente, de como que se soubesse que no fim, as coisas sempre ficarão bem.

- Senti a sua falta! – disse durante o abraço, com a boca encostada em meu ouvido. A voz podia enganar, mas a segurança, a firmeza nas palavras, mostrava que não era mais uma menina que estava ali, falando comigo.

Ajudei-a a resolver as questões relacionadas ao sepultamento da dona Olga, sentindo meu peito doer: tudo me remetia a minha mãe.

Ela estava estranhamente tranquila. Calma. Serena. Chorosa, sim, claro. Mas algo nela transmitia paz. Como ela diria, uma energia boa emanava dela, e quase chegava a me contagiar. Quase, porque dentro de mim, meus pensamentos me atormentavam como demônios, traçando mil e uma possibilidades sobre quem seríamos a partir dali. Perguntou, meio sem graça, sobre o Lucas, e contei a ela sobre a dona Teresa. Ela sorriu.

- Quero vê-lo. Estou com saudades.

Levaria um tempo até que o corpo de dona Olga estivesse pronto para ser velado. Sugeri que Gabi fosse até a nossa casa e tomasse um banho quente, talvez houvesse dentro dela sentimentos que precisassem sair através das lágrimas. Fomos, cada um em seu carro, e minhas pernas estavam tão trêmulas que não sei como conseguia dirigir. Entramos, silenciosos no elevador, e esbocei um sorriso ao lembrar do quanto a Gabi detestava a sensação de estar presa ali. Olhei para o espelho a sua procura: aquela Gabi não temia elevadores. Passamos pela porta ainda em silêncio, quando a Gabi o interrompeu, pedindo licença para entrar. Isso queria dizer que ela considerava que aquela já não era sua casa.

- Fique a vontade. – foi só o que consegui responder.

Ela passou pelo pequeno corredor ao lado da sala de jantar. Entrou no nosso quarto, abriu seu lado do armário e pegou a primeira peça de roupa que viu pela frente: um vestido azul marinho, o mesmo que tantas e tantas vezes peguei para sentir seu cheiro. Se encaminhava para o banheiro quando passou pelo quarto do Lucas. Praticamente intocável, como quando ela saiu, já que mal usávamos o berço. Pegou uma toalhinha, acariciou entre os dedos e a levou a frente do rosto, sentindo o cheiro do Lucas como eu sentia o dela, em suas roupas.

Esperei que seu banho fosse demorado, mas não. Foi rápido, e quando saiu, não tinha o ar de quem havia desabado.

- Sua vez de tomar banho. Acho que está precisando mais que eu. – disse me olhando como se eu fosse um livro fechado, no qual ela abriu e leu. Ela me conhecia. Não havia o que disfarçar.

Saímos antes das 19h, e eu sabia que aquela seria uma noite longa. A Gabi estava abatida, claro, mas incrivelmente centrada. Acariciava os cabelos da mãe, tocava em suas mãos, e dizia ao seu ouvido coisas que eu não conseguia ouvir. Respirava fundo próximo a seu pescoço como se fosse a última chance de gravar o cheiro da mãe, mas em vão o fazia porque ali, estava só um corpo. Uma carcaça daquilo que realmente, se é. Agradecia a cada uma das amigas de dona Olga que estavam ali naquele momento e depois contava, entre algumas lágrimas, como aconteceu.

- A clínica me ligou dizendo que seria necessária uma internação porque ela estava com infecção urinária. Acompanhei ela no hospital, e em poucos dias a infecção se espalhou.

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