Capítulo 23

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Covarde como sou, apenas esperei que ela tomasse alguma atitude. Se ela me ignorasse, eu faria o mesmo, ainda que meu desejo fosse tomá-la em meus braços e beijá-la. A Gabi não tinha orgulho nela. Esboçou um sorriso cordial e veio até mim.
- Oi, Eduardo. – ela disse, ficando sem palavras logo em seguida. -  Quanto tempo.
- É, tem um tempo. – eu respondi, tentando esconder minhas mãos trêmulas no bolso. – e aí, tudo bem?
Péssima escolha de palavras.
- Sim. – ela respondeu fazendo uma pausa. - E com você?
Apenas balancei a cabeça positivamente, desviando o olhar com medo de chorar. Ela percebeu.
- Então tá. – outro sorriso cordeal. – Até.
A acompanhei com os olhos enquanto ela se dirigia a fila. O cheiro do seu perfume doce empesteando ao ar. Depois de todo este tempo, ainda era ela quem fazia meu coração bater mais forte. Não me atentei ao que ela estava vestindo, mas lembro que usava salto alto. Os cabelos curtos deixavam aparecer sua nuca conforme ela abaixou a cabeça para pegar um produto já próximo ao caixa. Peguei uns comprimidos para a Donna e segui a Gabi, ficando atrás dela na fila só pra sentir um pouco mais o seu cheiro. E quem me dera sentir a maciez ou a temperatura da sua pele.
- Próximo! – gritou a atendente.
Ela se dirigiu até o caixa, e pagou com cartão. Enquanto isso, eu pagava minha conta com outra atendente.
- 12,60. – ela disse me fazendo desviar o olhar da Gabi. Peguei o dinheiro na carteira e paguei, enquanto  via meu grande amor saindo pela porta, sem ao menos olhar para trás. Ignorei o troco e a notinha, e fui atrás da Gabi.
- Ei! – gritei instintivamente, sem saber o que falar depois disso. Ela olhou, e disse a primeira coisa que me veio a mente. – Podíamos marcar para conversar um dia desses. – completei certo de que a resposta seria não.
- Amanhã às 19h?
- É, sim! – respondi meio assustado com a velocidade de seu raciocínio.
- No House’s Bar?
- Certo! – respondi me lembrando de que este era o restaurante em que comemoramos seu último aniversário.
- Combinado! Até.
Fui para casa confuso. Sem saber se isso era um encontro. Seria um recomeço ou oportunidade de lavar roupa suja? Sem conseguir digerir o que aconteceu, se estava feliz ou triste, toquei a campainha da dona Teresa. A Donna me atendeu, com carinha de dor. Me beijou, e depois me abraçou forte. E agora? Eu teria que contar? Havia algo a se contar?
- Obrigada por cuidar de mim! – ela disse.
Apenas sorri. Ela me chamou para entrar, me ofereceu pizza e contou que a dona Teresa havia ido para um certo evento com a turma com que ela fazia caminhadas.
Sentamos no sofá. Ela me olhou, e riu.
- É ela, né?
Sorri de volta.
- É!
- Eu sabia, Eduardo! Qual é?
- Donna, não aconteceu nada. Desculpe! Marcamos um encontro. Mas se você quiser eu...
- Eduardo, para! Você é dela. Ela é sua. Só vive!
Abracei-a, carinhosamente.
- Obrigado, Donna.
- Mas e aí, como foi isso?
Contei a ela toda história. Detalhe por detalhe. Desde o momento em que a vi, até a hora em que ela entrou no carro prata e foi embora. Contei todas as minhas dúvidas, meus medos e preocupações.
- Eduardo, vai. Para de ser cagão Edu. Vai com tudo. Faz o que você acha que é o certo. – ela disse colocando sua mão sobre a minha. Olhei pra ela, sem saber se era hora de rir ou chorar. – Não me olha desse jeito ein!? Que agora já é hora de te devolver pra essa Gabriela.
Ri. A abracei, certo de que a amizade permaneceria. Agradeci e nos despedimos.
Quando cheguei em casa, me olhei no espelho, estranhando o que vi. Não parecia, nem era o Eduardo de tempos atrás. Não só pela barba comprida e os olhos de quem já passou muitas noites sem dormir. No fim das contas, não era só a Gabi que tinha uma nova versão.
O dia seguinte passou rápido, e eu tinha muitas coisas a fazer, principalmente com relação a empresa do Antônio. A noite chegava com uma brisa fria, embora o clima estivesse ameno. Vesti uma camisa jeans e a calça preta que há tanto tempo atrás a dona Olga havia feito a barra. Nunca me preocupei com o que vestia, mas naquele dia queria parecer apresentável, até porque a Gabi estava linda. Tive que procurar um cinto para apertar as calças que estava usando, pois estavam largas demais. Passei um perfume que a Gabi havia me dado (e que não usava a tempos porque ele me fazia lembrar dela) e saí.
Desci na estação de metrô, me questionando se estava certo em chegar com as mãos abanando. Poderia ter levado o anel. Mesmo que ela nunca aceitasse se casar comigo, aquele anel pertencia a ela. E se não fosse dela, não seria de mais ninguém.
Besteira. Aquilo não era um encontro.
Mas talvez, uma rosa. Uma só.
Passei numa floricultura próximo ao bar, e pedi uma rosa. Paguei e saí. Incrível mesmo é como rosas sempre me fazem pensar em minha mãe. Talvez por isso, desisti. Vi uma senhora andando com dificuldade se apoiando numa bengala e chamei:
- Senhora?!
Ela olhou assustada. Me aproximei e entreguei-lhe a rosa.
- É para a Senhora! – concluí sorrindo gentilmente.
Ela agradeceu com os olhos, retribuindo meu sorriso, ainda sem palavras. Eu, segui.
Entrei no bar, e ainda continuava o mesmo. O cheiro e as luzes do lugar me faziam sentir certo ar de nostalgia. Apesar de cheio, a mesa em que eu e a Gabi costumávamos sentar estava vazia. Sentei-me, e quando o garçom veio, pedi uma água. Agora me restava esperar.
Não fazia frio, mas eu sentia meu maxilar tremer levemente. Minha barriga doía, e eu não sabia se era por estar comendo besteira por esses dias ou de nervoso. A cada minuto ficava mais tenso, e minhas mãos agora começavam a suar. Olhei o relógio: 19h01. Algo começou a me dizer que ela não vinha. Mas eu continuava a esperar. A cada mulher que via entrar no bar, meu coração disparava. Olhava pela janela, tentando encontrá-la na escuridão daquela noite iluminada pelos faróis. Olhava ao redor do bar, procurando por ela. Cada minuto era como se perdesse um pouco de mim e tinha esperanças de vê-la sentar a minha frente pedindo desculpas pelo atraso. As 22h desisti. Ela não viria, e eu queria chorar. Senti vergonha quando paguei a água e percebi o olhar de pena do garçom dirigido a mim. Iria chorar, mas não ali. Fui pra casa, ansioso pelo meu banho quente. Cheguei molhado pela chuva que desatou a cair.
Mal havia tirado a roupa, quando ouvi batidas na porta. Enrolei uma toalha na cintura e vi a Donna através do olho mágico.
- Oi Edu! Foi mal pela hora! Achei que fosse chegar mais tarde, e tive medo de que não conseguisse me despedir. Acho que sua campainha esta quebrada, apertei, mas não está tocando...Mas e aí, como foi?
- Despedir?! Você vai embora?
- Um amigo disse que um pessoal que já viajou com ele vai sair de Minas Gerais para o Chile depois de amanhã! Vou amanhã bem cedo, que aí dá tempo de conhecer Minas um pouco.
- Mas como assim? Você vai sozinha? E seu pé?
Ela levantou a perna ainda engessada, e disse, sorrindo:
- Meu pé vai doer estando aqui, parada, ou por aí, fazendo o que eu amo. No caminho, sara. E eu já tô é cansada de andar sozinha.
Eu sorri. Aquela era a menina mais louca e teimosa que eu já havia conhecido. Foi com ela que aprendi a viver mais o hoje sem a preocupação do amanhã. Sentiria saudade daquela pessoa que apareceu no momento certo com as palavras e exemplos certos. Ela sorria e falava empolgada, com o sotaque mais carregado que nunca, como quem encontrou o grande amor da sua vida.
- Mas e aí... – ela continuou. – Você não contou como foi com a sua Gabriela. Que cara é essa?
- Só o choque de saber que você vai embora...
A Donna lia as pessoas. Se ela não tivesse tão empolgada com a própria viagem, teria percebido que nada saiu como eu esperava.
- Mas deu tudo certo! – eu completei, disfarçando um sorriso. – Mas vou te poupar dos detalhes.  -disse piscando, fingindo um sorriso maior ainda.
- Eu sabia! Eduardo, tudo sempre dá certo no fim. Se não deu, é porque o fim ainda não chegou. Que brega eu fui, né?
Ri, sabendo no fundo que sentiria sua falta.
-É. Obrigado Donnatela. Por tudo, tudo mesmo.
- Eu é que agradeço, Edu.  Desejo a você toda sorte do mundo com seu novo começo. E quando for viajar, me avisa pra nos encontrarmos por aí.
- E quando vier ao Brasil, não se esqueça de passar por aqui!
- Não me esquecerei. Quero conhecer a sua Gabriela.
- Vai conhecer!
Nos abraçamos intensamente. Dissemos mais coisas legais um para o outro, e ela se foi,  juntar suas poucas coisas e sair pelo mundo. Sem apegos. Por um minuto, quis ser assim. Me passou pela cabeça chamá-la e pedir pra ir junto. Mas minha sina era viver aqui.
Voltei ao banheiro, tirei a toalha e entrei no box, sentindo a água fervendo cair sobre mim. Minha vontade era chorar como uma criança esquecida na escola. Mas não chorei. Um misto de tristeza e raiva fazia meu sangue borbulhar, e decidi que não seria isso, um fora, que iria estragar meu processo. Amanhã eu iria me levantar.
Talvez fosse melhor assim. Tóxicos demais para ficar juntos. Cada um para o seu lado, vivendo sua vida, e dane-se os laços.
Me troquei ainda no banheiro, e saí secando os cabelos com a toalha, em direção ao corredor. Quando olhei em direção a sala, meu coração quase parou: a Gabriela estava sentada no meu sofá.

Gente, a história está na reta final! Diz aí o que vocês acham que vai acontecer,  e não esquecece a minha estrelinha! 💙

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