Capítulo 1

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"Já experimentou escrever sobre o que aconteceu?"

Esta foi a sugestão do terapeuta, após inúmeras sessões em que eu, ainda que com o coração inundado, não consegui deixar transbordar uma gota do que sentia. Algumas coisas devastam a gente. Você idealiza, faz planos, traça metas, trabalha e se vê levando a vida que sempre sonhou. Com muitas metas a conquistar, é obvio, mas ainda assim, vivendo uma boa vida. Como dizem, a vida é uma caixinha de surpresas. E eu, nunca gostei de surpresas.

Esta poderia ser uma história qualquer, qualquer um dos romances que eu era acostumado a ler na minha adolescência. Um suspense, talvez, de Agatha Christie, Sidney Sheldon. Claro que eu, o cara de exatas, nunca escreveria uma história tão bem, e comparar-me aos célebres escritores seja muita prepotência de minha parte. Acontece que, a falta do hábito da leitura limitou-me a conhecer poucos escritores para aqui citar. Falta-me também o hábito da escrita, então perdoem-me se eu sair do foco ou me expressar de maneira confusa. A escrita é um projeto novo que só estou encarando porque os sentimentos precisam escorrer por algum lugar, e que seja aqui, em palavras e não em forma de lágrimas num lugar lotado. Interessante como nos livros sempre torcemos para que a verdade seja revelada ao final. Na vida, quando você é o personagem, nem sempre a verdade é a melhor saída. Às vezes, viver a mentira, a ilusão, é a melhor maneira para se continuar vivendo. Poderia ser uma história qualquer. Mas é a minha.

Eduardo Dias Almeida.

Talvez, antes de descrever o que aconteceu para fazer do antigo Eduardo, que já não era lá essas coisas, o que eu me tornei, seja necessário voltar lá atrás, e lembrar da criança que eu fui. Talvez, desde esta época meu destino estivesse traçado. Quem, no passado, iria imaginar que o futuro me seria tão ingrato?

Sonhador, criativo, curioso. Estranho como quando crianças, não fazemos ideia do que haveremos de ser. Mil sonhos. A vontade se ser, ao mesmo tempo, bom e mau. Astronauta, super-herói, cavaleiro, lutador, piloto, cientista. Fui um menino um pouco "avoado", como dizia minha mãe. Indeciso, desorganizado, confuso. Um aluno mediano, desde sempre, bom em matemática, ruim com as palavras. Tranquilo até que pisassem no meu pé. De tudo que eu já quis ser, o que mais queria era ser cientista, o que chega a ser clichê, pois acho que toda criança já quis ser cientista um dia. Talvez porque desde crianças, enquanto humanos sentimos a necessidade de saber o motivo das coisas. Até hoje, procuro explicações.

Minha mãe, trabalhava num supermercado pequeno, do bairro em que morávamos. Não sei se faz diferença dizer ou não, mas éramos pobres. Não miseráveis, tínhamos o que comer e vestir, mas éramos pobres. O salário que minha mãe recebia era pouco, mas com ele, sustentou sozinha a si mesma, a mim e a minha irmã. Isso custou muito do seu tempo e energia, pois muitas vezes, não conseguíamos nos encontrar em casa, já que ela trabalhava o máximo que podia pra dar conta das despesas. Sempre se orgulhou de dizer que nunca precisou de homem nenhum que a sustentasse. Meu pai, um bêbado que eu só conheço de vista, na época em que moravam juntos, levantou a mão para minha mãe uma vez só: ela, em sua defesa, virou nele a leiteira que fervia a água para fazer o café. As cicatrizes ele leva até hoje, espalhadas pelo braço direito. No mesmo momento, saiu de casa para pegar suas roupas que minha mãe jogava pela janela. Nunca mais voltou. "Ficou com medo!" – Dizia minha mãe, dona Rosa, toda vez que contava, orgulhosa, esta história. Assim, minha mãe sozinha ficou, com um Eduardo que mamava no peito e uma Amanda que acabava de sair das fraldas.

Amanda era minha irmã, a minha Mana. Desde cedo, muito estudiosa e organizada, era a criança promissora da família. Falava em fazer faculdade que ganhasse bastante dinheiro para minha mãe descansar e que assim, pudéssemos usufruir de pequenos prazeres, como viajar. Nunca tínhamos saído da nossa cidadezinha do interior, que não fosse pra ir em médico na cidade vizinha. E naquela menina, na minha Mana, existia o sonho de conhecer o mundão afora. Prêmios de melhor aluna da sala, melhor redação, medalhinhas disso e daquilo. Post-its, livros grifados com marca texto, anotações a lápis ao lado de cada parágrafo, com aquela letrinha tão redonda e delicada que parecia ser feita em máquina. Eu, apesar de não ser assim tão ruim, perto dela virava o irmão traste, e eu nem ligava para as comparações. Eu era bom, mas ela, excelente. A Mana era falante, alegre. Eu, era uma sombra dela, desde cedo com minhas crises existenciais, minha melancolia, minha falta de amigos. Um outro fato sobre a Mana é que, além de melhor amiga, ela era a melhor irmã mais velha que alguém poderia ter. Preocupada em saber se eu estava me alimentando bem, como iam os estudos, se minhas roupas estavam limpas e, sempre que ia sair, me dava bronca pela camiseta amassada:

-De onde saiu esta camiseta? De dentro de uma garrafa? – Dizia com um tom mandão, a certinha.

- Não enche Mana, eu passei esta camiseta.

E pedia que eu tirasse, para que ela passasse direito.

- Eu é que não vou deixar você sair desse jeito! – Dizia, meio arrogante e meio sorrindo, colocando o cabo do ferro de passar na tomada.

Aos 17 anos, as vésperas de concluir o ensino médio no colégio particular na qual conseguiu bolsa, já aprovada no vestibular de uma faculdade federal para o curso de direito, um susto: assim, sem mais nem menos, nos ligam do hospital. Amanda teve um bebê.

Que tipo de irmão eu fui para não ter percebido que por nove meses, a Mana carregava um bebê? Como não olhei pra ela, como não perguntei se estava bem, ou mesmo não percebi que, toda manhã enquanto ela fazia o café forte que tanto gosto, ela só faltava pôr os bofes para fora?

- É importante que a apoiem e tenham um relacionamento amigável com ela. A gravidez e o nascimento de uma criança mexem profundamente com o psicológico de uma mulher, e é preciso que haja um ambiente acolhedor para que...

Enquanto o médico falava, minha mãe não ouvia mais nada. Apenas pensava onde foi que ela errou, para que assim, sem mais nem menos, virasse avó. O que mais doía era que a filha nem a tinha contado sobre a gravidez. Sempre tentou ser tão acessível, tão amiga... Pena que o trabalho tirou dela a chance se se fazer mais presente, de se fazer mais mãe.

- Podemos vê-la? – eu disse, interrompendo tanto a fala do médico quanto os pensamentos da minha mãe.

- Sim. Esperem aqui, vou avisá-la que irão entrar e já volto.

Abracei a minha mãe, tão assustado quanto ela, com o queixo em sua cabeça, sentindo o cheiro daquele seu shampoo barato, com cheiro de erva doce, ou sei lá que planta. Engraçado, esse cheiro nunca saiu da minha memória. Já aconteceu de eu estar fazendo coisas aleatórias e o cheiro vir, não sei de onde, pra me fazer fechar os olhos, respirar profundamente e lembrar de uma época em que era feliz sem saber. Em menos de um minuto o médico fez o sinal para que entrássemos.

Ao nos ver, Amanda sorriu, deitada na maca com os olhos marejados.

- Desculpa. - disse deixando escorrer a primeira de muitas lágrimas.

- Você sabia filha? Por que não contou? – disse minha mãe depois de beijá-la e colocar delicadamente as mãos sobre a cabeça da neta, ainda desacreditando do que havia acontecido, e de como de uma hora para outra fosse promovida a avó.

- Eu não podia, mãe! Não podia! Sei o quanto confiava em mim, o quanto contava comigo! O que foi que eu fiz!? – chorando descontroladamente, o medo era nítido no olhar da minha Mana.

Eu, olhava a situação como se não estivesse ali. Estiquei o pescoço para ver o pacotinho já nos braços da minha mãe: minha sobrinha era linda!

- Amanda, calma. Criança a gente cuida. – era minha mãe quem dizia, disfarçando sua decepção. – Criança é sempre uma benção, e a gente cria. E você toca sua vida.

- E o pai? – eu perguntei, sem ter pensado que aquela criança tinha um pai, até aquele momento.

- O pai ainda não sabe. – disse Amanda, enxugando os olhos inchados com um papel, tentando se recompor. – Mas é um rapaz com boa família, vai assumir.

O que a Amanda não sabia é que o pai da minha sobrinha, que ela chamou de Sophia, era um bosta. Duvidou dela, pediu um exame de DNA que não chegou a ser realizado porque o pai foi preso. Tráfico de drogas. A Amanda, pelo que parece, tinha um péssimo dedo para escolher o amor, e foi se apaixonar por um playboyzinho do colégio particular, no qual ela era bolsista, que era viciado. Nossa decepção, minha e da dona Rosa, só foi maior quando a Amanda também foi presa, 4 meses depois, por tentar entrar com drogas na cadeia, quando ia visitá-lo.

Mas esta não é a história da Amanda, nem da minha mãe. É a minha. Vamos voltar ao foco. 

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