Capítulo 24

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Dei um pulo, involuntário, quando a  vi.
- Que susto! – disse com a respiração ainda ofegante.
- Desculpa, Eduardo. Precisava conversar com você ainda hoje. Não tenho seu número de telefone, e não queria incomodar a dona Teresa essa hora para pedir. Sua campainha, ela esta...
- Quebrada, eu sei. Meu número continua o mesmo.
- Eu apaguei dos meus contatos.
- Mas a chave você ainda tem, né? – disse, com o tom firme, as palavras características de quando eu falo sem pensar. - O que você quer?
- Senta um pouquinho. Vamos conversar.
Me sentei. Percebi e tentei ignorar que a Gabi estava tremendo, com a roupa e os cabelos molhados pela chuva torrencial que caía lá fora. Ela começou, com o maldito tom doce na voz.
- Dú. Eu fui lá.
Ia tomar fôlego para falar, mas ela me interrompeu com um gesto, abrindo sua mão direita em minha direção.
- Calma. Me deixa falar tudo, depois você fala.
Assenti.
- Eduardo, eu sempre pensei em você. Sempre pensei em como você estava, no que andava fazendo. E principalmente, se havia conseguido superar. Que droga, Dú. Era o nosso filho. O nosso bebê. A melhor coisa que poderia ter vindo de mim.
Ela fechou os olhos, não sei se tentando trazer o rosto do Lucas a sua memória, ou segurando nos olhos as lágrimas que ameaçavam cair.
– Enfim... – ela continuou. – Todos os dias são difíceis. Eu choro todos os dias e acho que não há problema nenhum nisso. Acredito que um dia, pare de doer e apenas as lembranças boas dominem meus pensamentos... Eu fui até lá, Eduardo. Fui e te vi, sentado onde costumávamos nos sentar, no mesmo bar em que éramos acostumados a ir. E aí pensei se era mesmo ali que eu deveria estar. Se valia a pena cutucar um passado que eu nem ao menos está enterrado, que eu nem mesmo consegui deixar de viver. Eu não sabia se estava pronta para te perdoar, Eduardo. E não sabia se você estava pronto para me pedir desculpas.
- Gabi, eu... eu sinto muito. Não queria te acusar daquela forma, o que disse foi tão... tão...
- Esquece o que você disse, Eduardo. Eu sei que quando você esta nervoso fala sem pensar, e que as palavras saem tortas. O que me doeu foi ter de levantar sozinha, dia após dia, completamente só. Foi ter de aceitar por mim mesma que eu jamais ouviria o Lucas ensaiando me chamar de mãe. Foi passar os horários de visitas do hospital prestando atenção na conversa dos outros para tirar da minha mente que eu mesma não tinha visita, especialmente porque eu preferia que a dona Teresa ficasse com você. Eu sei, Eduardo, eu sei que sou covarde. Tentei dar cabo a minha vida outras vezes, mas não tive coragem. E tive medo que você tivesse essa coragem. No fundo, eu esperava que fossemos o porto seguro um do outro. Que tivéssemos, ao menos, o ombro um do outro para chorar. Mas você saiu daquela sala com tanta facilidade...
- Gabi, desculpa. – Eu agora, começava a chorar. – Desculpa Gabi. Eu não poderia ir atrás de você, não tinha coragem de te pedir desculpa. A culpa foi minha Gabi! – disse alterando minha voz embargada e ridiculamente desafinada. – foi eu quem colocou o Lucas naquela cama. Talvez, se ele estivesse no berço...
- Não, Eduardo! Eu também já cansei de me culpar, mas a saída não é essa. Por mil vezes me perguntei se os remédios que tomava não deixaram meu sono pesado a ponto de não ouvir o Lucas sufocar, ou sei lá. Mas não. Ele morreu dormindo, Eduardo. Apenas não acordou. Mas estava com o mesmo rosto doce, sereno. É como uma loteria do azar, e aconteceu com a gente. E agora não há mais nada que possamos fazer.
Eu segurava minha cabeça com as mãos, enquanto apoiava meus cotovelos nos joelhos.
- Eu nunca vou esquecer o Lucas, Gabi. E sempre vou me culpar. Se eu...
- Eu também nunca irei esquece-lo, Dú. – ela esticou seu braço, tomando minha mão entre as suas.  - Mas não adianta a gente se culpar. Vez ou outra me pego pensando nos momentos que perdi, quando fui embora. Pessoas que eu considerava amigas comentavam pelas costas que eu nunca fui mesmo uma boa mãe. Que o que aconteceu foi por descuido meu.
- Que droga, Gabi. Sei que o que aconteceu estava fora do nosso controle, mas ainda assim. Que droga!
- É, Dú. Agora tem algo que ainda esta sob nosso controle.
Virei o rosto olhando-a nos olhos pela primeira vez aquela noite.
- o que?
- A nossa vida. E pra seguir com a minha vida, quero colocar um ponto final nessa mágoa que se criou entre nós. Eu sei que você tá tentando, Dú. Eu sei que você esta indo conversar com o Lucas, porque já fugi de você umas duas vezes no cemitério. Sei que esta encarando as coisas que você quer que se resolva dentro de você. Então amos resolver as coisas entre nós?
- Então você acha que devemos ficar juntos? – perguntei, com o resto de esperança que havia em mim.
- Não é sobre isso que estou falando. Estou falando sobre seguir com nossas vidas independentes do que aconteceu. Juntos ou não, é uma outra história.
- Entendo. -eu disse concordando com a cabeça.
- A verdade é que eu mudei, e você também. Acho que agora seria o momento em que receberíamos a carteira de “adulto”, se ela existisse. Talvez não desse mais certo, ou talvez desse. Você me deu o Lucas, que foi a melhor coisa que já me aconteceu. E nunca gostaria que vivêssemos afastados, porque temos um vínculo eterno, que é o nosso filho. Mas precisamos tocar a nossa vida, juntos ou não. Por isso, quero me perdoar e te perdoar.
- Você esta na ponta do meu fio, Gabi. – disse, encarando-a. ela sorriu.
- Como assim?
- A gente sempre vai estar conectado. O fio pode esticar, embolar, mas nunca se romper. Estamos unidos por laços invisíveis.
- Puxa- ela sorriu mais, apertando os olhos, me fazendo lembrar de como eu amava aquele sorriso. – Tenho certeza que isso não saiu da sua cabeça, né?
- Não. – eu ri, concordando. – Mas é verdade. Não posso te obrigar a ficar comigo. Você me conhece e sabe que não tenho nada a te oferecer, e talvez eu nunca consiga te fazer plenamente feliz, porque também pode ser que eu nunca seja plenamente feliz. Mas com você ao meu lado, eu sempre vou tentar ser e te fazer feliz. Sempre vou tentar fazer dar certo. E se não der, cada um vai pro seu lado. Mas sabendo que temos um ao outro na ponta do fio.
Ela me olhava, pensativa.
- Depois você vai ter que me explicar melhor essa história de fio. – ela sorriu, nervosamente, falando séria logo em seguida:
- Gente nem sabe se dá certo mais, Eduardo. Eu nunca mais vou ser aquela gabi que você conheceu.
- Eu também nunca mais vou ser aquele Eduardo, Gabriela. Mas só vamos saber se ainda dá certo se a gente tentar. E considerando que não tenho família, emprego, nem amigos, não tenho nada a perder. De qualquer forma você é livre.
Ela sorriu. Se levantou, e nos despedimos, apenas com palavras. A vi sair pela porta, certo de que aquele era um adeus. Fui para a sacada para vê-la passar pela última vez. Demorou. Até que a ouvi bater na porta. Teria esquecido algo? Abri a porta. Olhos molhados. Ela me abraçou.
- Eu e a minha mania de me arrepender só das coisas que fiz. – ela disse respirando fundo.
Então, nos beijamos. Lentamente, num ritmo tão sincronizado que parecia uma dança. Coloquei uma mão em sua nuca, enquanto a abraçava pela cintura, como se temesse que ela se virasse e fosse embora. Seu corpo tocando o meu, seu cheiro tão perto e tão real quanto eu jamais imaginara sentir novamente. Eu queria sair do meu corpo só pra ver aquilo de frente e acreditar que estava acontecendo, mas só se saísse e continuasse sentindo o que me invadia. Ali, se foram todos os meus medos, todas as minhas mágoas.  E como num passe de mágica, me sentia completo novamente.
Depois desse dia, não precisei mais escrever.

Alô galera de caubói! Chegou a hora de dar tchau para o Edu e a Gabi! ♡
Próximo capítulo é o epílogo, e eu espero que a história desse casal tenha sido especial para vocês, assim como foi para mim. 
Obrigada pela leitura, um beijo e até a próxima!

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