Capítulo 20

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Era uma manhã de março, e fazia muito calor. A contra gosto, estava indo para minha primeira consulta. Desci do metrô (sim, precisei vender o carro para pagar outtas coisas) e saí numa rua movimentada. Segundo o que a Mana me disse, o consultório ficava a duas quadras dali. Embora ainda não passasse muito das 8h, o sol incomodava meus olhos, talvez por falta de costume, pois passava tempo de mais em casa. Foi então que a vi.
Do outro lado da rua, reconheci a Gabi. Bem diferente de como eu costumava a ver. Saltos altos, um vestido justo na altura dos joelhos e um blazer azul marinho dobrado sobre o braço. Carregava uma bolsa grande, e tinha o mesmo andar confiante da noite de seu aniversário.
Fiquei parado feito um bobo, olhando-a como se seu corpo me puxasse como um imã. Os cabelos estavam curtos e ela estava mais magra do que a última vez que vi. Nada tinha mais de garota, nem uma parte nela. Era, agora, uma mulher.
Entrou num prédio alto de portas de vidro, e vi quando cumprimentou um rapaz com um abraço, e eu daria minha vida para ser aquele cara, e sentir seu perfume mais uma vez. Estariam juntos?  Ela se virou, ainda com o sorriso no rosto. Mas eu conhecia a Gabi, e para mim ela continuava a mesma menina de vidro de sempre. E aqueles olhos, denunciavam que, no fundo, ela estava triste.
Decidi ir até lá. Pediria que me aceitasse de volta. Ou mesmo que não me aceitasse, que me desse o seu perdão. E se isso ainda fosse querer muito, me sentiria satisfeito tendo pelo menos o olhar dela pra mim, nem que fosse por um segundo e pela última vez. Hipnotizado, dei um passo em direção a rua, mas a buzina de um carro me trouxe de volta a realidade. Recuei. Ela não merecia isso. Nunca mereceu me ter ao lado dela, e tentar invadir sua vida de novo, ciente de que não tenho nada a oferecer, é egoísmo. Se o Eduardo de antes nunca serviu, o de hoje servirá muito menos. Observei-a enquanto sumia dentro do prédio, sentindo meu coração arder, como quando jogamos álcool em ferida aberta. E o pior de tudo foi, que naquele momento, percebi que já tinha casado com a alma da Gabi. Que seria impossível ser plenamente feliz sem ela. E que pior que a dona Olga que ficou casada com a alma de alguém que morreu, era estar casado com uma alma que ainda vivia, mas que precisava estar distante. Era uma prova de caráter: eu abria mão de mim, para que ela pudesse ser feliz.
Cheguei atrasado no consultório, mas ainda assim fui atendido. O tal doutor Alessandro conversou comigo, mas além de não conseguir me abrir, menti o tempo todo sobre tudo. Não conseguimos chegar a lugar algum. Assim foram por várias e várias sessões. E não pense que eu continuava indo por que queria me tratar. Ia, porque tinha a esperança de ver a Gabi novamente, mesmo que de longe. Um dia até vi, apressada em direção a saída da estação de metrô enquanto eu ainda estava dentro de um outro trem. Foi o mais próximo que chegamos um do outro.
Por insistência desse tal Doutor Alessandro, comecei a escrever essa história que agora você lê. Isso porque, como uma pedra, era impossível que eu me abrisse com ele, e sendo sincero, a escrita me ajudou. Não resolveu meus problemas, mas é como se tivesse alguém para conversar, como que dialogasse comigo mesmo, sem segredos e sem mentiras.
O tempo foi passando enquanto eu vivia um dia de cada vez. Recebi uma carta de despejo do apartamento, afinal eu não pagava as parcelas há muito tempo. Talvez aquela fosse a hora de eu ir morar na rua, e pra mim estava tudo bem. Ás vezes chegamos a um certo nível em que nada mais importa.
Havia semanas que o Antônio tentava me ligar, mas eu não atendia. O clima havia ficado estranho entre nós desde que eu havia saído da empresa, e eu no fundo o culpava por eu não estar em casa naquela noite fatídica. Um dia, recebi uma mensagem:
“Eduardo, tô aqui na portaria. Tenho um a proposta a te fazer. Desce aqui.”
Fui, sem vontade de encará-lo. Com roupas sujas e chinelos, ele me mediu de cima a baixo, e disse:
- Entra aqui, cara. Vamos beber alguma coisa.
Fui, com um pouco de vergonha de mim. Conversamos superficialmente sobre como estávamos, e chegamos a um bar famoso no centro da cidade. Ele, classudo, usava roupas e sapatos sociais. Quem visse, acharia que ele estava ajudando um mendigo.
- Eduardo, é o seguinte. Estou saindo de lá para abrir meu negócio, cara. Juntei uma grana e vou abrir meu escritório de arquitetura com o Celso.
Já haviamos conversado sobre abrir um negócio juntos. Este acabou sendo um sonho profissional por alguns anos, mas agora não importava mais.  Me sentindo mais fracassado ainda, tive de parabenizá-lo:
- Legal cara, sucesso.
- Valeu Eduardo! Mas eu te chamei porque queremos você com a gente nessa. A gente tinha conversado sobre isso, lembra?
- Eu?!
- É, cara. Ninguém naquela empresa arrumava o financeiro como você. É o que falta: O Celso cuida dos projetos, eu cuido do comercial e você do financeiro.
Me perguntei se eu estava sendo cogitado por profissionalismo ou por pena.
- Desculpa cara, não vai colar. Não tenho dinheiro pra sociedade.
- Cara, pensa bem. É uma oportunidade. Você sabe que eu tenho uma cartela boa de cliente, né?
- Eu sei, cara. Mas não tô podendo.
- Eduardo... você vai se arrepender. Pensa um pouco, cara.
Mas por curiosidade que por interesse, perguntei:
- Precisaria entrar com quanto?
Antônio, discreto, tirou do bolso uma caneta e escreveu um número muito além do que eu tinha num dos guardanapos.
- Não esta bom?
- Esta, cara. Mas não posso.
- Eduardo, vou deixar em aberto. Pensa bem. Ainda temos uns três meses.
Conversamos sobre outras coisas, e em poucos minutos disse que precisava ir para casa, afinal, no dia seguinte seria o casamento da minha irmã. Fiquei sem graça quando ele levantou e pagou a conta sozinho. Ao me deixar em casa, reforçou:
- Vou esperar você me ligar.
Entrei em casa pensando em como aquela era uma boa proposta, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Dormi, preparando-me para o que me aguardaria no dia seguinte.
Enfim, o dia da Mana chegou. Ela estava linda, e eu, orgulhoso. Ela era um daqueles exemplos de pessoas que passam por muitas coisas na vida, mas superam. Vencem.
Entramos, eu e a Mana na igreja. Um misto de emoções me dominava, e eu pensava na minha mãe, com seu cheiro de shampoo barato. Ela ficaria feliz em ver que não se enganou sobre quem era a filha dela. Mesmo com tudo que aconteceu e fingindo ser indiferente, minha mãe sempre soube que ela era boa e que superaria. Em frente ao altar, beijei-lhe a testa e entreguei-lhe ao seu noivo, visivelmente emocionado. Instantes depois a Sophia entrou com as alianças. Sorriu ao ver a mãe realizando um sonho, e lançou um olhar de cumplicidade aquele que agora seria seu pai. A Mana olhou para o Felipe, seu noivo, com um olhar parecido com o que a Gabi olhava para mim. Aí, eu não conseguia mais evitar pensar nela, e a única certeza que tinha era a de que nunca iria me casar, se não fosse com ela.
A cerimonia terminou e inventei uma boa desculpa para não ficar para a festa. Parabenizei o noivo, beijei minha sobrinha e abracei minha irmã, enquanto dizia o quanto estava feliz por ela.
- Eu te amo, Edu. Obrigada.
- Eu tbm te amo, Mana.
- Posso passar na sua casa quando eu voltar de viagem? Precisamos conversar sobre a casa da nossa mãe.
Me perguntei se até a volta da viagem da Mana eu ainda teria casa. Apenas respondi:
- Claro.
Quando cheguei em casa, me deitei no sofá sem ao menos tirar a roupa que estava. Sonhei com a Gabi. Num vestido de noiva.

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