Capítulo 10

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No meu trabalho as coisas não andavam bem. Não esperava que me fizessem uma festa de boas-vindas, mas foi pior do que imaginava. Alguns colegas me parabenizaram pelo nascimento do Lucas, e eu empolgado, queria mostrar fotos e falar dele, de como ele é lindo e do quanto mudou minha vida, mas em pouco tempo percebi que o ambiente não estava propício. Contrataram um estagiário para desatolar o escritório, e haviam muitas pontas soltas a se organizar. Meus chefes não estavam nada felizes com minhas faltas, embora dissessem que estava tudo bem. Eu não sabia nem ousava perguntar se minha promessa de promoção ainda estava de pé. Na verdade, nada importava tanto. O que importava é que agora, eu era um pai.

Tentei ligar para a Amanda. Queria que ela conhecesse o Lucas, e se havia algum momento para voltarmos a ser família, era aquele. Podiam ser primos de verdade, o Lucas e a Sosô correndo por um parque num domingo a tarde qualquer, enquanto olhamos para ambos nos perguntando como algo de tão bom pode nos acontecer. Ela porém, me atendeu rispidamente, disse que estava ocupada e que retornaria a ligação mais tarde. E já fazem semanas. Talvez aquele não fosse o momento.

Agora, ali no trabalho, minha cabeça estava em casa. Levei bronca por mandar relatórios trocados, errei conta, e para piorar, o estagiário com a melhor das intenções, atrapalhava mais que ajudava, sempre me perguntando: "e agora, o que eu faço?". Precisei fazer duas ou três pequenas viagens a trabalho, o que só piorou a situação.

Já dizia minha mãe que o problema mais difícil de ser resolvido é aquele que não é reconhecido como problema. E era o que estava acontecendo com a Gabi. Sem lágrimas. Sem verdade. Sem sentimentos. Um excesso de nada. A Gabi se tornou quem eu era. Pensei e cheguei a conclusão de que talvez, fosse melhor que a dona Olga fosse para uma clínica, um outro lugar em que pudesse ficar até a Gabi se recuperar. Mas eu é que não teria coragem de sugerir uma coisa dessas para a aquela Gabriela. Aquela que não atende minhas ligações durante o dia e me recebe em casa como se eu fosse ninguém.

Um dia, cheguei em casa e vi-a vestida com roupas de sair. Percebi não só que ela havia emagrecido, como também que mentiu pra mim, pois as manchas de leite escorrendo através da camisa branca florida, denunciavam que ela ainda tinha leite, e muito. Disfarçou colocando os braços a frente do corpo quando me viu, e sem muitos rodeios, me sugeriu justamente o que eu não tive coragem de dizer.

- Oi. Saiu hoje?

- Saí. Fui conhecer uma clínica. Queria saber de você... o que você acha de internarmos a minha mãe?

Tá. Aquela parecia a decisão mais acertada para aquele momento. Mas só mostrava o quanto a Gabi estava possuída por algo que não era ela. A Gabi verdadeira pega no meu pé por não ter contato com a minha mãe. A Gabi verdadeira implora pra eu incluir a Mana na minha vida, e pede até pra eu procurar meu pai. A Gabi verdadeira não interna a mãe em clínica. Mas aquela não era a Gabi que eu conhecia.

- Ah, seria bom porque lá ela teria um atendimento mais especializado, né. Durante a noite, quando o Nilza (enfermeira) vai embora, ela acaba ficando sozinha, e por mais que a gente olhe, se acontecer algo mais grave a gente não esta preparado pra socorrer. Mas, por outro lado... será que ela iria se adaptar?

- Como assim?

-Ah, assim... – disse medindo as palavras. – Será que é isso que ela quer?

Me chamem de covarde. Eu sabia que uma internação aquela altura do campeonato era o melhor que poderia acontecer a dona Olga. Mas e quando a Gabi que eu conheço voltasse ao normal? Iria se perdoar por ter despachado a mãe, de quem ela sempre teve total admiração?

- Olha. Não é o que ela quer. E não é o que eu quero. Mas é assim. Né? As coisas acontecem fora daquilo que a gente planeja. Quero que ela vá. Lá tem fisioterapeuta. Fica melhor do que ficar levando ela na cadeira pra lá e pra cá. E aí a gente troca o ar da casa... tá muito carregado. E leva o Lucas de volta pro quarto dele. – o tom de voz era desprezível. E mais uma vez odiei aquela Gabriela.

- Bom. A mãe é sua. Faz o que você quiser.

- Mas eu quero sua ajuda pra tomar essa decisão.

- O que você quer? Que eu fale: "isso, manda sua mãe pra clínica mesmo." Pra que depois, se você se arrepender poder colocar a culpa em mim? Não vou fazer isso. Tome a sua própria decisão.

Naquele fim de semana, dona Olga foi transferida para uma clínica na cidade. A Gabi se despediu dela, dizendo que era o melhor, que não a estava abandonando e que a amava. As lágrimas de dona Olga corriam e molhavam seu rosto, e a Gabi as secava com naturalidade. Também me despedi, e dizendo a ela e a mim mesmo que seria algo temporário. Pra mim, aquilo não parecia certo, e sabia que para a Gabi também não.

A dona Olga criou sozinha a Gabi, durante a vida toda. Fez encomenda de bolo pra muita gente pra pagar a escola particular e os outros gastos que a pensão do pai não cobriria. Sempre teve o que quis, de uma mãe que achava que era sua missão suprir todos os desejos de uma filha mimada. E fazia com gosto. Afinal, era a Gabi, doce, educada, prestativa. Que secava os pratos enquanto ela lavava e conversavam sobre qualquer coisa que as fizessem felizes. Era a menina com o olhar mais meigo e a voz mais suave que conhecia. Era a menina transparente como vidro, que chorava e ria quando sentia vontade, e as vezes fazia as duas coisas ao mesmo tempo. Que ficava vermelha como um pimentão quando ficava nervosa ou com vergonha. A que colocava as prioridades dos outros acima das suas.

- Tá bravo comigo? – ela perguntou.

- Não. Como disse: a mãe é sua.

- É, é minha mesmo, e estou fazendo por ela o que eu acho que é melhor. E acho que estou fazendo mais por ela do que você fez pela sua. É melhor errar tentando fazer a coisa certa, que, fazer nada, como você.

Já disse, e volto a repetir. Ouvir a verdade, dói. E não vou mais falar sobre isso, porque ainda hoje, dói.

Passei quase uma semana sem falar com a Gabi. Ela passou mais de um mês sem falar comigo. Me joguei no trabalho para recuperar o tempo perdido. Quando chegava em casa, ficava com o Lucas quase a noite inteira. Muitas vezes, levava ele para a sala e dormíamos juntos no sofá. Ele, estava cada vez mais lindo. Gordinho, bochechinhas redondas e rosadinhas como um pêssego. E aqueles olhos da mãe. Grandes, redondos, esverdeados. E com a pureza que um dia, os dela também tiveram. Sorte que, por pior que tivesse (porque ela só podia estar fora de si), a Gabriela cuidava bem do Lucas. Sempre quando chegava, estava com fraldas limpas, alimentado e de banho tomado. Ao menos isso. E assim, fugíamos um do outro. Se ela estava na sala, eu ia para o quarto. Se ela entrava no quarto, corria para o quarto do Lucas. Como dois desconhecidos debaixo de um mesmo teto.

Eu cedi. Comecei a perguntar as coisas pra ela, mas não respondia. Conversava com o Lucas e brincava: "a mamãe esta brava com o papai". Ela nem ligava. Até me esforcei pra fazer as pazes por um tempo, mas uma hora a gente também cansa. Ela mal me olhava. Eu não sentia mais raiva, não estava triste com ela. Nem lembrava mais porque começamos com isso. E não imaginava o motivo de ela estar tão chateada comigo.

Durante todo este tempo que passamos sem nos falar, uma coisa me passou várias e várias vezes pela cabeça: aquela seria a hora de cada um seguir seu caminho? E ao mesmo tempo que pensava nisso, me censurava: ela estava doente. Mas então, porque não se trata, se cura? É justo ficar com alguém que nem conheço mais? Mas eu a amo. Ou amava? Se cada um ir para o seu lado, ela é quem vai ficar com o Lucas? A mais remota ideia de que isso acontecesse, me desesperava.

E foi ela, com a maldita mania de ler minhas ideias e dizer o que não tenho coragem, que me surpreendeu um dia quando cheguei do trabalho.

- Eu vou embora.

Gelei. Comecei a suar frio. Senti o ar se comprimir, a garganta apertar e fui tomado por uma enorme vontade de chorar.

Quarta-feira tem mais! <3

Não esquece minha estrelinha, ein!

Laços Invisíveis - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora