Capítulo Primeiro

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Convivência, contubérnio, coexistência, contato. É um meio no qual indivíduos relacionam-se, compartilhando ou não de determinadas posses. Entretanto, existem aquelas que são verbalmente pronunciadas e, se for o caso, divididas, mas que ao mesmo tempo, contradizem sua existência – ainda que coexistindo – com aquelas posses que jamais foram mencionadas.

Os Joestar compartilhavam de seu teto com o jovem Brando, desde o infeliz falecimento de seus pais e parentes próximos. Coexistiam com o rapaz, conviviam com seus aborrecimentos, taciturnidades e seriedades, mantinham um contato – ainda que se restringisse apenas ao visual — com ele. Todavia, logicamente, havia algo ali que não era mútuo. Podia ser a riqueza que o pai do Joestar herdeiro tinha consigo, podia ser até a casa onde permanecia e as terras que possuía pelo país afora. Entretanto, eram coisas do conhecimento de todos, algo que não se podia tirar ou sequer interferir. Havia um acordo em cima disso e não havia desentendimentos.

Conquanto, Jonathan possuía algo interno, oculto, e, talvez, jamais tivesse a coragem de verbalizá-lo.

Eram jovens, o Brando e o Joestar, quando começaram a fazer faculdade. O pouco que Dario Brando deixara para o filho fora suficiente apenas para uma das parcelas da faculdade, mas o senhor Joestar propôs-se a ajudar o rapaz com condições prontamente aceitas por ele. Trabalhavam juntos parte do dia, o loiro ajudava o patriarca com o que precisava, já que seu curso e grande parte dos problemas dele estavam interligados. O jovem Joestar apreciava muito essa interação entre seu pai e o Brando, ainda que, em seu âmago, desejasse ser aquele que externava sua necessidade de ajuda.

— E é desta maneira que seu funcionário ganhará a causa  — Dio finalizava a quinta ajuda daquele dia com uma paciência admirável. George estava velho e, às vezes, cometia vacilos que facilmente tirariam o loiro do sério.

Ainda sim, ele jamais ousaria ser desrespeitoso com aquele que financiava seus estudos e fornecia-lhe bens materiais básicos como teto e comida. Por mais que pudesse se virar sozinho, Dio preferia permanecer no conforto que recebia. Contudo, não esforçava-se para esconder a vontade de ir logo embora. Vontade essa que era divergente com os anseios de Jonathan.

Sempre pegavam-se discutindo sobre partidas, sobre uma independência mais ampla. Dio sempre quis isso e, agora que finalizava direito na faculdade, não se prenderia ali, sob o teto dos Joestar, para sempre. Um dia, os pássaros precisam sair do ninho para voar.

O loiro que ensinava o velho George a solucionar problemas parecia outra pessoa. Todavia, Jonathan sempre encontrava algum empecilho, alguma desculpa boba para que Dio ficasse, ainda que ele fosse marrento, arrogante e muitas das vezes mau humorado.

E esse era apenas um dos fatores que tornava a convivência dos dois quebradiça e débil: as ânsias divergentes.

Desde o amadurecimento completo dos rapazes, as discussões acerca de tal assunto passaram a ser cada vez mais frequentes e poucos eram os momentos de paz. Cansado de tamanha discórdia, o senhor Joestar reuniu ambos num jantar sério e pôs na mesa tudo o que tornava aquele contato tão conturbado.

— Ouçam — começou, sinalizando para que o mordomo se retirasse. — Eu não estou de acordo com toda essa desarmonia entre vocês dois. Dio ensina-me pacientemente cada tese e cada lei que eu já deveria saber e você, Jonathan, sempre ajuda-me no que é vitalmente necessário, com uma tranquilidade naturalmente admirável — franciu o cenho, os olhos azuis faiscando por debaixo das sobrancelhas grisalhas. — Mas nenhum dos dois consegue ficar um minuto que seja em paz, em acordo, em harmonia. O que há entre vocês é algo mal resolvido e não posso permitir que continuem brigando assim sob meu teto.

— Senhor Joestar, tudo isso não passa de desentendimentos momentâneos — quando Dio proferiu-se, recebeu o olhar decepcionado de Jonathan sobre si. Estava mentindo. — Asseguro-lhe que não é meu intuito, quanto menos de Jonathan, que entremos nesse desacordo. Acontece que, às vezes, contrapomo-nos em certos pontos e isso causa uma pequena faísca.

— Pequena faísca esta que é alimentada por teimosia, por relutância que resulta numa enorme fogueira desarmoniosa — Jonathan ergueu a voz, ainda profundamente irritado com o loiro.

— Acabam-me de dizer que brigam por intolerância? Teimosia é infantilidade e essa resistência de um para com o outro dá-se por falta de conversa. Ou vocês se entendam logo ou serão devidamente punidos — George firmou o tom de voz, fazendo com que Jonathan e Dio baixassem as cabeças aceitando a situação. Estavam de fato errados. — Vocês têm uma semana para entrarem num acordo, eu não irei interferir em nada.

Num instante, os rapazes estavam sozinhos na sala de jantar. O ambiente ficara assustadoramente intimidador e as velas da mesa agitavam-se com a respiração visivelmente irritada do Brando.

— Veja só, Jojo, o que fizeste. Aborreceste teu pai e ainda colocou-nos num castigo infantil, onde deve-se fazer as pazes e dar um abraço de desculpas — rosnou, os caninos superiores mostrando-se pela manifestação irritadiça do loiro. — Tudo por conta de seus pedidos ridículos e tentativas mesquinhas de fazer-me ficar aqui — Dio estava claramente nervoso, com as sobrancelhas escuras unidas sobre os olhos. O vermelho de suas íris parecia tão quente quanto a chama das velas. — Qual é seu problema?

— Jamais entenderia meus motivos. Sabes muito bem, Dio, da existência de fatores particulares e íntimos. Não é necessário que eu os exponha aqui, muito menos que fique sabendo — com os olhos igualmente agitados, Jojo lança parte de seu descontentamento ao loiro que reage com ainda mais fervor.

— Ora, que criancice — riu com deboche, recostando-se languidamente na cadeira estofada. — Quer guardar segredinhos agora, Jojo? Ou quer contar -me e eu prometo de dedinho que não direi a ninguém? — tonificou a voz com sarcasmo, falhando apenas em tentar derrubar a calma de Jonathan. — Me poupe. Se estou envolvido no assunto, é evidente que preciso estar ciente do que se trata. Ou agirá com infantilidade e deixará que seu pai resolva os problemas de dois homens criados?

— Já disse que não entenderia, o que nos resta é entrar em um acordo e apaziguar o ambiente. O pai não deveria estar envolvido nas nossas brigas.

— E eu não deveria estar envolvido nos seus segredinhos, nos seus conflitos internos — bufou, levantando-se da mesa. O jantar havia sido mais tenso que o imaginado. — Resolva-se, caso queira discutir como adulto, procura-me amanhã cedo — Dio saiu, deixando para trás um Jojo inconformado e uma cabeça pulsante.

— É claro que não deveria, por que fui deixar que chegasse a tal ponto? — sussurrou, apoiando a cabeça entre as mãos. Seu peito ardia como se tivesse incendiado-o com gasolina e um pequeno fósforo atirado. Pensava se tudo aquilo era uma manifestação de necessidade, um instinto da idade, a chama da juventude, mas pensava também ser apenas o reflexo da fraqueza de sua alma para com certas coisas, para com ele.

Um Gato Pulando A JanelaOnde histórias criam vida. Descubra agora