Capítulo Oitavo

121 25 0
                                    

Enquanto as paredes da casa rangiam com o frio súbito, Jonathan refazia passos cobertos por uma neblina densa. Queria muito fazer o que seu peito mandava, mas ainda havia algo dentro de si que relutava já quase sem forças. Enquanto despreocupava-se com o pai por saber que estaria em boas mãos, passou a intencionar seus olhos azuis para os caprichos que Dio, descuidosamente, deixava por onde ia. Acabou por querer ir ao quarto do pai, na esperança de encontrar algo. Torcia por almas para que não se encontrasse com o loiro no caminho e, felizmente, sua presença foi evitável.

O Brando estava sentado na sala, a ler um velho livro de páginas amareladas. A capa desfazia-se em um negro desbotado, desfalecendo nas mãos esquálidas. Cogitava como seria morrer nos braços de alguém, mas estava tenso demais para dedicar-se a tamanha futilidade. Deixou um último olhar cair sobre os fios loiros e dirigiu-se silenciosamente até o quarto de seu pai. Ainda com resquícios da noite de sono passada, a cama estava em desordem. Na cantoneira, alguns remédios estavam fora de ordem, até em quantidades desproporcionais. Já sobre a escrivaninha, uma bandeja prateada residia com manchas do que parecia ser um chá, mas havia pequenas protuberâncias por entre. Como bolos de algo em pó envolviam-se na água, estavam esses volumes no chá e Jonathan sentiu algo no peito enfurecer-se. Tangenciou o pequeno papel que estava amassado ao lado do copo mal posto e fechou os olhos na intenção de reter-se.

— Dio — murmurou com indignação. Não queria acreditar que aquilo tudo dera-se por ele, mas sim pela idade ou até mesmo alguma irregularidade nos medicamentos. Mas tudo queria apontar para o contrário e apenas uma pessoa podia esclarecer tudo aquilo.

Jojo saiu do quarto com as mãos cerradas e foi até o seu próprio, checando avidamente a existência de um pequeno frasco. Tendo-a, recolheu o papel amassado por dentro de seu paletó e desceu as escadas a bater os pés, irritado. Deu-se com Dio assim que chegou ao primeiro andar e, conseguindo seus olhos carmim nos azuis, indagou com a tranquilidade que costumava ter.

— Viste Mary? Preciso de algo, ando indisposto — disse, simplesmente, e passou a evitar o Brando como se de tudo soubesse.

— Oh, o que tens? Devo ter algo em mãos que ajude-o — falsamente, o céu abriu-se sobre Jojo e esbanjou-lhe um sol ardente. Traiçoeiro.

— Não é nada grave, apenas uma pequena indigestão devido à preocupação com o pai — rebateu, pisando em espinhos secos. Podia até machucar-se, mas saberia esperar pela sua hora. — O que estás a ler?

Os Miseráveis — o loiro ergueu os olhos por cima do livro e fitou Jojo. — Diga-me se não acha que nós, como seres humanos, seríamos tão miseráveis a ponto de fazer tudo pelo que queremos?

— Imagino que sim — ameaçando sentar-se, Jonathan abriu o paletó e puxou as mangas, sem tirar os olhos da acidez dissimulada de Dio. — Pense se ninguém lutasse pelo que queria, ou se deixassem passar oportunidades por não saber esperar. Estariam, sim, condenando-se à miséria de suas almas, de suas existências — insinuante, cobriu-se de cacos, provando da dor de sua própria intolerância até senti-la parte de algo diferente. A cauda do felino agitava-se em preocupação diante da janela, mas a ave negra afiava as garras no próprio vidro esfacelado.

— Dizes sabiamente, Jojo, mas posso discordar — dito isso, o Brando bateu as páginas do livro em um som a abafado de poeira e dirigiu-lhe o mais asqueroso dos olhares, cobertos pela luxúria acarminada de um jardim de príncipes negros. — E se eu disser-lhe que a miséria provém da simples fraqueza humana que cresce como espinhos dentro de si, alimentando-os com ânsias impossíveis e desejos pecaminosos?

— Quem dirá o que é certo ou errado sera o condenador de sua própria miséria, Dio — aspirou sonoramente, já perto demais daquele que tanto embebedava-o de veneno. O céu fechava-se sutilmente e os espinhos arrancavam-lhe sangue dos músculos tensos. O gato sufocava-se vagarosamente, mas, ainda a olhar para o céu, pendia ao lado quieto de seu interior que rogava pela persistência. — Não me respondeste onde está Mary.

— Ah — cambiando-se totalmente, o Brando lançou-se à janela mais próxima e respondeu languidamente enquanto mexia nos príncipes. — Mandei-a fazer as compras, Joey acompanhou-a. Deixou o almoço posto, queres adiantar a refeição comigo?

— Não recusarei — inusitadamente satisfeito por Dio não ter mandado Mary comprar óleo para os lampiões, o interior de Jojo pulsou com a ideia de aproximação. Tudo caminhava em seus conformes, guiando-se cegamente para o abismo de onde atirariam-se.

Caminharam até a cozinha após cruzar novamente com o felino em casa. Ele andava um tanto alheio e amuado, com os pêlos sujos de algo avermelhado. De duas uma, ou entrara numa briga e apanhou, ou dera o golpe em algum pobre coitado. Cambaleava fraco nos próprios passos e, ao olhar para os olhos afiados de Dio, recaiu com os próprios numa tristeza profunda, não maior que a expressada quando sentiu o cheiro avenenado nas mãos de Jonathan. Poderia morrer ali mesmo, mas ainda queria ter esperanças de que os vidos quebrados não passariam de um ato desproposital, falho. Queria acreditar que havia um jeito, mas finais felizes eram relativos.

— Admirável que ainda estejas vivo, peste — Dio esbravejou enquanto preocupava-se em espantar o felino.

— Como?

— Vi-o pular a janela esses dias. Olhou-me com certa pena, seus olhos azuis pareciam ler-me por dentro. Atirou-se da janela como se fosse cair em penas — com as mãos pousadas na cadeira, o Brando ergueu a face para a janela frente a seus olhos. —, mas acabou estatelando-se em uns cacos de vidro, ao que parece.

— Acha que pode ter sido um deslize falho, oriundo daquelas ânsias impossíveis? — entregando-se de bandeja para a própria cólera, o Joestar rebateu, repetindo. — Pensas que ele desejou demais algo que sabia não poder ter ou que pode ter exacerbado as próprias expectativas e ferido-se com elas?

— Vejo que estás cada vez mais questionante — relançou os olhos para o gato, que tentava livrar-se dos próprios ferimentos. Os olhos azuis fitavam Jonathan com decepção, desacreditados da vida. — Mas só ele poderá ditar o caminho para a própria ruína.

Jojo olhou novamente para o felino, encontrando-se com os próprios olhos. Esteve em um momento de choque, mas viu-se em todas as esquinas, em todos os ferimentos, em todas as resistências. Padecia aos poucos com as próprias escolhas, mas cria ser tarde demais para regressar. O gato recaiu-se em suas profundidades, já não mais importando os cortes profundos a cada passo, a cada caco estilhaçado. Tudo estava realmente caminhando para um abismo, mas, enquanto o almoço ameaçava-se desprender, Jonathan agradecia por ser tarde demais.

Um Gato Pulando A JanelaOnde histórias criam vida. Descubra agora