Capítulo Segundo

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Desde que Dio chegara à mansão dos Joestar, Jonathan sentiu-se cercado e ameaçado por uma tempestade. O loiro chovia sua indiferença sobre si, trovejava com sua voz estrondosa e fechava-se a qualquer tentativa de aproximação. Como se não bastasse isso, Jonathan ainda permanecia sob esse céu hostil, buscando alguma brecha entre as nuvens para que pudesse abri-las com garras de ânsia, com uma necessidade desconhecida que nutria até ali. Negava-se a todo custo, a princípio, que era algo íntimo; restringia-se a uma admiração de personalidade, de força e, talvez, de determinação. Mas percebeu que Dio era uma coisa terrível e que ele não cansaria de buscar algo bom ali no meio. Sentia-se como um gato louco que aceita a tempestade só por ainda nutrir a esperança de ver o Sol se abrir.

E lá estava ele, de pé na porta do quarto do Brando. O estômago embrulhava, mas não era fome. Sentia a fúria das aves em seu interior e já não relutava mais na existência delas, somente reprimia sua necessidade de sair. Bateu.

— Já vou — a voz veio de dentro, ondulando bruscamente no ar, deixando suas movimentações nos ouvidos do azulado. Era notório o tom preguiçoso na gravidade da voz do Brando, mas o Joestar permaneceu ali. — Oh, Jojo — logo, a voz tornou-se áspera como a língua de um gato presa no céu da boca. — Entre.

— Com licença — em anos, aquela era uma das poucas vezes em que Jonathan tinha a oportunidade de sentir a atmosfera na qual Dio acomodava-se, sentir o aroma que o loiro deixava por lá quando levantava-se. A cama espaçosa ainda estava em desordem, bem como a respiração de Jojo. Dio acabara de levantar-se, pelo jeito. — Perdoa-me vir tão cedo, espero não o ter acordado.

— Ainda que o tenha feito, imagino que tenha vindo aqui por um motivo a ser tratado — os fios desarrumados do loiro viraram-se para o azulado, juntamente com o par de olhos carmim que insistia em fitá-lo. —, ou estou errado?

— Decerto que não — da pequena greta que Dio acidentalmente deixara aberta na porta, vinha uma brisa ainda mais quente que aquela proveniente da enorme janela aberta. O dia seria abafado.

— Sente-se — praticamente ordenou, arrastando uma cadeira da escrivaninha para que o Joestar pudesse sentar-se. O colchão adaptou-se ao peso que o Brando deixou por ali. Estava de pernas cruzadas, bebericando de um chá gelado da noite passada enquanto observava o desconcertamento de seu visitante. — Então...?

Num sobressalto, Jonathan endireitou a postura na cadeira. Dio deixava-o desnorteado sem sequer saber e aquilo irritava-o de certa forma. Os cabelos da franja, desunidos, davam-no uma aura infinitamente distratora. A camisa branca de gola era um visível traço que mostrava não só que Dio virara a noite estudando, mas mostrava também a profundidade pecaminosa de suas clavículas, unindo-se silenciosamente onde iniciavam-se os movimentos de sobe e desce que o peito fazia. As mangas amassavam-se nos braços, três oitavos, pensou Jonathan antes de ser tirado de seus devaneios.

— Não vai falar nada? Estou a esperar — os olhos espremeram-se maçantemente. Enquanto mexia as pernas, Jonathan notou que a porta aberta dera deixa para uma presença a mais no quarto.

— Com licença — era Mary, com o café. Usualmente, o Brando não se reunia aos Joestar no desjejum; preferia que os familiares tivessem a primeira interação do dia sem interrupções, afinal, ele também repudiava quando as visitas em sua casa tomavam café junto de seus pais. — Trouxe o café, senhor Brando — pausou e, vendo uma presença nova ali, desculpou-se. —  Acabo de voltar do seu quarto, senhor Jonathan, e, não imaginando encontrá-lo por aqui, deixei para trás seu desjejum. Irei buscá-lo.

— Não se preocupe tanto, logo desço para tomar café com o pai — o tom de voz veio um tanto trêmulo, hesitante. Mary assentiu e saiu do quarto, deixando a porta na mesma posição encontrada.

Por instantes, Jojo permaneceu preso em seus interiores enquanto Dio olhava-o de canto.

— Se não irá dizer nada é melhor que volte depois, não quero aborrecimentos logo cedo — emburrado, o Brando bateu a xícara de chá quente na bandeja, fazendo o som ecoar juntamente com o estrondo de sua voz incomodada.

— E eu não quero que continuemos a brigar, Dio — finalmente disse, levantando-se despretensiosamente da cadeira para fitar Dio mais de perto. — Realmente não é de seu interesse o que se passa comigo. Pode até estar certo em aborrecer-se por ser envolvido nisso, mas podemos fingir que não nos afeta?

Era uma proposta tentadora, mas Dio declinava-se a aceitar tudo tão facilmente. Queria de fato era saber o que tanto envolvia-o nos interiores de Jojo, o que tanto fazia-o impedi-lo de sair logo dali. Decidiu-se.

— Eu recuso — em um tom de voz naturalmente seco e ríspido, Dio deu mais um gole do chá. — Se há algo que envolve-me, é justo que eu saiba do que se trata. Ou discorda?

— Eu discordo — Jojo tratou-o na mesma moeda. — É irrelevante para a sua pessoa, acredite, não vai querer saber — arqueou o tronco, sentando-se na ponta oposta da cama, exalando persuasão em suas palavras. Logo, rendeu-se em partes, mas ainda sem baixar a guarda. — Se quiser, prometo de dedinho que vou abandonar as tentativas e pedidos mesquinhos, como você disse, de mantê-lo aqui.

Brando enfureceria-se, mas estaria dando ao Joestar o que ele queria. Tinha duas opções: a primeira era conformar-se com aquele acordo infantil e seguir ignorando fatores talvez relevantes. Poderia ir embora a qualquer momento, sem dar satisfações. A segunda era negar o acordo e continuar falhando em fazer o Joestar falar. As brigas prosseguiriam, certamente. E nenhuma das duas era viável, já que o Brando acabaria permanecendo ou desistindo de partir dali por puro interesse – para satisfação de seu orgulho – em saber o que o azulado escondia. Estava encurralado; das duas formas, não teria o que queria, e restava-lhe escolher aquela que evitaria ao máximo a insistência do Joestar. Estaria, então, de acordo com a proposta e detestava a ideia de ter que baixar a guarda. Mas não deixaria de tentar extrair algo do outro nesse tempo de paz que teriam.

— Não me venha com promessas de dedinho. Homens fazem acordos — vencido, esticou uma das mãos. Jonathan abriu um sorrisinho discreto.

— Então o acordo está fechado, Dio — apertaram as mãos, finalmente. Acabaram por não conversar nada do que realmente pretendiam. Quando estava prestes a sair, Jonathan acabou por pressionar, entre o sapato e o chão, algo firme, mas macio, que produziu um rosnado de dor. — Oh, mas o quê-

Pausou. Um felino completamente branco enroscava-se em suas pernas, ronronando. Dio levantou-se para ver o que tanto distraía Jojo na porta e, ao ver o felino, não se conteve em observá-lo de longe, recuado.

— Detesto tanto quanto cães — disse, simplório enquanto tornava ao interior do quarto, abrindo mais a janela. — Vamos, saia. Preciso trocar-me.

— Palavrinhas mágicas não tem idade para serem usadas, Dio — Jonathan quis abusar só mais um pouco de toda aquela situação, mas recebeu nada menos que um rosnado estressado.

— Faça o favor de sair do meu quarto e leve esse gato para longe daqui — completamente irritadiço, esbravejou, vendo a porta ranger, trancando o felino do lado de dentro. — Maldito Jojo.

Olhou o gato por instantes, antes de começar a trocar-se. Repudiava os felinos por serem manipuladores e interesseiros, bem como ele era quando queria algo. Sentia-se acorrentado pelo acordo com Jonathan, o que fê-lo sentir uma raiva ainda maior pela liberdade do pobre gato. Todavia, teria que amansar os próprios sensos se quisesse ficar longe de problemas e, acima de tudo, se quisesse ganhar a confiança de Jojo para usá-la de meio de extração de informações.

Podia dizer que estava sendo tão infantil quanto Jonathan, mas ainda deixava que o orgulho permanecesse alto, bem como a vista que o felino intruso tinha da janela de seu quarto.

Um Gato Pulando A JanelaOnde histórias criam vida. Descubra agora