Capítulo Sétimo

153 33 4
                                    


— Deve ser algo que meus chás não resolvem — Mary disse, preocupada. A tosse havia aumentado bastante desde que acordara e, enquanto esforçava-se com várias ervas, os sintomas agravavam-se. George estava doente desde a noite passada.

— Senhor Joestar, sei que devo estar indo contra seus anseios, mas não o posso deixar desfalecer aqui, sem o tratamento médico necessário — o mordomo disse, com um tom de voz ainda mais preocupado. O dono do casarão permanecia quieto na cama, mas ao ouvir o mordomo, protestou.

— Eu estou bem, não se preocupem. Isso logo passa — tossiu novamente, sentindo a contração violenta no peito. — E além do mais, ainda que Jonathan e Dio já se tenham resolvido, não confio neles dois a sós em casa.

A desculpa poderia ser levada em consideração, mas o senhor Joestar piorou demais de uma hora para a outra. Ambos os rapazes visitaram-no logo após o almoço e, infelizmente, sentiam que a idade não o perdoaria naquele dia.

Desde o amanhecer, os rapazes não haviam trocado mais olhares senão aqueles ásperos no quarto. Pareciam tramar um contra o outro, já sabendo demais das fraquezas alheias para dar o braço a torcer e olhar nos olhos um do outro. Dio fazia de todas as suas ameaças canhões autodestrutivos, que, a cada instante, tinham um pavio cada vez mais curto com a chama de suas dúvidas a queimar. Jonathan envenenava-se silenciosamente pelo escárnio do outro, mas engolia cada gota desse veneno como se fosse o seu próprio. A ave negra afiava as unhas, aguardando o momento certo de cravá-las na goela certa. A vida e a morte disputavam um espaço mínimo, mas já sabiam quem sairia vitoriosa.

— Meu pai — Jonathan disse, com reticências nos lábios. Olhava-o tristemente, temendo que jamais pudesse o sentir de novo. Os olhos azuis perdiam cor enquanto as mãos velhas repousavam quase mórbidas sobre o peito. Numa delas, um lenço estava preso, lenço este com o nome do filho costurado pela esposa. Escondida cautelosamente sob a palma cansada, residia a mancha carmim que a vida ainda deixava-o expelir, com um sabor amargo da desconfiança e da tristeza de partir tão cedo.

O jovem Joestar e o Brando formariam-se naquele ano, tão esperado, mas que agora passava com uma agonia desesperadoramente lenta. O senhor Joestar sofria tanto pela possibilidade de não ver o próprio filho formar quanto por uma péssima intuição dizendo-lhe que algo muito ruim estava por vir. Tossiu mais uma vez, não evitando pôr o lenço sobre os lábios. Não queria que fosse assim, mas pelos olhos tristemente fechados de seu filho, o Brando notou primeiro.

— Senhor Joestar, isto é... — com olhos perplexos, Dio fitou a empregada e o mordomo fo outro lado da cama. — Como ousaram calar-se diante de tal situação? — alterou o tom de voz, fazendo Jonathan olhá-lo com sanha. Jamais havia sequer se preocupado com George; por que agia como se amasse-o tanto?

Um gosto forte de desconfiança juntou-se com a ira de Jonathan, fazendo-o lembrar de coisas que preferia ter esquecido.

Todas as vezes em que seu pai chamava o loiro por algum motivo, o último levava sempre duas xícaras muito parecidas consigo. Pelo contrário do que fazia com Jonathan, chamando Mary e ordenando o chá para dois, ele mesmo levava oara George. Jojo queria pensar que era apenas uma bebida para não deixar secar os lábios, mas a cada dia que passava, sentia o pai mais cansado e envelhecido, muito diferente do que era quando Dio não estava entre eles. No entanto, negava-se agora que toda essa preocupação dera-se repentinamente.

Evitou-se pronunciar qualquer coisa suspeita, ignorando o estresse do Brando e dirigindo-se ao próprio pai.

— Por que nada nos disse, meu pai? Poderíamos ter chamado um médico, ter encomendado medicações da cidade... Isso não podia ter ficado assim — suspirou, deixando ao menos discretas todas as suas acusações. Afinal, era seu pai e ele precisava fazer algo. — Mary, há quanto tempo isso vem acontecendo?

— O senhor Joestar vem sentindo-se enjoado há tempos, mas dizia-me sempre que podia ser a idade ou apenas um mal estar temporário. Eu sempre dedico muita atenção ao que está sendo cozinhado por aqui, cuido para que as cousas que fazem mal a ele não cheguem às panelas — Mary suspirou preocupada. Estava nervosa e as mãos tremiam nos bolsos. — Me desculpe, senhor Jonathan, eu...

— Não se preocupe, Mary, sei de sua índole e de seus cuidados pelo pai, além de que jamais pensaria em algo assim. Não a acuso, mas gostaria de ter sido notificado disso mais previamente — ainda aflito com o que podia estar havendo, Jonathan dirigiu-se ao pai. — Perdoa-me, sei de sua relutância com isso, meu pai, mas será necessário que vá para a cidade para receber o tratamento adequado. Por favor, não recuse.

— Jonathan, meu filho, eu não posso deixá-los aqui — sentia-se um pouco tonto, temendo que fosse partir ali mesmo. Como um reflexo, disse sem pensar. — Sinto que algo muito ruim irá acontecer; queria estar equivocado, mas não parece ser uma dedução falha.

Antes que Jonathan pudesse protestar contra seu pai, Dio interviu com um tom de voz áspero e irritado.

— Não se devia preocupar com isso, George — assim que pronunciou o nome do pai, olhou para Jonathan como se o quisesse provocar. Tocou as mãos cansadas e apertou-as entre as suas. — Prometemos permanecer na mesma paz das semanas passadas e, além do mais, estaremos ocupados demais com os trabalhos da faculdade para brigarmos.

— Decerto que sim — Jonathan acabou por concordar, sendo seu pai preocupado a última coisa que queria.

Ainda que George relutasse, um acordo foi estabelecido e acabaram levando-o para a cidade, onde teria um tratamento mais adequado que em casa. Durante a despedida, Dio mostrou-se insistente na partida, sempre dizendo que tudo ficaria bem no final. Já Jonathan evitava ao máximo todo e qualquer contato com o loiro, por mínimo que fosse. Os olhos carmim cismavam em encontrá-lo no caminho de frases exigindo concordância, mas Jojo sempre rebatia-os, dando de ombros. Prometeu, ainda, ao pai, que descobriria o que o havia feito tão mal. E, quando a carruagem sumiu pela estrada, a ave negra abriu suas asas e levou consigo todos os cacos que podiam ter restado atrás das janelas. O gato não havia voltado, talvez até não voltasse, mas Jonathan tinha certeza de que tão cedo quanto inaginava, os espinhos e os príncipes negros caíriam abaixo de seu próprio céu protetor, num desabamento estrondoso e mortal. Voltou para casa, com o lenço do pai em mãos, e foi até seu quarto, onde começaria a queda da abóbada celeste.

Um Gato Pulando A JanelaOnde histórias criam vida. Descubra agora