No que tangia a linha dos olhos de um certo alguém, lágrimas dividiam um espaço apertado com os cílios encharcados. Ultimamente, andava turbulento em seu interior, evitando a pessoa causadora de toda aquela tempestade que era, fazendo-o correr perigo e terminar gostando disso. Não havia escapatória e as saídas para qualquer confissão estavam trancadas, com chaves enterradas sabe-se Deus onde.
À medida que o felino aparecia, avizinhava-se mais de Dio. Ignorava sua irritabilidade e estresse – bem como o rapaz fazia com sua presença –, tratando-os como se fossem uma boa flor que se cheira. Lambia-o nas mãos toda vez que começava a ler e, depois do almoço, seguia-o até o jardim, onde deixava centenas de pelos espalhados nas coxas do loiro; aconchegava-se livremente ali e tinha uma sorte imensa de não ser expulso. Jonathan olhava tudo de longe quando podia, e, quando estava perto, aconselhava Dio a não agir de maneira brusca ou poderia sair com arranhões e mordidas. Compartilhavam de alguns momentos a mais de paz, mas não era o lado certo do acordo; evitavam-se tanto que começavam a agir como adultos ignorantes, relevando tudo aquilo que não era de seu agrado. Encontravam-se várias vezes ao dia, mas o máximo que podia acontecer era um breve esbarrar e um pedido de desculpas abafado.
O Joestar não aguentava mais aquele ser arredio, sentia falta das brigas até. Sentia falta de quando Brando agarrava-o pelo colarinho, puxando-o abruptamente para perto de si, enquanto banhava os olhos azuis com seus sentimentos mais furiosos. Sentia falta de quando espancavam-se, deixando que o vermelho similar aos olhos tão bonitos tomasse seus lábios como que quisesse possuí-los. Sentia falta da aura desafiadora, agitada e imponente do Brando, contrapondo em vários lados com seu sobrenome.
Restava-lhe aceitar as coisas assim, que não chegavam a ser piores que o afastamento definitivo.
O gato obstinava-se com suas visitas, deixando uma parte sua em cada uma delas.
Certa vez, levara ao quarto de Dio um pássaro vivo. Abocanhava-o com cuidado e, ao notar que tinha atenção do loiro sobre si, soltou-o lá dentro, causando um grande alvoroço. Atônito com a atitude ousada do animal, chamou por Jonathan e sua melhor afinidade com animais para tirar a ave de seu quarto.Rodaram o quarto por alguns minutos, tentando encurralar o pássaro. O último batia as asas fervorosamente pelo ar, chocando-se em paredes, enrolando-se na cortina e tirando finos do cabelo loiro de Dio. Até que, por cansaço, acabou pousando em um local um tanto perigoso, mas ainda bem suscetível à sua captura.
— Fique quieto aí, ou vai assustá-lo de novo — Jojo aproximava-se sorrateiramente do pássaro, pousado sobre a escrivaninha de Dio que, por sinal, estava estudando quando a situação saiu dos limites. Permanecia imóvel, sentado na borda e virado de frente para o azulado. Mesmo vendo-o se aproximar, não se moveu ou aquela caça duraria mais alguns bons minutos. Jonathan esforçava-se para não fazer sons altos, mas quando teve que passar por Dio para alcançar o pássaro em suas costas, seu coração parecia gritar dentro do peito. A respiração do áureo chocava-se meandrosa no pescoço desnudo de Jojo e sua distração nesse momento levou à queda de um pote de conchas. O pássaro fugiu.
— Mas que droga, Jojo — e lá estavam eles, frente a frente, com todos os braços possíveis apoiados no móvel de madeira. Os lábios do Joestar vibravam e os braços ameaçavam fraquejar. Os olhos fundiram-se por instantes, misturando a fúria contraída de um céu vermelho com a calmaria agitada de um oceano azul. Jojo aproximava-se inconscientemente, visto que a única porta com rachaduras eram seus lábios. — O que pensa que está fazendo, enlouqueceste de vez? O pássaro não está em minha boca.
E não estava. Estava preso entre os dentes do felino, sendo dilacerado lentamente. Jonathan sentiu um aperto no peito quando ouviu o último pio da ave. O gato subiu para a janela novamente e, olhando melancolicamente para o céu, pulou do alto para voltar no dia seguinte.
— Desculpe-me — sussurrou, enquanto apanhava concha por concha. Sentia os olhos de Dio sobre sua cabeça, esquentando-a como se quisesse fazer evaporar alguma coisa. A ave no peito de Jonathan morria lentamente à medida que sentia-se cada vez mais dolorosamente viva. Penas espalhadas pelo chão do quarto evidenciavam sua presença, mas o pássaro certamente não entraria ali de novo.
— Não faça isso de novo — Brando retrucou enquanto abaixava-se para terminar de recolher as conchas. Estava cada dia mais adepto ao acordo com o Joestar, nunca dando o braço a torcer. — Honestamente, eu não entendo esse gato — a fala surgiu repentinamente, surpreendendo o azulado. — Traz-me coisas, interfere em meus estudos, pula janelas, entra escondido no meu quarto e, por mais que meu repúdio por ele seja visível, continua demonstrando seus sentimentos para comigo.
— Ele deve gostar de você, trazendo coisas para agradar-lhe. Deve ser por isso que olhava tanto o céu; queria achar uma maneira de mostrar-te que por mais que a ave esteja solta, não quer dizer que ela esteja livre — Jonathan balbuciou, trazendo nas mãos a última concha. O som que ela emitiu quando encontrou-se com as demais no pote ecoou mais alto que o imaginado, fazendo barulho no silêncio de Dio. Olhou discretamente para o céu em seu vermelho da tarde e ergueu-se para ir embora.
— E o que isso significaria? — era incompreensível, irrelevante e desprezível aos olhos do loiro, mas Jonathan entendia cada vez mais aquele felino e suas ações descabidas de juízo. Estava começando a compreender de fato.
— Eu não sei — blefou. — Veio na minha cabeça assim, de repente. Vens jantar?
— Logo desço, ordene Mary separar as ervilhas frescas — Dio disse, por fim, vendo Jojo sair silenciosamente do quarto.
Voltou-se para a janela, de onde conseguia ver o pôr do Sol. Pensou no céu e seus estados de calma, fúria e indiferença. Pensou no quanto as suas tempestades podem afetar alguém, da mesma maneira que a fúria e a indiferença fazem. Mas refletiu no que poderia interferir a calma. Lembrou-se de aves soltas que estavam presas, bem como ele, solto na vida, mas preso naquela casa. Solto para ir onde quisesse, não voltar se quisesse, mas detestava admitir estar preso a Jojo. Tudo aquilo era bem como sentimentos soltos no peito, mas presos pelo medo da rejeição, engasgando-se com ele. Ou talvez as aves fossem como aquele gato misterioso, que andava solto no mundo, mas vivia preso demais à abóbada celeste. Pulava janelas, machucava-se talvez, mas fazia tudo isso pelo céu. A qual preço? Não o alcançava e deveria se contentar em apenas admirá-lo. De fato, não valia nada a pena.
Dio anuviava-se em seu próprio quarto antes do jantar, trovejando aqui e ali enquanto andava em círculos. Do outro lado da casa, Jonathan chovia em seu interior, molhando as asas dos seus pássaros e embaçando a única janela pela qual o gato conseguia enxergar algo de bom naquele céu tempestuoso.
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Um Gato Pulando A Janela
Teen Fiction[ Jona + Dio | Angst ] Enquanto dividiam o mesmo teto, Jonathan e Dio possuiam divergências sentimentais. O loiro considerava o Joestar nada mais que um grande homem e um bom companheiro de conversa, ainda que seus lábios não dissessem. Entretanto...