Capítulo 37

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"Aos olhos nus, não passava de uma chuva repentina, mas aqui dentro soava como uma tempestade."

Clarice Lispector

Descobrir que estava tudo bem comigo, era reconfortante, assim como ir para casa. Mas eu ainda tinha perguntas que permaneciam sem resposta.

Toda vez que eu perguntava sobre Priscila, parecia que não tinha dito nada, pois as palavras vagavam no ar.

Mas quando obtinha resposta, era sempre algo do tipo: "ela ainda não foi liberada." Eu não pude ir visitá-lá, mas sabia que quando fosse ela ia ficar muito feliz.

Vovô já tinha ido embora, mas foi bom tê-lo aqui. Recebia muitas ligações para saber como estava e quando voltaria para a escola. Com sorte, na semana que vem minha rotina ia ficar quase normal, exceto por Priscila. Ficar sem respostas sobre ela, estava começando a doer, e a cada dia eu me sentia mais culpada.

Até que um dia, criei coragem para obter respostas. Mamãe estava no quarto, e eu fui até lá. Ela estava organizando algumas coisas e eu encostei na soleira da porta.

-Oi filha. -Disse ela.

-Oi.

-Precisa de alguma coisa? -Perguntou sem parar de se mover.

-Na verdade não. -Respondi.- Só queria saber como a Priscila está.

Meio relutante ela disse:

-Eu já te disse, ela ainda não pode sair.

-É, mas não é só isso. Vocês estão escondendo algo de mim, o que está acontecendo?

Ela ficou quieta mas continuou arrumando as coisas. Eu não podia desistir e ir para o meu quarto sem respostas de novo.

-Mãe?

Ela se sentou na cama com os olhos lacrimejados e perguntou:

-O que você quer saber?

-Quero saber o que está acontecendo com ela e porque eu não posso visitá-lá.

Ela negava com a cabeça tentando segurar as lágrimas.

Me aproximei dela, me sentei ao seu lado e disse calma:

-Eu mereço saber.

Ela me olhou no fundo olhos e disse:

-Não sabemos se ela volta pra casa.

Aquilo foi como um soco no estômago.

Senti arrepios e vontade de tirar tudo aquilo que havia comido.

Olhei para frente e as lágrimas começaram a cair.

-É por isso que não te disse. Não queria vê-la assim.

-É tudo culpa minha!

Ela negou com a cabeça e disse:

-Não é filha. Foi um acidente.

-Ela é só uma criança. Eu devia estar lá! -Disse eu.

Ela passou a mão nas minhas costas e eu não consegui me conter.

-Pri.

As lágrimas desciam duras, e sempre que imaginava a situação de novo, chorava com dor.

Lembrei do dia tentando capturar cada detalhe seu, lembrei da minha conversa com Pri, me lembrei dela dizendo sobre seu aniversário, e por fim lembrei do acidente. Neste ponto já não conseguia parar de chorar. Era tudo culpa minha. Priscila talvez nem voltaria para casa. Não brincaria mais, não se formaria no ensino médio, não se casaria, e era tudo culpa minha.

Lágrimas de culpa e dor desciam e enquanto isso eu deitava a cabeça no colo de mamãe enquanto, de alguma forma, ela tentava me acalmar, mas eu sabia que nenhuma de nós estava bem.

Assumir uma rotina novamente parecia tão bobo quando se existia problemas tão grandes a enfrentar.

Por exemplo, hoje quando acordei para ir a escola, fiquei um tempo deitada olhando para o teto sem saber se devia realmente levantar. Até que me lembrei das minhas responsabilidades e criei coragem para enfrentar um mundo sem Priscila pela manhã. Mas logo isso ia acabar e ela ia estar aqui comigo.

Eu me levantei e mamãe fez um café reforçado pra mim. Não estava sendo fácil para nós duas. Para ninguém na verdade. Papai tentava manter tudo bem para que pudéssemos confiar em Deus, mas eu sabia que ele também estava um pouco triste, e não podia culpá-lo por não demonstrar isso.

Robin também tem sentido falta de Pri. Toda vez que alguém entra em casa ele vai correndo até a porta na esperança de que seja ela. Tento brincar com ele o máximo possível para que ele não sinta tanta falta, mas sei que não é a mesma coisa. Ela sempre foi melhor com os animais.

É claro que Priscila não é perfeita.

Quer dizer, quando acontece algo assim, nós temos o costume de pensar apenas nas coisas boas de uma pessoa, mas eu sabia o quanto Priscila me irritava as vezes. Mas isso parecia engraçado agora. Ela discutia e me deixava nervosa, desobedecia e fazia bagunça, gritava e fazia birra como muitas crianças, e isso me irritava profundamente, mas eu prefiria realçar os momentos bons.

Os meus amigos se superaram em tentar me fazer feliz. É lógico que eu não estava cabisbaixa nem nada disso, estava agindo normal, afinal, tinha que confiar em Deus, Ele ouviu cada uma das minhas orações, desde aquela que eu fiz enquanto estava caída no asfalto até a que eu fiz hoje de manhã antes de sair de casa. Ir a escola distraía um pouco a minha cabeça, assim como ir a igreja.

Benjamin sempre foi muito atencioso, e agora estava mais ainda.

Então, apesar de tudo o que estava acontecendo, eu tinha que ser grata, pois tinha muito mais do que merecia.

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