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      Um livro às vezes pode ser a melhor companhia que uma pessoa pode precisar em um momento de solidão, a música pode ser um refúgio para um ser em sua mais profunda angústia, a costura uma distração para uma mente conturbada, e a tela um espelho para uma alma aflita. Foi pensando nisso que o Sr. Henderston não poupou esforços e dinheiro para que suas filhas tivessem a melhor educação disponível. Um cérebro afiado saberia tirar proveito de situações, que para pessoas comuns seriam irremediáveis, e três cabeças pensantes conseguiriam sobreviver e obter conforto depois que o provedor de toda a fortuna não estivesse mais entre elas. No fundo, era isso que mais lhe preocupava, deixar as filhas sem nada, desamparadas. No passado ainda teve esperança de ter um filho homem, mas o estado em que a Sra. Henderston ficou após o nascimento de Carrie o assustou, acabando com sua esperança de deixar um herdeiro, que assegurasse a fortuna e garantisse a proteção da mãe e das irmãs. 

      Depois de checar, pela segunda vez naquele dia, a saúde de sua esposa ainda adormecida, ele saiu de seus aposentos e caminhou até o escritório no intuito de ler as cartas, que chegaram no dia anterior, entre elas uma destinada à Elaine. A moça já havia despertado e se encontrava na sala de pintura, olhando uma tela em branco, tentando imaginar nela uma pintura, que talvez expressasse seus sentimentos sobre a noite anterior, onde o presbítero Ashwood pediu um momento de sua atenção para se desculpar pelo comportamento para consigo. 

— Senhorita Henderston, — Ele disse, fazendo uma breve reverência ao vê-la entrar na biblioteca. — solicitei sua presença pois desejo de todo o coração me desculpar pelo modo com que agi nesta tarde. 

— Senhor Ashwood, não é necessário. 

— Sim, é. Fui desrespeitoso para com a senhorita. Cheguei a quase impor os meus conceitos, dos quais ainda penso serem corretos, sobre sua conduta e a forma com que encara situações, que para mim são novas e inusitadas, com tamanha naturalidade. Contudo, cheguei à conclusão de que a senhorita tem total direito de saber lutar e de se interessar pelas artes mortais, apesar de não serem atitudes de uma moça comum. 

— Caso ainda não tenha percebido, senhor, eu não sou uma moça comum. Agradeço que tenha se importado em esclarecer-se comigo, e digo que fico extremamente lisonjeada por tê-lo feito perceber que uma mulher tem o poder de decidir o que faz de sua vida, mesmo que para o senhor seja algo novo e inusitado. 

      Dizer para si mesma que o comportamento do Sr. Ashwood, independentemente da situação que ele estivesse, seria fruto de uma educação mais tradicional do que a sua, era suficiente para satisfazer e acabar com seus questionamentos, mas não para deixar seus sentimentos quietos. Ela sentia a angústia de ter que enfrentar inúmeros obstáculos para se impor contra os preconceitos da realidade em que vivia. Convencer um homem como o Sr. Ashwood têm suas vantagens pois seu gênio dócil e amável poderia ser facilmente manipulado, mas o mundo estava repleto de pessoas com características contrárias às dele. 

— O que a perturba tanto ao ponto de sentar-se frente a uma tela e não conseguir pintar? — Ouviu a indagação de seu pai e rapidamente virou-se para ele.  

— Estou tentando descobrir — respondeu, forçando um sorriso. 

— Talvez uma caminhada até Grader Hall ajude sua mente. 

— Uma carta de Janett! — disse com surpresa ao ler o remetente da carta que recebera de seu pai. 

— Esteja à mesa para o desjejum. 

       Quando o Sr. Henderston saiu da sala de pintura, teve a oportunidade perfeita para ela abrir a carta com particularidade. A carta anunciava a volta da moça ao condado e a animação pela descoberta da gravidez da madrasta. A nova Sra. Brook, anteriormente governanta de Grader Hall, era um ser de extraordinária amabilidade e todos a adoravam, principalmente Janett. Após a morte repentina da mãe, a governanta assumiu o papel da antiga Sra. Brook e amou a moça tal como uma filha, mas além de despertar a afeição de Janett ela também conquistou o Sr. Brook. Viraram uma família feliz desde então, apesar das tentativas falhas do Sr. Brook de pedi-la em casamento mais antecipadamente, já que Olívia se recusava a ter toda a sociedade do condado lhe cotando como uma mulher interesseira que só visava a fortuna do esposo. Contudo, Elaine se sentia muito feliz por ter a amiga de volta, visitá-la seria um bom motivo para caminhar alguns quilômetros e evitar o Sr. Ashwood. 

— Ah, que notícia esplêndida! — Sra. Henderston exprimiu-se alegremente após a filha ditar algumas frases da carta. — Olívia Brook estar grávida é uma novidade e tanto, tenho certeza de que logo mais todo o condado saberá disto. Agradeça à Janett por nos avisar de antemão. 

— Minha amiga pediu toda a descrição possível, pois Olívia não se sente confortável em abrir mão de sua privacidade desta forma. Por tanto, minha mãe, a senhora deve manter-se neutra para com suas amigas. Os Brook farão um anúncio sobre a gravidez quando acharem necessário. 

— É uma atitude sábia, afinal, nada poderia causar mais estresse do que pessoas se infiltrando na vida pessoal de um casal recém-casado — falou o Sr. Henderston. 

— Me encontro curioso para saber qual seriam as pessoas sobre quem conversam — Ashwood disse. — Trata-se de amigos seus? 

— Sim, William. Egbert Brook é general do quartel de Maxfield, — O mais velho respondeu. — Nós servimos juntos. Ele é dono de Grader Park, uma propriedade localizada há pouco menos de dois quilômetros do centro da cidade, vizinha à nossa. 

— Quando sua filha, Janett, completou seus treze anos de idade, o pobre homem ficou viúvo, sua esposa falecera de uma febre fortíssima. Acerca de alguns meses ele casou-se novamente com Olivia Yule, antes, governanta de sua casa — Sua esposa acrescentou. 

— Terá a sorte de conhecê-los, senhor Ashwood. Os Brooks são pessoas muito amigáveis que gostam de abranger sua quantidade de amigos. — Daysi disse de maneira afável. 

—  Aposto que farei gosto de travar conhecimento de pessoas tão bem faladas. 

— Visitará Janett e Olívia hoje, Elaine? Por que não vai conosco, minha querida? Podemos deixá-la em Grader Hall.  

— Agradeço, minha mãe, mas irei recusar. Como bem sabe, eu gosto muito de caminhar, e além disto, o tempo está maravilhoso para ficar ao ar livre.  

      Encarar a brisa fria e os raios solares nunca pareceu tão satisfatório para Elaine, que deixou Hinxstone logo após seus parentes seguirem para o centro de Maxfield. Carrie mergulhou novamente em seu poço de aflição sem motivo e pôs-se a tocar as mais melancólicas canções de que tinha conhecimento, pelo resto da manhã. Ela foi bem observada pela irmã mais velha, cuja mesma desejava saber o que tanto lhe afligia a mente e o coração, pois até Daysi, a mais sentimental das irmãs, não havia passado por essa fase conflituosa tendo mudanças bruscas de comportamento e uma forte tendência à melancolia. 

      Carrie nunca fora, de fato, uma pessoa aberta. A socialização com suas irmãs, inicialmente, não vinha de seu próprio esforço. Suas opiniões sarcásticas, seu jeito insistente de enxergar problematizações em qualquer coisa e as mudanças repentinas de humor a impediam de ser uma pessoa transparente para com os que conviviam consigo, se tornando, por vezes, um ser indecifrável para suas irmãs, a quem maior parte de sua afeição era direcionada.

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