VIII

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      A delicadeza e precisão com que aquele piano era tocado seria capaz de causar admiração em qualquer pessoa que ouvisse a melodia proveniente de tanto esforço, mas também tal pessoa sentiria os sentimentos transformados em canção, invadirem seu coração como uma flecha. Era grave, calma e branda, mas cheia de sensações e carregada de uma verdade ainda desconhecida exteriormente, entretanto, dentro de Carrie, aquele sentimento crescia a cada dia e só era capaz de ser expressado através de canções emocionalmente bem executadas. Quem a ouvisse, não teria dúvidas de que o talento presente em seu corpo e espírito, extrapolavam todos os aspectos até hoje conhecidos, algo que era destinado a ser seu desde o nascimento, descoberto a partir do momento em que encostou no instrumento. Infelizmente tantas características eram escondidas por trás de um orgulho e amargor terminantemente enraizados em um gênio difícil de lidar e de se conhecer, demonstrada aos pingos a quem convivia consigo, e ainda sim, com muitos empecilhos. 

      Ela tocava tão ardentemente e com tanta vividez porque sua mãe não se encontrava em casa, muito menos suas irmãs, que deviam estar em algum lugar distinto da propriedade. Seu pai não se incomodava em ouvi-la, mesmo estando com visitantes a quem, a melodia que ecoava pelos corredores da casa, chamou atenção e atraiu até a sala de música, porém, ainda que curiosos, foram discretos e silenciosos fazendo com que a moça só percebesse sua presença ao terminar de tocar. Com medo de que os donos dos olhares, que ela percebia estar sobre si, fossem ladrões ou saqueadores, ela sutilmente pegou o canivete escondido logo abaixo do livro de partituras e virou-se devagar, mas toda aquela preparação para um suposto ataque fora em vão, os rostos de que estava consigo naquela sala eram muito familiares e, agora, tão assustados quanto o seu por detectarem uma arma em sua mão. 

— Senhorita, peço que baixe este canivete... — Um deles, o coronel Lawford, pediu com serenidade. 

— Me perdoem, eu não sabia que eram os senhores — disse assustada, devolvendo o canivete ao seu esconderijo e levantou-se, reverenciando os cavalheiros. — Devem estar procurando o meu pai, ele provavelmente se encontra em seu escritório. 

— Nós estávamos com ele, mas quando o mesmo precisou ausentar-se, nós nos vimos tentados a vir até aqui por conta da melodia que a senhorita executava tão perfeitamente. — explicou Rodwell.

— Eu agradeço por acharem isso, mas peço encarecidamente que não se aproximem de tão súbito na próxima vez. Pessoas assustadas podem cometer erros, na maioria das vezes irreversíveis.
 
— Pedimos perdão e lhe asseguro que causar algum desconforto à senhorita passa longe do que tínhamos tencionado. — O coronel voltou a falar, com a voz grave. 

— Está tudo bem por aqui? — o senhor Henderston perguntou ao entrar no cômodo. — Vejo que já se conheceram.

— Na verdade, meu pai, eu e Daysi conhecemos o coronel e o tenente semana passada. — Carrie se adiantou. 

— É uma coincidência e tanto, eu diria — comentou. 

— Ouso dizer que uma feliz coincidência, senhor. — Rodwell sorriu. 

— Bem, sendo assim, fico feliz em convidá-los para o almoço. — Fitzwilliam virou-se para eles. — Minha esposa passará o dia fora, mas eu e, com certeza minhas filhas, ficaremos honrados em compartilhar a mesa com os senhores. 

— É muita gentileza de sua parte, senhor, — Lawford iniciou — e é com...  

— Grande prazer que aceitamos seu convite. — Fora interrompido de uma forma abrupta, que beirava desespero, pelo amigo, e virou para o mesmo com uma expressão confusa e desconfiada.

— Direi aos criados que teremos mais duas pessoas à mesa. — O médico disse antes de sair da sala na companhia de sua filha. 

— Temos que voltar ao quartel, por que aceitou ficar para o almoço? — perguntou quando percebeu que ambos se encontravam sozinhos. 

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