XIII

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Steven Rodwell nunca foi um homem religioso, apesar de ter crescido numa família que seguia a igreja cegamente. Sendo naturalmente desconfiado, suas crenças não iam muito além da mínima fé que ele depositava na capacidade humana, e isso não afetava sua vida como as pessoas geralmente pensam; mas, naquela manhã de domingo, ele convenceu seu amigo mais devoto a ir até o presbitério de Hinxstone e assistir ao sermão. Lawford sabia de suas intenções e por mais que desaprovasse todas elas, viu uma atitude genuína por trás daquilo que poderia se tornar hostil aos olhos de Elaine. O convite da madame Henderston só contribuiu para o acontecimento que mais tarde deixaria o tenente mais pensativo do que de fato já era.

Após uma breve conversa com as damas e o Sr. Henderston, os rapazes foram convidados por Daysi para fazer uma pequena visita a Elaine, que se encontrava em seu quarto lendo um atlas geográfico. Ao vê-los, uma expressão de confusão tomou seu rosto e, se não fosse a iniciativa de um diálogo vinda de sua irmã mais velha, ela permaneceria calada. O coronel expressou suas intenções e, a pedido do amigo, deixou o cômodo acompanhado de Daysi, posteriormente.

- Acredito que não veio até minha casa para ficar me admirando. - Elaine disse ao perceber que o tenente não fazia nada, a não ser lhe encarar.

- Não, senhorita - respondeu, ao sair do curto transe. - Na verdade, eu vim ver como você estava, faz alguns dias que não tenho notícias suas.

- E isso lhe incomoda, tenente?

- De fato, mas meu incômodo se deve muito mais à preocupação do que apenas curiosidade.

- Preocupação?

- Sim. Digo... Eu e o coronel Lawford não estávamos presentes durante o seu acidente, mas ficamos sabendo por meio do general Brook. Ele nos contou dos perigos e de sua situação, e no momento me lembrei do aborrecimento que causei à senhorita naquela noite.

- Se pensa que meu humor ou meus sentimentos tiveram influência no meu acidente, peço que fique tranquilo. Foi apenas um infeliz acontecimento, resultado de um descuido momentâneo.

- Tenho certeza de que não fui cordial e nem educado. Fiquei aliviado quando a senhora Henderston me disse que você estava bem, mas não muda o fato de que eu agi de maneira errada e busco me redimir, por isso, peço seu perdão.

Achando aquilo desnecessário e buscando pôr um fim de uma vez por todas na conversa que provavelmente não os levaria a lugar nenhum, ela disse:

- Eu lhe perdoo de bom grado, tenente, mas creio que minhas ações foram claras o suficiente para o senhor perceber que...

- A senhorita não gosta da minha presença. - Completou, forçando um sorriso. - Agora mais do que nunca. Eu lhe desejo uma boa recuperação, com sua licença. - Ele se curvou e saiu, deixando Elaine pensativa e sem palavras.

Desde aquele fatídico dia, nem a moça nem o tenente tocaram profundamente no assunto, deixando que suas mentes buscassem alguma conclusão, a qual não resultou em algo plausível. Grande parte de Elaine se sentia verdadeiramente aliviada por, após a sugestão de Janett, interpretar as palavras e gestos de Rodwell como se ele mesmo não quisesse mais cruzar seu caminho, e a outra, mesmo que pequena, se arrependera da forma com que o tratou.

Testando algumas formas de bordado com sua irmã, ela finalmente se viu à vontade para comentar sobre o que aconteceu no dia em que visitou o centro com Janett, mais especificamente sobre quem conheceu lá.

- Ele é um amigo de Janett, se conheceram em Brighton, em uma livraria - disse, deixando a irmã mais curiosa.

- Vocês conversaram por muito tempo?

- Acredito que tempo suficiente para ter um bom juízo sobre ele.

- Estou admirada por, em tão pouco tempo, ele ter conseguido conquistar sua simpatia. Deve ser um cavalheiro que valha a pena conhecer. Qual fora o assunto da conversação?

- Nada muito extraordinário, na minha opinião.

- Você não achou nada demais ou apenas não quer nos contar, irmã? - Carrie indagou, encostada na porta.

- Você estava aí?

- O tempo todo - respondeu a mais velha.

- Diga, Elaine, o que tem demais no gênio do senhor Thomas Byron? - Carrie indagou, cruzando os braços.

- E o que ele teria?

- Para ser um dos poucos homens que não é vítima de seus insultos, alguma coisa há nele, não concorda, Daysi?

- Concordo plenamente.

- Vejamos... Ele gosta de ler e de pintura, temos um grande número de gostos em comum e ele também é muito mais educado e cordial do que qualquer outro homem que já conheci.

- Seria ele mais cordial que o coronel Lawford? - Carrie indagou, arqueando uma das sobrancelhas.

- Oh, com certeza não. O coronel Lawford está em outro patamar.

- Você se iguala à nossa mãe quando fala do coronel - comentou Daysi. Elaine sentiu um incômodo mínimo em relação ao que a irmã disse e ao tom que ela usou, mas preferiu enxergar aquilo como algo irrelevante.

Ela olhou para Carrie, que se deitava aos pés da janela, e suspirou por, aparentemente, a mais nova estar entrando em um estado pensativo e melancólico, novamente. O livro descrevendo as aflições de um poeta desconhecido descansava em seu colo, enquanto seu rosto recebia raios quentes de sol, e assim ela permaneceu até a luz vinda da janela se extinguir e o vento frio adentrar o quarto sem mediações.

Carrie se encontrava mais distante a cada dia e as mais velhas tentavam de tudo para fazê-la distrair-se de seus pensamentos conflituosos. Um dia elas se encontravam no alfaiate para ajustar alguns ternos do Sr. Henderston, enquanto as mais velhas falavam com o alfaiate, Carrie perambulava pela loja sem saber bem o que fazer, então ela presenciou a chegada abrupta de um rapaz. Ele era baixinho, mais ou menos da sua altura, tinha uma pele pálida, traços delicados no rosto e olhos bem azuis. A forma com que procurava algo por cada centímetro do lugar demonstrava seu nervosismo, e, quando seus olhos pousaram na moça, ele se direcionou a ela com passos rápidos e precisos.

- Você trabalha aqui? - perguntou.

- Não, estou esperando minhas irmãs que estão com o alfaiate, no ateliê.

- Ateliê?

- Sim, fica ao fundo da loja.

- Certamente não devo perturbá-lo já que o mesmo se encontra com clientes. Posso esperar - disse, depois de alguns minutos em silêncio, aparentemente conversando consigo mesmo.

Ele se sentou em uma cadeira próxima, mas logo se levantou com ansiedade. Carrie percebia em seu comportamento, gestos e modos, que não se tratava de um rapaz da região, e que seu ar arrogante conseguia se sobressair perto de qualquer homem daquele condado. Suas roupas eram finas, como nunca havia visto antes, mas estavam sujas e molhadas. Ela ainda teve mais tempo de notar todos os detalhes de seu rosto e de sua aparência antes que o alfaiate voltasse na companhia de suas irmãs. Ela se despediu do bondoso senhor e saiu da loja, vendo pela vitrine o rapaz se tornar um perfeito estúpido ao tratar aquele senhor de idade.

Sua mente tinha voltado ao seu estado pensativo quando, de repente, Janett se juntou ao trio sem nem mesmo ela ter percebido. As quatro foram caminhando até Grader Park, onde passariam a tarde conversando e tomando chá, e, no caminho, deram de cara com o coronel Lawford, o tenente Rodwell e o rapaz que estava no ateliê. Carrie reconheceria aquela face esnobe muito facilmente. Os senhores estavam a cavalo e, aparentemente, seguiam na mesma direção que as moças. O coronel logo desceu do cavalo e cumprimentou a todas, inclusive Daysi, cuja mão beijou delicadamente. A tensão entre Elaine e o tenente Rodwell ainda continuava a mesma, com os dois limitados aos cumprimentos formais de sempre. Janett percebeu a presença de um outro cavalheiro e esperou até que um silêncio constrangedor de instalasse para trazer à tona algum questionamento sobre ele.

- Este é James Imlay, sobrinho da condessa Paine. Ele chegou ao condado com ela - disse o coronel.

- É um prazer, senhoritas. - O rapaz reverenciou as moças, que retribuíram seu cumprimento com gosto, menos Carrie que foi obrigada a fazê-lo por sua educação.

- Estão indo para Grader Park, senhores? - Janett voltou a indagar, e o coronel respondeu:

- Oh, não. Alugamos uma propriedade a alguns quilômetros de Grader Park, estamos indo até lá para verificar os preparatórios para a nossa mudança.

- Alugaram Southwark Park? - Foi a vez de Elaine indagar com um tom surpreso.

- Sim, senhorita.

- É uma ótima propriedade. - Daysi citou, dando um sorriso de lábios fechados.

- Fico feliz por sermos vizinhos, nosso grupo poderá se reunir frequentemente agora, não é mesmo?

- Com toda certeza. Ficaremos honrados em deleitar de sua companhia qualquer tarde.

Os olhos de Imlay, estranhamente foram ao encontro dos de Carrie, e, com curiosidade, a moça permaneceu o encarando. Ele sorriu e se aproximou dela enquanto os outros se juntavam para caminhar.

- Tenho a impressão de que já vi a senhorita em algum lugar. - Ele iniciou.

- O senhor me faz crer que a memória não faz parte dos seus pontos fortes - respondeu, não mantendo contato visual com ele.

- Nunca foi, na verdade. Mas seu rosto é memorável. - Ele novamente sorriu, mas a moça permaneceu calada sem sequer olhar em seus olhos. Então ele tentou novamente:


- De todas as mulheres e belezas que já vi enquanto aqui estive, devo dizer que a sua é a mais distinta delas. - Suas palavras fizeram Carrie querer revirar os olhos e sair dali sem responder, mas seu dever como uma pessoa bem educada pesou mais nessa decisão.

- E por que diz isso, senhor? - perguntou, forçando-se à calmaria.

- É peculiar, novo e belo. Seus traços, expressões, seus cabelos, até mesmo as manchinhas em seu rosto.

- Chamam-se sardas.

- Sardas, que peculiar... - disse, pensativo. Posteriormente ele pensou em falar mais alguma coisa, buscando iniciar um assunto minimamente duradouro, mas antes que pudesse dizer qualquer palavra, Carrie interviu:

- Peço-lhe licença, devo continuar o caminho na companhia de minhas irmãs, não com um rapaz que mal conheço. - Ela se curvou e foi para o lado de Elaine, que andava sozinha, visto que Janett havia se empolgado na conversa com o tenente, e Daysi fazia o mesmo com o coronel.

O jovem futuro conde, então, se juntou aos rapazes que conhecia e caminhou em silêncio até que Janett o introduzisse na conversa.

Por alguns momentos, Elaine pôde jurar que o grupo estava sendo seguido, essa sensação se devia ao fato do desconforto que sentia ao pensar estar sendo observada. Ela perguntou a Carrie que, por mais perceptiva que fosse, negou estar sentido algo. Mais para frente, próximo a Grader Park, ela viu que os olhos que observavam eram de nada mais nada menos do que do tenente Rodwell. Ele tentou disfarçar muitas vezes, mas sempre se via tentado a encarar os olhos profundos de Elaine. Quando partiu, ele não pensava em nada mais além daqueles olhos, os quais faria questão de relembrar só para não perdê-los em memórias esquecidas.

O encanto de Steven por Elaine era algo que preocupava o coronel Lawford, como amigo de muitos anos, ele sentiu a drástica mudança de comportamento do rapaz mais do que qualquer um que convivesse com ele. O tenente estava mais calado e pensativo, às vezes fazendo piadas desconexas em horas inapropriadas e seu humor era tão imprevisível quanto os dias de chuvas e dias ensolarados do condado. Teria a escancarada rejeição da senhorita Henderston acabado com seu espírito de vez? Ou a conduta livre de importância à gracejos e a espontaneidade da moça o fizeram pensar e querer mudar seu comportamento?

Contudo, ele desejava que aquilo não contribuísse de uma forma negativa para o gênio de Rodwell, temendo o que uma rejeição pudesse, talvez, bagunçar a mente de um homem como ele.


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