XIV

6 0 0
                                    

      A tarde em Grader Park fora mais agitada do que em Southwark, as garotas fizeram jogos, ajudaram Olívia com alguns bordados para o enxoval do bebê e por fim, apreciaram o pôr do sol sentadas à beira do lago. Enquanto isso, Lawford e Rodwell resolviam algumas burocracias para o aluguel da propriedade e Imlay contava os minutos para voltar a ter a companhia de seus amigos e parentes.

      Já passados alguns dias desde a chegada do grupo de nobres à Maxfield, a Sra. Wylie se gabava para quem quisesse ou não quisesse ouvir, da honra de ser vizinha da condessa Paine. Ela fazia questão de estar na frente de sua residência para cumprimentar a madame todas as vezes em que ela saía. O que era para ser considerado uma simples, porém agradável coincidência, foi se tornando uma impertinência, de modo que incomodava até os outros vizinhos. Sabendo que a amiga estava, aos poucos, cometendo um ato tão intrometido e invasivo, a Sra. Henderston não tardou em lhe fazer uma visita e alertá-la sobre os boatos que corriam pela cidade. A senhora Wylie agradeceu, mas considerou que seus atos se tratavam de uma simples e amigável cortesia, não uma intromissão. Percebendo o orgulho e insistência da madame, Giselle deu-lhe algumas dicas de como tornar essas “coincidências” mais naturais, visto que Wylie não desistiria de tentar fazer amizade com qualquer ser vivo que estivesse naquela casa.

      Antes do almoço, o criado entregou um bilhete à Sra. Wylie, que se espantou quando leu o remetente. A condessa Paine, educadamente, sugeria um chá para firmar relações com sua vizinha mais entusiasmada, e indagou se o encontro poderia acontecer em sua residência. Sem mais delongas, Wylie enviou uma confirmação e começou os preparativos para que fosse tudo perfeito. Giselle fez questão de ajudá-la e, após o almoço, ela iria embora. Mal sabia que Paine não era tão bem intencionada assim e desde antes de chegar na cidade, já sabia da íntima amizade — para não dizer paixão — que Lawford tinha por uma das jovens Henderston, e ela não poderia deixar isso se prolongar mais.

      Meia hora antes do combinado, o nome da condessa era anunciado para as damas da casa, pegando-as de surpresa. Giselle foi obrigada a receber as Sras. Paine em conjunto com sua amiga, pois fugir aparentemente não era uma opção e seria minimamente mal educado aos olhos de alguém do alto escalão da sociedade.

— Devo dizer que Maxfield esbanja de uma comunidade agradável e cortês, não me falta elogios para descrever o lugar desde que cheguei aqui. — A condessa expressou-se com a face sorridente.

— Para nós, é um imenso prazer ouvir palavras tão afáveis. Creio que não poderíamos ficar mais honradas. —  Wylie disse, alegremente.

— Ora, por favor, peço que faça pouco caso de minha posição social — disse, com modéstia forçada, algo facilmente perceptível para alguém que não enchesse os olhos ao estar na presença de um nobre, e a Sra. Wylie não era esse tipo de pessoa. — Em diversos lugares pelos quais passei, vi que as pessoas começavam a agir diferente pelo simples fato de eu estar presente, me sentia como um animal exótico ao adentrar-me em algum cômodo e todos os olhares estarem sobre mim de repente. Infelizmente isso é um acontecimento corriqueiro da minha vida, mas gostaria que pudéssemos ser boas amigas e, quem sabe, pular grande parte das cortesias que todos são acostumados a praticar.

— Poderá me perdoar, senhora, se continuo me expressando mais formalmente do que o necessário, mas espero que concorde comigo quando afirmo que não é comum algum nobre visitar a nossa cidade. Para nós é algo extraordinário e não podemos agir como se fosse algum vizinho ou até mesmo um amigo de infância. — Giselle expressou, com desconhecida moderação.

— Oh, eu não sabia. Quando meu querido Arthur me descreveu todo o ambiente desta cidade, eu poderia jurar que era muito bem visitada e, apesar de estar aqui para a temporada de caça onde inevitavelmente é mais agitado, eu não me surpreenderia se dissessem que em todas as épocas do ano são assim. Mesmo assim, agradeço por sua cortesia.

— Não há motivos para agradecer, senhora.

      Conversar por uma tarde com uma dama como Madelaine Paine teria sido um verdadeiro pesadelo para a senhora Wylie caso Giselle não estivesse presente. Por algum motivo, os assuntos que ela abordava nunca eram suficientes para manterem um diálogo longo, com a condessa limitando-se a responder de forma curta à todas as iniciativas de um novo assunto. Se não fosse a senhora Henderston a introduzir a amiga sempre que podia na conversa, ela ficaria calada e reclusa, tendo que ser contentar a manter uma conversa civilizada e pobre de palavras com a senhorita Lucy, que acompanhava sua mãe no mais singelo e educado silêncio.

      Lucy tinha a aparência mais angelical e jovial que ela já havia visto, chegando a comparar a moça com a descrição de fantasmas das histórias que contava para os filhos dormirem. Ela realmente tinha a pele tão pálida quanto suas cortinas de seda, e tão suave quanto um algodão. Seus olhos eram escuros, assim como seus fios cacheados e perfeitamente presos ao seu penteado. De todo modo, não achava ela mais bonita que Daysi ou mais alta que Carrie. Poderia ser por conta de sua preferência às senhoritas Henderston, mas dificilmente ela mudaria seu julgamento.

      Se tratando da mãe de Lucy, uma mulher esperta, inteligente e sagaz, foi uma surpresa para todos os seus criados e amigos quando, olhando pela janela, ela anunciou sua vontade de visitar a vizinha da frente. Sua ingenuidade já não era algo considerado ao questionamento de alguma decisão sua, afinal, Madelaine nunca deu um ponto sem nó, e se queria visitar uma vizinha tão fora e abaixo de seus padrões, haveria algum motivo por trás; e sua filha receava por ter sido a senhora Henderston o primordial motivo. 

      Ao pesquisar sobre o coronel Lawford e seus laços mais recentes feitos naquele condado, a condessa descobriu uma certa amizade com as senhoritas Henderston, moças da região filhas de um respeitado médico e uma mãe amorosa e tagarela; em especial, a amizade que o coronel tinha com a mais velha, Daysi. Madelaine enxergava a moça como qualquer outra pessoa em sua situação enxergaria: uma ameaça. Depois da morte precoce de seu marido, as dívidas da condessa só foram aumentando ao ponto de ter que vender o seu pequeno castelo e ir morar com a tia, que por azar ou sorte, faleceu pouco tempo depois deixando uma propriedade, considerada por si mediana, em Londres.

      Convivendo na sociedade, travando conhecimentos e contatos, ela conheceu os Lawford, uma família de nobres influentes. Viu ali a oportunidade de elevar seu nível e também sua fortuna; casando Lucy com um duque ela não teria mais nenhum problema com dinheiro, mas havia um empecilho: Daysi Henderston. Quanto mais conhecimento dessa relação ela conseguisse extrair das senhoras tagarelas a quem fazia companhia no chá, melhor, mas Giselle aos poucos percebeu a intenção da madame e foi sua vez de fazer perguntas sobre a relação que tinha com o coronel Lawford.

— Como descreveria sua amizade com o coronel Lawford, minha querida? — perguntou, referindo-se à Lucy que anteriormente havia sido exposta pela mãe sob razão de ter uma íntima amizade com o coronel.

— Eles são muito amigos! Quando eram crianças, sua aproximação era tão forte que eu, o duque e a duquesa chegamos a cogitar uma possibilidade de matrimônio. — A condessa respondeu com humor.

— Se nos permite, gostaríamos de ouvir nossa querida Lucy. — Wylie disse, da maneira mais gentil que pôde.

— Sim, é verdade. Eu e o senhor Lawford somos muito amigos, trocamos cartas sempre que podemos e ouso dizer que posso considerá-lo como meu mais fiel confidente, ele é um ótimo conselheiro.

      A resposta conseguiu satisfazer as damas, que entenderam a paixão que a condessa gostaria que as pessoas entendessem como existente na relação da filha com o futuro duque, não passava de algo forçado e completamente fora da realidade. Ao final da visita, Madelaine expressou sua vontade em voltar a ter mais encontros agradáveis como o que tivera com as damas, e seu desejo de ter uma amizade mais longínqua com as senhoras seria de fato muito bem aceito se elas já não tivessem um desgosto mínimo plantado em seus corações.



Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 02, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

SensibilidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora