Abri a porta, sem acreditar no que estava vendo. Um furacão de calça camuflada e regata branca me agarrou pelo pescoço, derrubando-me no chão.
— Luíza? — sorri, abraçando-a forte enquanto ela gargalhava — Que saudade!
— Oi, irmãozinho — afastou seu corpo do meu e levantou-se do chão, estendendo a mão para mim — Achou que eu não iria voltar para te ver?
— Bom, você quase me fez estourar os pontos agora — fiz uma careta e ela sorriu, apertando a minha bochecha.
— Molenga.
Levantei-me com cuidado, sendo amparado por suas mãos.
— A mamãe está preocupada com você. Ela disse que chega aqui amanhã, não conseguiu vir antes.
— Não sei como — ri — Ela sempre consegue o que quer.
— Deve ter ficado com medo de ser presa em outro país — piscou.
Nós rimos. Ela abriu um sorriso de orelha a orelha ao ver Lorde, que veio correndo da cozinha e pulou sobre ela.
— Achou que seu irmão verdadeiro é ele — apontei — Posso ver as semelhanças.
Ela revirou os olhos e acariciou a cabeça de Lorde.
— Você é um irmão bem melhor, não é, fofinho? — falou com voz de "bebê" e ele latiu.
Meus planos de ir à escola naquele dia foram arruinados. Eu sabia que ela não me deixaria nem levantar do sofá a partir daquele momento, então, simplesmente me dirigi até a cozinha e chamei-a para comer torta. Lorde também não perdeu a oportunidade de devorar seu pedaço e tentar enterrar o segundo no quintal.
Nós passamos a tarde falando sobre o tempo em que ficamos separados. Ela houvera ficado durante um ano no exército. Contou-me sobre como se apaixonou por um dos soldados, sobre as amizades novas que fizera, as dificuldades de estar lá. Porém, havia coisas que eu sabia que ela nunca contaria, as mais desumanas e assustadoras.
Aquela era a segunda vez que ela ia. Dizem que é viciante para algumas pessoas, estar lá, mesmo que seja um enorme sofrimento e que haja uma amedrontadora onda de mortes consumindo-os o tempo todo.
Eu não perguntei pelas partes ruins, era quase como um acordo silencioso entre nós. Ela me contava as coisas mais razoáveis e eu fingia que só existiam elas. No fundo, eu sabia que me contar tudo pelo qual ela passava, iria quebrá-la de vez, como acontecia com vários deles.
Uma das coisas que eu mais detestava naquilo, era o fato de que muitas daquelas pessoas não escolheram estar lá. Deveria ser por escolha, por verdadeiro patriotismo, mas fizeram disso uma obrigação. Servir o país, eles diziam, como se fosse uma coisa honrosa, como se as pessoas devessem morrer por governos de ladrões e tiranos, e ficarem felizes por isso.
— Enzo? — sua voz me tirou de meus devaneios.
Encarei-a. Eu sentia um amor tão grande por ela, não poderia imaginar como seria perde-la.
— Iza — encarei-a fixamente — Você realmente gosta de estar lá?
Ela suspirou. Seus olhos ficaram tristes de repente.
— Eu já gostei mais — deu de ombros.
— Por que não para de ir?
— Tem pessoas lá, com as quais eu me importo — tocou minha bochecha — Preciso ficar um pouco mais.
Levantei-me da banqueta na qual me encontrava comendo a torta e puxei Luíza para um abraço apertado.
— Eu te amo — beijei sua bochecha — Senti sua falta.
— Eu também, Enzo — sorriu singelamente — Pensei em você todos os dias.Uma semana se passou até que eu pudesse voltar a frequentar o colégio sem maiores riscos de Luíza ir me buscar à força. Infelizmente ela ainda não estava totalmente confiante em relação ao meu físico, algo que eu e nossa mãe sabíamos que era apenas uma tentativa de usar o meu ferimento para dirigir meu estimado porsche preto. Decidi deixá-la ter esse gostinho por um dia, e ela me levou até o colégio, completamente radiante.
A primeira coisa que eu vi ao adentrar a sala de aula foram aqueles olhos negros, me analisando cuidadosamente e sem preocupação em disfarçar. Levantei uma sobrancelha e ela deu de ombros, chamando-me com um gesto de mão.
Dirigi-me até seu lado e Ayla falou baixinho:
— Por que não se senta ao meu lado?
Seus olhos pareciam brilhar contra a claridade que atravessava a janela. Pisquei para ela e abaixei-me, deixando meus lábios a poucos centímetros de sua orelha.
— Hoje não, mi hermosa — sussurrei.
Ela me fitou, obviamente confusa e com um embolado de emoções que queimavam através de seu olhar. Constrangimento, raiva e algo mais, algo que não pude decifrar nos poucos segundos em que a encarei antes de dirigir-me até o fundo da sala.
A primeira aula foi de biologia e as outras duas de matemática. Eu nunca fiquei tão feliz em ouvir o sinal para o intervalo, afinal, matar aula naquelas condições estava fora de cogitação, eu simplesmente não podia estourar os pontos de jeito nenhum, não tão perto de retirá-los.
Sentei-me perto da janela, no refeitório. Abri a mochila, retirando cuidadosamente a vasilha com os pedaços de bolo de cenoura que minha mãe teimou em acordar às cinco da manhã para fazer, com a desculpa de que eu deveria ser mimado após tanto tempo longe dela e de Luíza.
Após a primeira garfada, fiquei surpreso ao notar quem vinha em minha direção. Era Ayla, parecendo totalmente recuperada do baque inicial de levar um não. Ela se sentou ao meu lado e me encarou, parecia estar fazendo um esforço enorme para estar ali, pois suas bochechas coradas mostravam claramente o quanto ela estava envergonhada.
Ela retirou seu lanche da mochila sem falar nada, todos olhavam para nós, inclusive sua amiga que a acompanhara na biblioteca quando a conheci. A garota nada disse, apenas mordiscou sua maçã, sem muita vontade de comê-la realmente. Suspirei, empurrando uma fatia de bolo sobre um dos guardanapos que estavam sobre a tampa de minha vasilha.
Ayla pegou a fatia e empurrou-me sua maçã. Eu sorri, empurrando-a de volta. De certa forma, era divertido e interessante estar naquela situação. A garota comeu o bolo, e passou a língua entre os lábios, mas havia sujado seu queixo, de alguma forma inexplicável, como uma criança aprendendo a comer.
Levantei-me ao som do sinal e alimentando a curiosidade dos monstros ao nosso redor que continuavam com seus olhos famintos pousados sobre nós, curvei-me ao lado dela, limpando sua pele macia com o indicador, e claro, eu não podia deixar de enfiá-lo na boca, deixando a garota ainda mais vermelha do que antes.
Talvez eu estivesse alimentando minhas próprias vontades também.Boa madrugada para vocês, leitores e leitoras lindos, interajam um pouco aqui, dizendo como foi o dia de vocês, ou fazendo alguma crítica ao livro.
Espero que se deliciem com este capítulo, ele foi escrito com muito envolvimento e paixão. Um abraço e um beijo de Ayla e Lorenzo 💞😘❤. Vejo vocês em breve 🤗
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Nenhum de Nós
RomanceViver isolado do resto das pessoas era uma tarefa fácil para Lorenzo Bitencourt. Pelo menos até a chegada de Ayla. Contrariando tudo e a todos, o destino dos dois parece insistir em se cruzar, mesmo contra todos os esforços de ambos. Enzo não fazia...