Tomei um banho lento e gelado, precisava despertar, pensar com clareza. Eu via o sangue escorrendo pelo ralo. Muito sangue. Tinha hematomas por meu corpo, e um corte em minha testa, mas era só isso. A cicatriz de bala em minha barriga estava ali, mais clara que antes, mas ainda ali.
Vesti uma calça jeans, sem ânimo nenhum. Saí do quarto enxugando meu cabelo rebelde com a toalha. E lá estava a cena pela qual eu não esperava. Estavam os três no tapete da sala, dormindo. O policial, Ayla e Raphael. Todos ensanguentados e feridos. Suspirei diante da cena.
Não havia nada que eu pudesse fazer por eles. Tinha até certo medo de quando acordassem e percebessem o que fizemos na noite anterior. Havíamos matado pessoas. Acabamos com praticamente toda a OR, mas ela se reergueria, como sempre.
Dirigi-me até a cozinha, meu corpo todo doía. Fiz o café rapidamente, bem como panquecas. Havia brigadeiro de colher na geladeira, então eu o joguei por cima delas, era uma das coisas que Luíza mais gostava de comer, quando criança. Agora ela já não se importava com aquilo, as coisas sempre mudam.
Ouvi passos atrás de mim, lá estava ele, com o cabelo bagunçado, sangue seco pelos braços e um olho roxo. Se aproximou de mim, mancando um pouco. Parecia que havia sido atropelado por um ônibus, mas já esteve pior que aquilo muitas vezes.
— Eu quero o anel — disse, sem emoção.
— O que? — franzi o cenho, virando-me em sua direção.
— O anel, vai ser meu agora.
Balancei a cabeça.
— Você não pode — murmurei.
— ME DÁ O ANEL, LORENZO — gritou, puxando os cabelos — A gente quase morreu por causa dessa merda, eu não vou deixar você continuar com ele, vai acabar te matando.
— E eu não vou te dar — neguei com a cabeça — Você não merece viver uma vida de merda por causa de mim.
— Eu prefiro isso, do que ver você se matar — socou a parede — Você tem alguém com quem se preocupar agora — apontou para a sala, onde Ayla esfregava os olhos, despertando — Pense nela.
Dito isso, retirou-se da cozinha, indo em direção ao banheiro.
— Eu vou tomar um banho — falou por cima do ombro.Ayla e seu pai foram embora após tomarem banho e comerem, bem como Raphael, que não deu sequer uma palavra enquanto o fazia. Saíram com roupas minhas, emprestadas. Eu soube então o nome do policial, Fábio. Ayla não falou nada, como Raphael, seus olhos estavam tristes e cansados. Ela era a que mais tinha ferimentos, de todos nós. Tinha um corte em seus lábios, um na testa e o último na coxa. Seus braços estavam roxos de hematomas, e ela se movia com certa dificuldade.
Fui até sua casa no dia seguinte, mas ela não quis me ver. Também não apareceu no colégio. Depois de uma semana, eu liguei, mas não me atendeu. Liguei para seu pai, e ele me disse que ela estava passando por uma fase difícil, que não queria falar com ninguém. Eu não conseguia entender, tudo o que eu queria era ver se ela estava bem, estar perto dela...
Mais uma semana se foi, e depois outra. Os dias passavam lentamente, sem que eu soubesse o que fazer. Continuava esperando por um sinal, qualquer que fosse, mas com o passar do tempo, fui ficando sem esperanças, estava convencendo-me de que ela nunca mais iria sequer olhar para mim.
Eu não queria esquecê-la, não queria deixar de sentir aquela paixão que parecia queimar-me de dentro para fora. Queria vê-la, colocar tudo para fora, incendiá-la. Queria beijar seus lábios macios e rosados, várias e várias vezes, sem que nada pudesse me impedir. Queria sentir seu aroma adocicado e suave, como gotas de chuva em um dia de verão, queria sentir seu toque, sua pele junto a minha. Me perguntava como podia alguém, mesmo estando longe, provocar tantas sensações em mim. Como poderia eu continuar pensando nela cada vez mais, mesmo sabendo que sequer queria me ver? Era um completo mistério.
Acordei mais uma vez, após vários pesadelos, era sexta-feira, meu dia favorito. Tentei me sentir feliz, mas nem as gracinhas que Lorde fazia para chamar minha atenção, não foram o suficiente para me prender por muito tempo. Passei a manhã toda inquieto, indo de um cômodo da casa a outro, sem saber exatamente o que procurava.
Nenhum lugar parecia bom o suficiente para permanecer parado por mais de cinco minutos. Peguei um livro para ler, mas na segunda página já o havia abandonado, e ido a caminho da cozinha. Comi uma torrada, observei meu pequeno jardim, pela janela da cozinha. Eu até me deitei no sofá da sala, mas nada parecia ser agradável. Uma certa angustia tomou conta de mim, daquelas de quando você sabe que deve fazer algo, mas não sabe como fazer. Ou sabe como fazer, mas não tem coragem.
Tomei um banho rápido, vestindo uma calça jeans e uma camiseta azul marinho. Eu tinha que fazer alguma coisa antes que ficasse louco. Estava me sentindo como uma barata tonta, girando e girando em torno do mesmo lugar. Respirei fundo, ajeitando meu cabelo no espelho. Duas borrifadas de perfume depois, e eu estava na porta da sala, com a mão na maçaneta, tentando tomar coragem para sair. Lorde dormia no tapete da sala, em sua vida boa e tranquila.
Respirei fundo, abrindo a porta de uma vez. E lá estava a cena que eu menos esperava ver. Ayla estava no portão, com o dedo a poucos centímetros da campainha. Seus ferimentos já eram quase que imperceptíveis, e ela estava com um brilho a mais, como se estivesse com a alma quase que totalmente recuperada.
Nos encaramos por um breve segundo, e então eu fui até o portão a passos largos, abrindo-o para que ela pudesse entrar. Ela entrou, e abriu a boca para pronunciar algo. Levantei a mão cortando-a.
— Eu senti sua falta — pronunciei as palavras que estava guardando a tanto tempo.
Seus olhos me consumiram, enquanto ela entrava em minha sala e eu fechava a porta atrás de mim.
— E eu a sua.
Ela saltou sobre mim como um predador, envolvendo seus dedos em meus cabelos bagunçados, seus lábios sobre os meus, queimando-me, consumindo-me, crepitantes e selvagens. Beijei-a. Mas não foi como da primeira vez. Foi ainda melhor.
Ela mordeu meu lábio inferior, puxando-o. Apertou meu braço de leve, enquanto seus lábios se moviam contra os meus. Segurei-a pela cintura, enquanto ela passava a língua por entre meus lábios, envolvente, uni a minha a sua, imitando seus movimentos. Nossos lábios se separaram, somente para que ela pudesse usá-los em meu pescoço. Fechei os olhos, sentindo sua boca quente percorrendo minha pele.
— Eu estou apaixonada por você — sussurrou.
— E eu por você.
Boa tarde, meus leitores, como estão?
Desejo-lhes um ótimo dia e que se deliciem nessa leitura 📑💕.
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Nenhum de Nós
RomanceViver isolado do resto das pessoas era uma tarefa fácil para Lorenzo Bitencourt. Pelo menos até a chegada de Ayla. Contrariando tudo e a todos, o destino dos dois parece insistir em se cruzar, mesmo contra todos os esforços de ambos. Enzo não fazia...