IX

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A Pedrosa empenhava-se na conquista de Argemiro. Não contente de o convidar com insistência, arrebanhava-lhe os amigos para os seus jantares das sextas-feiras, em que a sedução rescendia até nos molhos de peixe. Adolfo Caldas, que se gabava aos íntimos de fazer os relatórios do ministro, traduzindo para português castiço a linguagem quebradiça do homem de Estado, não faltava nunca a essas reuniões; e o deputado Teles, governista, assistia aos banquetes com o desassombro de quem concorria poderosamente para a felicidade e o prestígio daquela casa. Argemiro, o mais solicitado, era incerto. Só o padre Assunção se esquivava sempre a essas honrarias, alegando que o seu sacerdócio o afastava de todos os gozos profanos. Para se aproximar também deste amigo, a Pedrosa não lhe faltava às suas missas das quartas-feiras, alegando devoção particular a S. José, patrono do marido, e oferecendo pela mão da filha esmolas gordas para os seus pobres.

A esmola, vinda daqui, dali ou dacolá, mata da mesma maneira a fome. É dinheiro. Padre Assunção agradecia sinceramente. S. José que valesse àquelas almas interesseiras, que outras menos dignas iam à sombra do seu manto pecar na igreja, sem que do seu pecado resultasse algum bem para os necessitados...

Que ambicionava, afinal, a Pedrosa? casar a filha com um homem de bem. Expor a menina àquele desfrute não era, por certo, ação digna de uma mulher criteriosa; mas a boa justiça encontraria para ela certa indulgência... Desgostavam-no mais as outras, que à sombra dos altares iam falar de amor, ali no interior sagrado da sua querida Matriz da Glória!

Pensaria, por exemplo, a Eugênia Duarte, que ele, padre, via com bons olhos a sua assiduidade na igreja? Fora sua confessada, sabia-a casada, com filhos, um lar precisado da sua presença e do seu carinho...

E lamentava os filhos dessa mãe, abandonados todos os dias, à hora exatamente de saltar do leito e da bênção maternal... Outra, cuja presença o inquietava ali, era Joaquininha Lobo, sempre com os pulsos cheios de rosários, sempre a dobrar-se em profundas reverências diante das imagens dos santos. Também essa fora sua confessada, e debandara como as outras, afligidas pelos seus conselhos e pelas suas admoestações... O marido desta vivia em viagens, como oficial de marinha; ela rabiava pelas igrejas, dando entrevistas entre Pai-Nossos, sempre envolvida em grandes obras de beneficência.

Numa quarta-feira, saía o padre Assunção de dizer a sua missa, quando foi abordado no adro pela Pedrosa e a Sinhá, que o aguardavam com a competente esmola. Embaixo, junto aos degraus, esperava-as o coupé. O dia estava magnífico.

– Reverendíssimo!

– Minhas senhoras...

– Acabamos de receber a sua bênção e viemos esperá-lo para darmos esta esmolinha aos seus pobres...

– Meus ou dos outros, todos os pobres me merecem a mesma consideração. V.as Ex.as devem tê-los também...

– Repele então o nosso oferecimento?! – perguntou a Pedrosa, desapontada.

– Não tenho esse direito. Somente, se me permitirem... eu ensinarei a uma das minhas velhinhas o caminho da sua porta, e a esmola será, então, dada diretamente, mais agradável a ambas...

– Isso não obsta... darei outra esmola à sua velhinha!

A Pedrosa continuava de mão estendida; e como o padre não a aceitasse logo, ela disse, com a sua costumada vivacidade:

– O sr. padre Assunção desconfia de nós!... não crê, por certo, na sinceridade da nossa simpatia. Tem sempre relutância em aceitar as nossas esmolas!

– Engana-se, minha senhora, engana-se! Não posso recusar o que não é para mim!... Todavia, desculpem-me a teimosia, a pessoa a quem eu destinaria esse dinheiro procurá-las-á amanhã. Posso morrer de um momento para o outro... é bom que conheça as suas benfeitoras...

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