XI

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A casa do dr. Pedrosa era uma das mais antigas da rua Senador Vergueiro. À sua fachada, de velho estilo português, a vaidade do dono mandara adicionar uma cimalha, que encobria as telhas aldeãs com os seus floreados medalhões de estuque e dois torreões laterais, ligados ao corpo central por passadiços envidraçados, de caixilhos miúdos. Dentro de um vasto jardim, fechado por gradil prateado, essa residência ficava meio encoberta da rua por dois misericordiosos tamarineiros, altos e frondosíssimos.

Num dos torreões fazia o senhor ministro o seu gabinete de trabalho. O outro, todo esteirado e guarnecido de caquemonos, era chamado em casa o “pavilhão japonês”, e destinado a Sinhá, que aí recebia as amigas e pintava as suas tímidas aquarelas.

Era noite de recepção e a Pedrosa embarafustou pelo quarto da filha.

– Estás pronta?

– Sim, mamãe.

– Que! de azul?! Não! muda de vestido. Branco, branco! Trouxe-te os meus brincos de pérolas. Toda de branco, só com estas duas pérolas nas orelhas, ficarás melhor. Como uma noiva...

O olhar da mãe acariciava a filha, que sorriu com tristeza.

A Pedrosa tornou a sair, recomendando pressa; ela ia para a sala esperar os amigos; antes de abrir a porta, puxou a filha a si e beijou-a com ternura.
A moça começou passivamente a desenlaçar o seu vestido azul, pensando no ar misterioso com que a mãe a atraíra naquele beijo.
Sem poder obedecer às ordens maternas, que lhe haviam imposto pressa, ela, mal enfiou o seu vestido branco, deixou-se cair sentada na beira do leito e ali ficou um largo espaço de tempo, com os olhos fixos no vácuo e os dedos embaraçados nas fitas desatadas do cinto.
Tinha pensado muito desde aquele passeio ao Corcovado e começava a compreender o seu papel... A mãe oferecia-a ao Argemiro... era por causa dele que lhe pusera nas orelhas aquelas pérolas, que pareciam queimá-la... Por quê? Porque ele era rico e ocupava na sociedade um lugar brilhante... Amava-a ele? não!... amava-o ela? Talvez...
Na verdade, a imagem de Argemiro nunca se lhe apresentara senão levada pela mão da mãe... lembrava-se mesmo de que a primeira vez que o vira achara-o velho e triste... depois, a pouco e pouco, habituara-se a imaginar-se noiva daquele homem sério, que todo o mundo dizia votado inteiramente à sua viuvez... e agora ei-la enciumada de uma mulher de cuja existência até as vésperas nem suspeitara e que ocupava já o lugar que a mãe lhe destinava a ela!

A figura de Alice desenhava-se inteira diante dos olhos pasmados da moça. Revia-lhe o rosto de um moreno pálido, de feições irregulares; o talhe esbelto do corpo, as mãos longas, o vestido cinzento, alegrado por uma gravatinha azul...
Que idéia faria dela o Argemiro? Um leve rubor subiu-lhe às faces e ela escondeu o rosto entre as mãos geladas.
A criada veio apressá-la. Sinhá levantou-se resolutamente e concluiu a sua toalete sem hesitação.
Quando entrou na sala, a mãe, entre um grupo de amigas, conversava com um homem gordo, de longos bigodes cor de vinhático. Apresentou-a; era o encarregado de negócios de Inglaterra no Rio de Janeiro!
Sinhá cumprimentou-o, admirada da habilidade da mãe; ela conseguira o seu desejo!
Ali estava na sua sala o homem por quem ela subira inutilmente o Corcovado. Bem o dissera ela: realizo todos os meus empreeendimentos!
Atendendo às visitas que rodeavam a mãe, Sinhá prestava atenção, a ver se distinguia a voz de Argemiro entre as vozes dos homens que palestravam no gabinete do pai.
Aí, entre os livros de direito e de economia política, arrumados em estantes de canela ou espalhados sobre a secretária e a mesa, conversavam animadamente Adolfo Caldas, Argemiro, dr. Sebrão, o conselheiro Isaías e o dono da casa.

– Falem-me de tudo! – exclamava o Pedrosa, súplice, – menos da política! Vocês não imaginam! não lhes direi que estou farto dela até os cabelos, porque sou careca; mas ultrapassa a minha força aturá-la até nos cavacos entre camaradas.

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